21 de abril de 2012

TUDO É LINGUAGEM


Nei Duclós

Começa pelo nosso nome. Somos palavras do registro de nascimento em cartório: origem, filiação etc. Amor, memória: tudo pode ser lido, já que compõem conjuntos orgânicos de signos, representações que acabam tomando conta do que era considerado real. Somos regidos pelos discursos do poder, nos insurgimos pelos textos e imagens, nos identificamos pelo que dizemos e expressamos, existimos a partir do lugar ocupado nas linguagens em conflito. Viver é um eterno debate entre argumentos opostos que são reduzidos a opiniões. É o front de uma guerra interminável, de linguagens que surgem, se reproduzem e somem.

Não se trata de uma camada de superficialidade sobre a o real, é a própria realidade que se manifesta por meio da linguagem.  O nome da nossa rua é referência importante, a cidade onde nascemos ou moramos, o nível escolar que atingimos, a carta de amor que inventou uma nova família, o próprio casamento, ritual de palavras juramentadas. Nossas crenças giram em torno de livros sagrados e a palavra do Senhor é definitiva. Deus ordenou o mundo por meio das Tábuas da Lei, onde valia o que estava escrito.

Quando vemos um filme, lemos um livro, comparecemos a uma exposição, vamos a uma audiência de música erudita ou a um show de música popular, nossa percepção aborda diversas linguagens. Nossa capacidade de ler o que está posto é a chave que decifra os enigmas da criação e da arte. Nada existe fora do que é articulado em sinais visuais ou fonéticos, em sons e imagens. Toda a cultura moderna se baseia nessa evidência. Os grandes pensadores, de Levi-Strauss a Pierre Bourdieu, de Wittgenstein a Noam Chomsky, de Sausurre a Foucalt, mostram que a chamada intermediação entre a percepção e o que é considerado real  é algo que tomou conta da realidade, a própria linguagem.

Por isso é inútil tentar ver atrás do biombo, a charada está no biombo. Um filme não tem uma guerra como “pano de fundo”, o pano de fundo é o próprio filme, senão não estaria lá. Não existem conteúdos, e isso não significa que só existam formas. Existem linguagens que nos transportam para inúmeros insights. Não podemos perder a âncora, a origem desses lampejos de conhecimento. Quando você lê um poema, não tenha dúvida: o poema é apenas ele, não nos remete a outras coisas. Se as palavras do poema não derem conta do recado então não adianta procurar nada através delas. As palavras são o próprio dizer do poeta e é inútil ele fazer pose de romântico ou realista. Ele é o que acaba de escrever.

Nossa época é a prova mais explícita dessa evidência. A internet é a exposição 24 horas/dia de linguagens múltiplas que se cruzam e se superpõem. Somos avatares, endereços postais, fotos. Somos a realidade formada por linguagens e interagimos por meio desses signos.  Quando partimos, somos não a lembrança que as pessoas tem de nós, mas as marcas que deixamos na linguagem coletiva. Somos este poema, este texto, este som. Cante minha canção que continuarei presente.


RETORNO -  1. Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana.  2. Imagem desta edição: Billie Hollyday.