2 de abril de 2007

NOVOS CONCEITOS



Como vivemos numa ditadura batizada de democracia, toda a conceituação existente foi distorcida. Basta prestar um pouco de atenção para verificar que certas palavras adquiriram, pelo uso anti-ético, um novo significado, adequado ao atual estágio da vida nacional. Vamos ver algumas delas.


Reportagem – É a exibição de algum privilégio. Ô do sofá, agora vou provar esse chocolate folhado a ouro, que custa dez mil reais a unidade. Hummmm, está muito bom. Romário não sabe, mas estamos aqui no closet para mostrar os trinta mil pares de tênis dele.

Conteúdo – É o fruto da operação casada entre marketing e o que resta da redação. Exemplo: o grande grupo de comunicação (falido há décadas, mas isso não importa) faz convênio com poderosa instituição democrática patronal e mais um banco regional para prover conteúdo nos veículos impressos e virtuais. Imaginem o jornalista envolvido nisso. Precisa prestar bem atenção no que quer dizer conteúdo.

Guerreira – Mulher sem escrúpulos. Faz qualquer coisa para ficar com a bufunfa. Depois dá uma festa para as amigas socialites, que chegam com seus cachos marombados e dizem (produzem conteúdo) para a reportagem (que exibe o privilégio): “Ela é uma guerreira. Não se deixou abater e hoje é um exemplo para todos nós”.

Amigão – Pai ausente. O cara se mandou de casa ou vive na rua na happy hour (que ele chama de trabalho, porra) e de vez em quando acha que é pai americano e vai jogar algo como beisebol ou basquete com o filho. Aproveita a cena para fazer propaganda de margarina.
- Você me leva no zoológico, pai amigão?
- Claro, filhão campeão, o pai amigão leva você para o zoológico. Qual bicho você mais gosta?
- Da tua namorada, paizão. Aquela gostosa que dá de mamar aos macacos.

Ícone – Nulidade elevada ao patamar de paradigma. Ele é um ícone dos passeadores de cachorro da periferia das mansardas cevadas a dinheiro público. Fulana, ao ir à luta, transformou-se num ícone das mulheres brasileiras que querem um filho do Mick Jaegger. Num programão dominical, o apresentador rotundo (que se veste como magro) pergunta para a ex-BBB que acaba de se pelar sensualmente diante das crianças: “Você então foi à luta?” Os dois, apresentador e perigaça, são ícones.

Herói – Qualquer um que não tenha importância e possa substituir os heróis de verdade. O importante é desviar a atenção dos heróis para alguém escolhido para ser herói. Veja aqui o grande herói , o catchorro que detectou o pó da bandidagem. O cachorro pode ser eficiente como farejador, mas daí a ser herói vai um bom espaço. Enquanto isso, os nossos heróis dormem no pó das bibliotecas abandonadas.

Espetacular – É a notícia sem importância apresentada em tom grandiloqüente. Os caras que montam numa moto a 800 por hora e caem na pista, o piloto de provas que acaba com a festa se estatelando no chão, o cavalo que dá um coice no treinador, a interminável seqüência de perseguições policiais nas ruas e estradas americanas, tudo isso que não fede nem cheira, e ainda produz conteúdo redundante, é considerado espetacular.

Informação – Fulano tem a informação. Agora você vai ficar bem informado. Informação é a propaganda da capacidade dos jornalistas produzirem o que eles chamam de informação. Veja, eu sou capaz de te informar, ô do sofá. Depois do jogo, daqui a 50 minutos, vamos te informar porque o Maradona está na pior novamente. Aí você clica na internet e sabe imediatamente porque o jogador se deu mal, não precisa esperar o jogo acabar. A informação é o pãozinho quente da mídia da ditadura. A verdadeira informação está em outro lugar, jamais revelado.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: foto de Helcio Toth. Os dois garotos que aparecem de costas, em primeiro plano, é a informação excluída do evento (fora, Bush). 2. Minha resenha "O engenho como arte", sobre o livro "O ventre da baleia", de Javier Cercas, está publicada a partir de hoje, segunda-feira, dia 2 de março, na revista Cronopios.

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