18 de outubro de 2003

FIM DA PRIMEIRA FASE



Esta é a quadragésima primeira edição seguida do Diário da Fonte e a decisão é dar um tempo – que pode ser de um dia, dois, uma semana, ou um mês – para reciclar as baterias e dedicar-me um pouco a outros projetos. A coluna ajudou-me a disciplinar meu tempo de profissional autônomo, a aprofundar a reflexão sobre jornalismo, a resgatar experiências e definir conceitos e a criar pontes com várias pessoas próximas ou distantes. Não é pouco.

DIÁLOGO - Pode ser que eu retome este hábito imediatamente, pois escrever aqui vicia. Minha sugestão é receber textos dos leitores que abordem os temas aqui enfocados, como jornalismo, literatura, linguagens, falas, mídia etc. Ficaria sendo assim um fórum plural e não apenas uma arena pessoal de textos. Todos tem algo na gaveta que guardam para determinado dia. Enviem para cá, desde que tenha tamanho hábil, a gente coloca para suscitar o debate. O importante é não esconder-se em biombos e trabalhar o diálogo para que possamos contribuir de maneira crítica e producente para a cultura do país da exclusão. Falando nisso, ontem tive o prazer de conversar pelo telefone com J. A. Pio de Almeida, e ele foi muito caloroso na conversa. Descobri que sua obra-prima As Brasinas – contos/memórias de apuradíssimo trabalho de linguagem – teve uma edição limitada em 2001 que não mereceu uma só linha da imprensa. É bom lembrar que o Poeta Maior foi também homem importante de redações e muitos dos que hoje enriqueceram com cargos e prestígio sentavam ao seu lado na sua mesa para conseguir divulgação das literatices que produziam. Pois o retorno para o grande poeta é zero. Ele não se queixa, eu é que estou colocando isso. Pio de Almeida é muito maior do que essas mesquinharias, que continuam imperando numa mídia especializada em divulgar os amigos. Isso acontece nas redações. Lembro que, ao editar por cinco anos uma revista empresarial, jamais deixei de receber quem quer que seja. Todo dia era dia de reunião com algum frila novo. Ficavam abismados com isso. Eu argumentava que minha obrigação era convocar todos, aceitar todas as demandas e que o processo, o trabalho é que depurava. Não cabe a mim ser censor de destinos. Faço isso porque assim fui tratado: me deram oportunidades várias vezes e preciso me comportar à altura do que recebi.

MÃE-DE-OURO – Mas vamos, para encerrar esta primeira fase, falar um pouco sobre os contos do grande poeta. Ele me confidenciou que tudo o que escreveu nesse livro – que deve ser colocado no panteão da mais alta literatura brasileira – é real: personagens, situações etc. “Claro que dei uma floreada”, diz humildemente este que é um exemplo de trabalho da linguagem. Sua “floreada” é magistral: não há uma só palavra fora do lugar. Como na história sobre seu quase afogamento num lagoão porque, raridade suprema, o cavalo em que estava montado não sabia nadar. Ele, menino, foi-se para o fundo com cavalo e tudo e só contou para os pais meses depois. O mais impressionante é a maneira como resgata as narrativas do pampa. A migração da Mãe-de-Ouro, por exemplo, da gruta do Cerro Jarau (lugar geográfico mítico do Rio Grande do Sul) para Corrientes, dá-se por um estrondo luminoso, que não mexe com o luar, mas com as sombras das casas, que imediatamente voltam ao lugar de origem. Há também uma saborosa história de guerra, em que um pretenso herói conta a verdade:o susto que todos levaram com uma carga do inimigo e como fugiram a galope, desmentindo assim as patacoadas que foram inventadas sobre o entrevero. Tudo isso é de um sabor enorme. Sua obra é a pedra que faltava no mosaico das minhas predileções literárias, pois não me conformava que a fronteira sudoeste gaúcha ainda não tivesse gerado uma altíssima literatura. Pois encontrei essa mina de ouro e voltarei a ela sempre que possível. Especialmente quando eu fizer uma visita ao Poeta em Porto Alegre, para a qual já fui convidado com todas as honras desse anfitrião maravilhoso e homem talentoso sem igual.

EU DIGO ALÔ – Um poema bem pequeno do meu novo livro, mas que contém o recado certo: "Não sou do exílio ou da morte/ Nada sei da saudade/ Não sou do adeus, mas do abraço".

RETORNO – Escrevam. A coluna agora lhes pertence.

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