8 de setembro de 2004

OUSADO PARA A ÉPOCA


O evolucionismo é uma generosa fonte de equívocos. Acredita-se, por exemplo, que Darwin defendeu a tese de que descendemos do macaco. Como se do chipanzé, dependendo das condições geográficas, pudesse sair um Einstein depois de alguns milhões de anos . Darwin escreveu outra coisa. Disse que homens e macacos possuem ancestrais comuns, o que não os coloca em seqüência na chamada escala evolutiva. Um macaco pode ser muito mais inteligente do que você. Sobra também o exemplo clássico da mídia: isso era ousado para a época, fulano estava à frente do seu tempo. Como se cada época fosse um degrau da escada humana rumo ao infinito, o que é uma bobagem. A verdade é que nascemos zerados e toda geração parte do nada em direção ao seu esplendor, para depois voltar ao pó.

CENAS - O que é cumulativo são os avanços da ciência, não a chamada evolução humana. Ninguém precisa mais inventar o avião (mentir que os americanos são os inventores é outra coisa, faz parte da campanha cultural da hegemonia do império). A revolução digital vem até nós sem que nada fizéssemos para compreender seus mecanismos ou participar de qualquer tipo de interferência. Diz-se que a meninada já nasce sabendo, pois tem muito mais entendimento da tralha que nos rodeia. Acho uma besteira. Nascemos tabula rasa e o ambiente ajuda cedo a garotada mexer nos botões. O que é triunfante em todos os tempos é a idiotia. Calculo que por mais mil anos farão especiais sobre como o rock mudou o mundo e como o sonho acabou. Talvez a atual fase obrigatória, no cinema, da cena do mijo passe, mas poderá voltar num revival. Hoje vi numa loja de livros, jornais e revistas o seguinte aviso: não é permitido ler jornais. Argumentei, escandalizado, que eles nos proibiam então de comprar o produto que vendiam. Num restaurante desses meia-boca de comida a quilo, um aviso mandava as pessoas de cabelo comprido afastar-se da bandejas. Chore, você está sendo filmado. Fique à vontade! Eu estava à vontade até agora, mas depois que você me deu essa ordem, já fiquei constrangido. Quer aprender a ler e a fazer as quatro operações? Então ligue para este número (lembro daquele cartaz do Mobral que dizia: amigo, aprenda a ler no posto do Mobral mais próximo). Onde foi que evoluímos?

DRUMMOND - Já naquele tempo, costumam dizer. Na visão da mídia, o passado sempre conspira a favor do momento em que vivemos. Isso já foi enterrado em História. Especificidade é a palavra chave. Os fatos dispersos no tempo não possuem um DNA, uma hélice de encadeamento lógico, como se uma coisa fosse virar outra. Se fosse assim, jamais chegaríamos ao estágio de boçalidade política em que nos encontramos. Esclarecer sobre o evolucionismo é fundamental para não cairmos em armadilhas como modernidade, por exemplo. Drummond alertou sobre isso: como ficou chato ser moderno, agora serei eterno, escreveu. Depois da modinha da pós-modernidade, o que temos? Zero, como sempre. Não serão os rótulos que nos salvarão. O que mais acontece é rotular de moderno o retrocesso para mascará-lo. Um dia me perguntaram como era Uruguaiana nos anos 50. Estávamos na Avenida Paulista e disse: olhe ao redor. Existiam carros, postes, fios, buzinas, pessoas vestidas, como agora. Em São Paulo existem duas imagens sobre o que eles chamam de Sul (o país imaginário que tem Gramado como capital). Uma é que é uma espécie de Europa em miniatura. Outra que só se anda a cavalo. Aqui na ilha ouvi o seguinte: cidade tal não evolui, também lá só tem caboclo, não existe um só alemão. Gostaria que fossem viver na Alemanha nazista para sentir o gostinho do evolucionismo. Alma é um sopro, uma graça, e precisa ser cultivada, senão corremos o risco de virar vegetais e, pior, animais peçonhentos. Sinto brutalidade em toda a parte. O melhor romance está amarelando na gaveta. A literatura está muito ocupada em incensar as nulidades.

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