1 de julho de 2007

SABER DESDE CRIANCINHA




A sabedoria, o conhecimento, vem do berço, diz a nossa cultura conservadora. Os nenéns bem nascidos (futuros “homens de bem”) vinham ao mundo com o DNA da sapiência. Escola, diploma, seria apenas a oficialização desse dogma, como nos ensinam todos os séculos de rábulas formados em Coimbra, janotas filhinhos de coronéis esfregando sífilis nas escravas e outras coisas do gênero.

Como a nação ficou complicada, e era preciso contrariar essa monstruosidade teórica, e também porque a elite precisava realmente se preparar para o mando e ao mesmo tempo a população conquistou espaço por meio da fundação do Brasil Soberano nos anos 30, foi instaurado um complexo sistema de ensino que durou até os anos 60, época do sucateamento da educação e do país. Voltamos então ao que era antes: a sabedoria, o conhecimento, vem do berço. Não precisa de formação.

A maneira como foi montado o império da mídia como substituto da educação, em que as concessões foram parar nas mãos dos mais cavernosos elementos, sendo eliminada qualquer tentativa de alternativa inteligente, diz tudo sobre a atual hegemonia da ignorância bem sucedida, da burrice em estado de comercial de xampu, da fala na canga do reacionarismo autóctene, já que ser de direita hoje faz parte dos gens. O ressentimento contra a sabedoria, o conhecimento, a formação (representadas pela figura abominável do “diploma”) grassa em todos os pontos cardeais, e vai do pico da burocracia estatal até a mais miserável mendincância.

Esse é o ambiente ideal para medrar a orquídea mais primorosa da ditadura, os governos ditos democráticos a partir de José Sarney (os que vieram antes, de 64 a 85, fazem parte do pesadelo, mas são de outra natureza, igualmente sinistra). Sarney entregou-se aos economistas heterodoxos para acabar com a economia brasileira via planos cruzados no queixo; Collor distraiu as massas com a cultura apolínea do esporte enquanto à sua sombra e ao seu redor medrava o que havia de mais pernicioso nas contas públicas; Itamar assumiu ares de líder antigo turrão, mas foi no seu mandato que essa rede evangélica deitou suas garras para sempre; FHC desfilou os títulos de Honoris Causa pelo mundo enquanto baixava as calças da nação exausta dizendo: está aí, comam, é minha, é puta, podem fazer dela o que quiserem; e Lula assumiu toda esperteza do alpinismo social, usando como degraus as lutas populares.

No documentário Entreatos, de João Moreira Salles, que está disponível em dvd, Lula passa a maior parte do tempo diante do espelho, se enfeitando para as câmaras. E falando do horror de ter sido operário e como se esforçou para convencer todo mundo que ele era da classe média. As pessoas gritam para ele: você é nossa ultima esperança! Ele faz sinal de positivo. Não está nem aí. Pensa mesmo é como será sua rotina no palácio, como irá aproveitar a vida, bem diferente do FHC, aquele sujeito que nem fuma charuto no Planalto.

A todo momento, Lula fala também mal do diploma. Destaca como está sendo apoiado pela Academia Brasileira de Letras. Lula ganhou um presentão dos intelectuais colonizados: estes, com ódio do Brasil soberano, que os formou, cuspiram no prato onde comeram e inventaram a figura do operário revolucionário, como queria o marxismo de galinheiro (sim, porque o marxismo clássico, alemão e o pragmático, leninista, são ambos elitistas; estes falavam numa vanguarda da classe revolucionária e não na encarnação da Revolução – o que seria puro idealismo – na figura de um operário). Aí foi feita sua cama. E ele se deitou, com tudo.

No documentário, dá gosto ver como se locupleta na sua boa vida de paxá. Junto com a companheirada que dançou todinha nos escândalos da corrupção. Como estão felizes, como riem. Claro, riem de nós, que por toda a vida esfregamos o corpo nas cadeiras da educação e da cidadania.


RETORNO - Imagem de hoje: Debret ensina como se ensina no Brasil.


TOQUE - É tão pobre a colheita crítica sobre cinema no Brasil que é preciso sempre escrever sobre o que vemos, senão a versão errada acaba se eternizando na rede. Vejam Land of Plenty (Medo e obsessão, 2004), de Win Wenders, um filme sobre a paranóia americana depois do 11 de setembro, a "contra-imagem" do sonho americano, segundo o cineasta, autor de tantas obras- primas. Filme importante, feito em dois meses, que teve o cuidado de não se entregar a uma denúncia rasteira. Trata-se de mais um Win Wenders, com sua lucidez tão profunda que decide evitar a tentação do desespero. Um crítico achou que ele está "gagá". Um argumento e tanto. É o que colhemos na longa vida estrada afora: ficam esperando que você "tropece" na idade para enfim desqualificá-lo.

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