18 de fevereiro de 2012

LOUD & CLOSE: A MORTE INACESSÍVEL E A COSTURA DA AMÉRICA


Nei Duclós


Se “loud” significa alto, por que foi traduzido para “forte” no título do filme Extremely Loud & Incredibly Close ? O filme é de 2011, dirigido por Stephen Daldry, que nos deu grandes obras, como O Leitor e As Horas. Alto ao extremo e perto (ou fechado) além da conta é o lugar onde se encontra Tom Hanks, no topo das Torres Gêmeas no 11 de setembro de 2001. De lá ele despenca, depois de tentar entrar em contato com a família pelo celular. Nesses minutos terminais, gravados pelo seu filho (o garoto Thomas Horn, que surta com a perda do pai), ele significa o desafio de uma cultura que se propõe hegemônica e, portanto, não admite a morte.

O pai que cai da torre encaminhou uma charada para o filho que o busca por meio desse labirinto por não ter um corpo para se despedir. O garoto procura encaixar uma chave encontrada no armário em lugares identificados por proprietários com um determinado sobrenome. É um modo de tentar reverter o que era tão próximo e de repente ficou tão inacessível. Dessa dor (a busca obsessiva em direção ao funeral adiado) é feito o filme, que tem como âncora a presença de dois magníficos artistas: Sandra Bullock, a que reprime o choro convulso que no fim a derruba, e Max Von Sydow, o avô distante e mudo que se comunica por bilhetes escritos a mão. Há ainda John Goodman, o porteiro que tudo entrega, e Viola Davis, a que salva o casamento ajudando o menino.

O cinema americano produziu inúmeros filmes sobre o espírito que volta do julgamento celestial para uma nova chance. O céu erra, a América jamais. O soldado que some no front e volta anos mais tarde transtornado é outra encarnação desse mito que dribla a morte. Nos faroestes, os bons rapazes jamais morriam, isso era função dos malfeitores. Sendo bom e justo você acaba sempre voltando para casa, lugar da eternidade. O pânico do garoto que perdeu o pai é seguir seu destino, o de desaparecer. Seus medos são trabalhados pelo avô, que o estimula a enfrentá-los. E seus passos são amparados pela mãe, que tudo provê, o matriarcado que assiste seus filhos principalmente na tragédia.

A morte do pai no fundo não importa, o que vale é sua lição ser seguida pelo filho, o que é garantia de sobrevivência da identidade da nação. O pai convida o garoto a ir o mais alto possível no balanço e de lá atirar-se no abismo. O menino acha perigoso e não vai. Mas descobre, na sua dor, que precisa fazer exatamente isso, desencavar o sentido do recado paterno para também ousar subir, por mais ameaçador que isso seja. Não podemos desistir de atingir o topo, diz o filme, já que fomos para lá e de lá não despencaremos jamais. Permanecer acima é o que conta.

É uma narrativa endógena, escrita por Eric Roth baseado no livro de Jonathan Safran Foer. Não aparecem terroristas, só a diversidade humana da América, que inclui a todos, de qualquer raça, cor, gênero, situação social. A democracia atingida mortalmente pelo terror tenta lamber as feridas e aposta as fichas na nova geração, o futuro. Não será possível manter a hegemonia sem que o menino decifre a charada e na busca se relacione com todas as comunidades dispersas americanas. Ficaram todos traumatizados com o impacto do atentado, mas é preciso costurá-los, perguntar pela fechadura onde cabe a chave misteriosa. Esta, pertence a um homem que também perdeu o pai, tirano, indiferente, que lhe deixou uma herança. Por mais dura que seja a relação pai e filho é ela que mantém viva a linhagem da nação atingida por um raio.

Mantenha, América, o espírito unido e permaneça no alto. Para isso, voe como seus pais e pelas mãos da nova geração resgate todos seus contemporâneos em fuga. A mortandade de 11/9 não faz sentido, o que faz é recompor a vida por meio da superação das feridas. Um filme tocante, com grandes interpretações e uma história complicada que no fim se revela quase um conto infantil. Quando comecei a ver, achei que sabia o que iria acontecer e acabei falando o que não devia. Mas fui até o fim e descobri um trabalho importante. Sempre procuro enxergar o cinema americano como estratégia de sobrevivência da identidade nacional. Eles jamais perdem o foco. Impressionante.



RETORNO - Imagem desta edição: Tom Hanks e Thomas Horn: a presença paterna que se esvai e a busca obsessiva por um sentido na vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário