22 de janeiro de 2010

O BRASIL DE LUTO


Os funerais dos militares brasileiros, vítimas do terremoto do Haiti, impedem, pela gravidade do evento e em respeito aos mortos e suas famílias enlutadas, qualquer crítica leviana ao nosso envolvimento na política internacional naquele país. Uma política que deveria ser liderada pela ONU, mas, vimos agora, é capitaneada pelos Estados Unidos, que encheu as ruas da capital devastada com tanques de guerra e poderoso armamento apontado contra a população civil. O álibi é a segurança, mas sabemos que a região do Caribe, depois da “perda” de Cuba, é conflagrada pela posição que ocupa nas fuças do Império americano.

Mesmo estando o Brasil de luto, devemos dizer que o alto custo cobrado da juventude das Forças Armadas não deve ser debitado apenas à fatalidade, mas também à decisão interna de participar de uma situação de guerra sob a aparência de uma missão de paz. O papel de polícia desempenhado lá sempre foi, historicamente, rechaçado aqui. O Exército se recusou, como é notório, perseguir “escravos fujões” no final do século 19. Não assume operações policiais porque contrariam as determinações constitucionais. Não poderia, portanto, cuidar da “segurança” (ou “estabilização”, que é a palavra oficial da ONU) em país estrangeiro, mesmo que eventualmente seja convocado para segurar as pontas em momentos especiais, como aconteceu na Eco-92 e nos jogos Panamericanos no Rio.

A melhor homenagem que podemos fazer aos heróis condecorados postumamente pela presidência da República é manifestar mais uma vez a estranheza dessa decisão, já que não se pode aceitar passivamente o envio de soldados brasileiros para um lugar que não nos diz respeito, mesmo sob os argumentos de envolvimento humanitário, que é restrito a profissionais como médicos e engenheiros e não a soldados armados, por mais boas intenções que existam. Faz parte da tragédia o fato de a situação haitiana se mostrar impermeável aos esforços despendidos por lá, apesar de tanta propaganda.

O terremoto mostrou que o país continuava à deriva. Se todos os milhões em dinheiro e recursos fossem investidos antes do baque, poderíamos dizer que havia sim um esforço de paz. Mas deixado ao Deus dará, o Haiti mostrou que continuava na mesma, tendo sido empurrado para mais fundo ainda do poço quando explodiu a bomba sísmica. Tudo foi abaixo na tragédia, inclusive as propaladas “conquistas” do trabalho desenvolvido de maneira abnegada e corajosa pelas Forças Armadas brasileiras.

Não se pode permitir que o sacrifício dos militares sirva de motivo para mais envolvimento e para a reivindicação de um papel de protagonista por lá. O Brasil oferece todo tipo de problema para que cuidemos de nossas feridas e não se pode achar que temos obrigação de marcar presença num lugar onde os americanos não permitem concorrência, mesmo que a diplomacia invente as frases mais caprichadas para negar essa evidência. Temos favelões, miséria, mortes de todo tipo, inundações, tornados, tudo. Não podemos gastar lá fora, num lugar onde não somos prioritários, o que se pode colocar aqui dentro das nossas fronteiras.

A morte dos soldados brasileiros é um sinal para não insistirmos nessa política de erros. Mas para que isso aconteça é preciso que mude o governo, mude a mentalidade do Ministério da Defesa e do Itamarati, o que não é pouca coisa. Paciência. Ser voto vencido num debate, se é que existe, não significa que devemos abrir mão das nossas posições.

Honra e glória aos heróis da Pátria. E paz na diferença.

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