15 de agosto de 2007

A IRMÃ GÊMEA DA LIBERDADE


Veio-me a metáfora perfeita para o trabalhismo brasileiro. É como nossos trens. Encaramos a ferrovia como algo obsoleto, de uma outra época, que só serve como curiosidade, saudade ou transporte de carga. No caso, de eleitores encerrados em vagões rumo ao holocausto das urnas, quando o voto trabalhista ajuda a eleger coisas como o Lula. Mas se formos ver direito, não existe nada mais moderno em transporte do que a ferrovia.

Trens do Japão e da Europa, soberbos e vistosos em segurança, conforto e alta tecnologia, nos deslumbram toda vez que aparecem. Mas essas maravilhas não mudaram na essência, pois os trilhos continuam em vigor, não é mesmo? Assim também o trabalhismo: solução ideal para o equilíbrio do país, não muda na essência e pode se transformar na modernidade que perseguimos. Os conservadores agora sabem o quanto perderam quando decidiram matar o trabalhismo. O poder migrou primeiro para a extrema direita e depois para o banditismo puro e simples. Nunca mais a civilização do capital e do trabalho. Agora temos a barbárie da especulação financeira e as ruínas que provocam ao redor.

PROFECIA - O ex-guerrilheiro Alfredo Sirkis faz um perfil de Brizola chamando-o de populista e irredutível, ou seja, defasado e turrão, centralizador e ignorante, já que não teria lido livro algum. Mas o texto todo tem um tom de pseudo elogio, como se Brizola tivesse tido o privilégio de encontrar a ele e a outros ex-guerrilheiros na época pré-anistia. Depois de chamá-lo de intuitivo e ágrafo, Sirkis se deslumbra com a capacidade de Brizola prever o futuro, pois em 1978 cantou a bola da queda do muro de Berlim, da globalização e dos prejuízos que o Brasil teria nesse processo.

Sirkis deve se orgulhar de suas leituras, pois se tornou marxista, depois verde, sempre sendo o cara lúcido e perfeito que acha ser. Mas escreve toscamente, enquanto o texto de Brizola é firme, claro, transparente, legível, profundo. Os chamados tijolões, em que Brizola faz sua catequese do trabalhismo à luz dos acontecimentos como o governo FHC, rede Globo, privatizações, entrega da soberania, são exemplares e deveriam estar reunidos em livros.

De grande formação humanista e técnica, o engenheiro e governador Brizola foi um exemplo de intelectual de verdade, que não traiu o país que o gerou nem o povo ao qual pertence. Enquanto isso, vimos o que podem os ex-guerrilheiros no poder, como José Genoíno ou José Dirceu. Na véspera da anistia, Brizola tentou se unir a eles, mas a arrogância, a ambição, a prepotência dos que fizeram da luta armada o álibi perfeito para a ditadura durar mais e finalmente se consolidar, achavam que tinham um destino maior do que aquele “populista”, palavra que enche a boca miserável deles.

Brizola também caiu na tentação do radicalismo e quase no da guerrilha, mas jamais deu golpe de estado nem matou ou mandou matar ninguém. Fez autocrítica quando voltou e tentou todas as alianças possíveis. Perdeu, mesmo tendo vencido mais de uma eleição, pois, sabedores do perigo que representava, seus inimigos o cercaram de todos os lados, com o apoio da alcatéia dos falsos intelectuais, que transformaram o trabalhismo no alvo principal de seus deboches. Para quê, sabemos desde os escândalos das cuecas e dos mensalões.

LIDERANÇA - Leio texto traduzido da imprensa estrangeira que Chavez e Lula “disputam a liderança” do continente. É de chorar. Dois imbecis metidos (com sucesso) a bestas não lideram nada, são fantoches. Venezuela quer dizer, literalmente Venezinha, pequena Veneza. Que liderança quer aspirar? Esse negócio de liderar o continente é coisa dos gringos. “Para onde for o Brasil, irá a América Latina” dizem os gringos, que acham que somos latinos ou hispânicos. Pesquisando sobre o Tamba Trio, o conjunto genial que marcou para sempre nossa música, vejo que é enquadrado como brazilian jazz ou latin music.

“A bossa nova não existe, o que existe é o samba”, disse uma vez João Gilberto. É o que eles jamais vão entender. Acham que somos parte do Império deles. Somos João Pernambuco, o eterno compositor da melodia do Luar do Sertão, com letra de Catulo da Paixão Cearense. Na sua homenagem ao luar do Brasil, compôs um Hino à Poesia, que diz assim por meio de Catulo: “A gente fria desta terra, sem poesia,/Não se importa com esta lua, nem faz caso do luar!/ Enquanto a onça, lá na verde capoeira, /Leva uma hora inteira vendo a lua, a meditar!”

Cante em qualquer lugar do Brasil essa estrofe para despencar em cima de você o estribilho do Brasil soberano: “Não há, ó gente, oh não,/Luar como esse do sertão.” O povo não esquece, esteja certo, do que somos e qual nosso papel aqui na terra. Fatalmente não é o de subjugar qualquer nação nem o de ser subjugado por quem quer que seja. Nosso destino é a soberania, irmã gêmea da liberdade.

RETORNO - Imagem de hoje: João Pernambuco, que influenciou Pixinguinha, Baden Powell, entre muitos outros, uma verdadeira escola musical do Brasil soberano, e que fez acontecer, entre outras coisas, a verdadeira música sertaneja no Brasil, entre 1928 e 1935, quando se uniu a Catulo da Paixão Cearense. Sobre seus estudos de violão dizia Heitor Villa-Lobos que Bach assinaria embaixo. Quem lembra que a melodia de Luar do Sertão é dele?

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