18 de maio de 2004

O PAÍS QUE VEIO DO FRIO

O império da palavra tropical é algo avesso a nós, que fomos criados no inverno. Agora que as baixas temperaturas assomam e nos envolvem em gripes, pulôvers, cobertores e campeiras (essas só para iniciados) é bom lembrar que o Brasil, não sendo para amadores, é um demolidor de frases feitas, de idéias prontas e de marcas registradas totalizadoras.

QUEBRANDO GEADA - Às sete da manhã, o sargento do exército que era nosso professor de Educação Física ( e nosso vizinho na rua Bento Martins, em frente ao Colégio Santana), nos administrava 50 minutos de ginástica sueca, numa aula que se iniciava com várias corridas em volta do capo de futebol e terminava com uma pelada organizada entre os sem-camisa e os com-camisa. Ficávamos uma semana com o corpo dolorido, quando chegava a vez de nova sessão de torturas. Os pés ficavam roxos, assim como as orelhas, alvos de reguadas aplicadas pelo fio cortante de suas madeiras, que se transformavam em instrumentos de punição nas mãos dos mais velhos. Usávamos as campeiras, que eram casacos grossos de lãs, que agüentavam de tudo, inclusive chuva pesada. Por baixo delas, os pulôvers, ou blusas de lã como chamaram depois (homem jamais usava blusa), que podiam ser um, dois e até três. Os mais poderosos eram tricotados por minha mãe, que fazia mangas longuíssimas, pois espichávamos (eu mais do que os outros) em poucos meses e no fim do inverno, se ela não tivesse tomado essa providência, teríamos cotovelos à mostra, tiritando. Embaixo desse monte de roupa, usávamos uma camisa e por baixo desta, uma camiseta de manga comprida. Nas pernas, por baixo de tudo os cuecões, que nos abrigavam junto com as calças, de lã ou de veludo cotelê, comprado na Argentina. Gorros que cobriam as orelhas, capuzes gigantescos para nos defender da chuva, galochas para os aguaceiros intermináveis, mais ainda os guarda-chuvas. Mas se abrisse sol pondo fim à nevasca, jogávamos tudo para o alto e íamos jogar futebol. Ou melhor, os outros iam, pois como eu era asmático, como o Che, ficava de resguardo, olhando pela janela a gurizada chutando bola de meia, cadernos dos colegas, água de sargeta e tudo o mais. A infância era transgressão permanente e ai dos fracos. Sorte que eu tinha sempre para me defender (ou ?tirar a cara por mim?, como se dizia), meu irmão Luiz Carlos, brigador de primeiro time, que jamais chegava em casa sem alguma cicatriz de guerra, uniformes de colégio aos pandarecos. Jamais, não. Mas acontecia seguido.

TRIBUTAÇÃO - No fundo todos dizem a mesma coisa (socorro!), como diria Millor Fernades numa antiga charge. Dizem: tributação. Mangabeira Unger, que tanto elogiei aqui, num dos seus planos mirabolantes de fabricar um novo país (com sua cabeça de interventor alienígena) justificou o arrocho fiscal atual, que está enchendo as burras do governo com grana extraída do suor de parte da população que ainda consegue trabalhar. Para mim, deveríamos erradicar todos os impostos. Por que temos que sustentar o coronelato civil e suas mordomias? Quando sofre uma empresa para, via impostos, financiar um nababo na viagem de graça de Brasília para seu grotão? Erradicando os impostos, todo o dinheiro produzido pelo sistema produtivo circularia livremente no país. O governo teria de usar uma outra moeda, dinheiro público, que seria usado para circular em suas próprias esferas, ou seja, os três poderes, seus funcionários, e as empreiteiras. Uma moeda jamais contaminaria a outra. A dívida pública iria desaparecer. Proibindo a paridade com o dólar, ou seja, sem pagar pau para papel pintado estrangeiro, consolidaríamos nossa moeda produtiva sem dar a mínima para quem quer que fosse. Quer negociar? Quer comprar hulha, soja, minério, o que for, nosso? Ok. Quer nos vender algo: pagamos com nosso moeda e não com dólar. O dólar que vá cantar lá na pátria da tortura. A moeda do governo financiaria habitação, saúde, transportes, toda a infra-estrutura necessária para o país andar. Como não teria conversabilidade para a moeda produtiva e provocaria gargalhadas no primeiro mundo, jamais um corrupto poderia depositá-la na Suíça, Cayman ou Seychelles. Os funcionários públicos e aposentados receberiam a moeda pública e com ela pagariam suas despesas, que voltaria toda para o governo. Assim, o próprio sistema se encarregaria de manter enxuto o meio circulante governamental. E, do outro lado, livre da trolha governamental e do peso desse sócio indigesto, o governo, a moeda produtiva se auto-regularia, pois por natureza (erradicada da esfera dos poderes) seria um montante muito menor e mais ágil. Assim, não haveria inflação, ninguém pagaria imposto e os americanos e europeus que fossem plantar batatas no meio dos tornados e da neve, que é o que existe naquela terra horrenda deles.

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