27 de agosto de 2004

A SEDUÇÃO DA DERROTA

Por que perdemos demais nas Olimpíadas? Porque a derrota é mais sedutora do que a responsabilidade da vitória. Vencer pesa demais sobre os ombros de indivíduos desamparados de uma estratégia vencedora, que deveria estar a cargo do Estado. O que faz o poder público? Enche de mordomia os cartolas do esporte e deixa à míngua quem vai vestir a camisa para virar o jogo ( as exceções são os que foram patrocinados). Como reagem os atletas? Vencem quando podem e acabam morrendo na praia escassa de estadistas. O país soberano deveria se impor sobre esse amontoado de individualidades, como faz a China, Cuba, Estados Unidos. Chama-se política pública. Chama-se espírito público. Chama-se asssumir a nacionalidade a partir do topo.

URUBUS - Esse ser daninho, fruto do monopólio da comunicação, instrumento da ditadura civil, chamado Galvão Bueno, como não colocou a mão no ouro para vituperar seus impropérios patrioteiros (pátria para ele é encher as burras de dinheiro) acaba fazendo pouco das nossas atletas. Galvão Bueno encarna aquilo que Nelson Rodrigues chamou de espírito de vira-latas. No fundo, acha que o povo brasileiro não presta, a não ser para servir de insumo para suas alocuções, cada vez mais tendenciosas, desinformadas, atrapalhadas e burras. Vejam o que fizeram com as atletas do futebol: não fosse a Band, nada saberíamos da grande campanha das nossas jogadoras. Pois na hora agá, lá estava o grande pé-frio, louco para colocar a mão no ouro. Não conseguiu, ficou decepcionado. O que fez ele, que ganha milhões, para aquelas valorosas brasileiras que suaram camisa até o último segundo, lutando como loucas, honrando o futebol pentacampeão do mundo e que caíram de pé, aos prantos, como os anjos caem diante das injustiças? O que fizeram com Daiane? Fizeram-na chorar dias antes da grande prova, apresentando seus amigos de infância que foram para a marginalidade, dizendo para ela, como sempre, veja como você tem sorte de estar aqui na nossa mão enquanto essa-gente mata e rouba para viver. Essa-gente que cumpre o destino do povinho brasileiro, parecem dizer. Veja lá, hem Daiane, veja o que te espera, traga o ouro para o nosso bucho senão olha o que vai acontecer com você. Tropa de sabujos asquerosos, falsos jornalistas, vozes insuportáveis onipresentes, que ajudaram a destruir a soberania do país que ensinou a humanidade a voar.

OS MAIORES - Vencemos em algumas duplas e não nas equipes maiores. Os indivíduos seguram, mas não os times. Quando dependemos do coletivo, da nação em miniatura, nada temos. Seis pontos de diferença naquele que deveria ser o ultimo set do vôlei feminino: perdemos. Show de futebol: soccer vitorioso (elas não seriam muito melhores, apesar de levarem o maior banho de futebol da história?). E assim por diante. No salto triplo, onde temos tradição, ficamos em quinto lugar. Não temos estratégia de vitória: medalha conquistada é medalha que deve ser segurada para a próxima olimpíada; cada olimpíada deveria ter como meta uma medalha de ouro a mais. Mas nada disso é discutido. O Brasil usa do velho extrativismo no esporte: trata os atletas de futebol como ametistas arrancadas à terra para serem devoradas pelo exterior (e agora parece que temos a máfia russa rondando nosso futebol, é assim que funciona?). Tivemos a chance de soberania quando soubemos vencer cinco vezes o campeonato mundial (graças à base implantada pelas políticas públicas na Era Vargas e que ajudou a criar uma tradição nesse esporte). Agora estamos á mercê do vento. Parece que somos uma ilha do Caribe, mendigando medalha, enquanto os outros países se locupletam com as vitórias. Não temos chance, ouvi dizer, nado sincronizado é coisa de Primeiro Mundo. Milésimo quinto lugar é uma boa meta, ouvi dizer. A remadora brasileira que chorou porque estava ao lado da campeã me deu urticária. Me lembrei de Cassius Clay, que foi enfrentar o bicho papão e disse antes: sou o melhor, sou o maior, ninguém pode comigo. É na mente que se formata antes a vitória. Somos os melhores. Duvidar disso dá naquilo.

MÍDIA - Contratar fontes no lugar de mídia é um erro crasso. Nós, gente judoca, dizia uma comentarista. O tom monocórdio, a fala corporativa, a falta completa de competência jornalística deixam os telespectadores à míngua. Até quando é preciso repetir? Quem tem área é futebol. A área do jornalista não é o esporte, a economia, a cultura. A área do jornalista é o jornalismo. É ali que ele exerce o seu ofício. Difundir, narrar, compor falas especialistas, é função do jornalista, que é mídia, um canal de transmissão. Fonte se ocupa de dar seu testemunho, mas não pode ficar no lugar do jornalista. Você que esteve lá, Falcão. Falcão nunca esteve lá. O campo é outro, o tempo é outro, as equipes são outras. Falcão vale pelo que sabe dizer, pelo seu poder de mídia, não porque esteve onde quer que fosse. A não ser que seja convocado como fonte.

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