6 de agosto de 2024

ESPÍRITOS NO JARDIM

 Nei Duclós 


Espíritos sentam nas cadeiras vazias do jardim

e lançam para dentro de casa olhares limpos

noto que não se importam com o sereno

e ficam imóveis em vestes brancas de linho

algodão que cobria o açúcar nos cotonifícios


Reconheço aquela antiga tia, a avó que nunca vi

parentes remotos de mundos perdidos, brasis

varridos pela chuva e submersos nos quintais

com nomes hoje improváveis como Zaida, Tita

e aquele que recitava os Sertões para as visitas


Nada lembro de ti, ancestral da minha origem

por isso meus descendentes vão se confundir

achar que a família começou comigo

Serei uma espécie de patriarca sem prestígio

nascido entre quinquilharias urbanas e telecines


Nada daquele perfil bíblico dono de sesmarias

que apascentava populações com um só grito

mas alguém que usava calça brim coringa

e brincava de mocinho sonhando com estrelas

sem prestar atenção nas heranças de sangue


Serei como o fundador de uma nação vazia

sem História suficiente para alimentar os mitos

a não ser que eu desenterre as estátuas de vidro

que se quebraram na avalanche de avenidas

e retome as histórias narradas ao redor do fogo


Serei eu então o espírito a ocupar lugar no jardim

a lançar o olhar sem mácula para a casa do futuro

onde crianças verão uma sombra entre relâmpagos

vou contar o que vivi na fantasia, já que a vida

só teve graça quando fantasmas visitavam o menino


Nei Duclós  



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