26 de setembro de 2003

O ENTRA-E-SAI DAS REDAÇÕES

O rodízio bem remunerado de algumas cabeças coroadas do jornalismo coincide com a crise cíclica nos veículos de comunicação. Parece que fechar redações é a especialidade de alguns profissionais que cometem sempre os mesmos erros, levam de um lado para outro as mesmas pessoas e acabam sendo os cortadores oficiais de empregos. Qual será o segredo de sempre serem chamados para assumir cargos importantes, já que costumam fracassar?


INVENTAR O EMPREGO – Um cargo de alto nível é acertado em território neutro, um restaurante de luxo, um escritório no milésimo andar. A argumentação convincente numa mesa de negociações normalmente nada tem a ver com a realidade de uma redação. Diz-se o que se quer ouvir, acertam-se valores, firmam-se pactos. A identificação mútua vem do chamado capital simbólico, acervo acumulado numa imagem pública que nem sempre tem a ver com sucesso, mas com credibilidade. É preferível, segundo esse raciocínio, alguém que já esteve em algum cargo importante do que arriscar em outro sem essa experiência. Para que mudar? Existe muito dinheiro em jogo e também leva-se em conta a repercussão de uma indicação. Sofre-se antecipadamente com a possibilidade de o indicado ser alguém sob algum tipo de suspeita, como “revoltado”, ou o mortal “muito competente, mas...” Há também o link com a publicidade: um nome de peso pode transmitir sossego no mercado, ajuda a manter a carteira de clientes. Isso tudo acaba em tragédia. O que está em jogo é a responsabilidade dos jornalistas num projeto comercial. Se existem pessoas do ramo consideradas confiáveis, então elas são ungidas nas suas novas atribuições. Se não existem, então coloca-se alguém da outra área: do marketing ou, o que tem sido comum, do próprio patronato.

O MEDO DA CONCORRÊNCIA - O dinheiro reservado à remuneração dos jornalistas tem trocado de mãos ultimamente, pois as empresas de comunicação meteram-se em negócios gigantescos, fora do seu nicho, atraídos pela ambição de grandes ganhos e iludidos pelo horror natural que no Brasil se tem à concorrência. Todos correram para amealhar mais poder e acabaram transformando seus calcanhares em areia e seus pés em barro. Os veículos que os projetaram entraram numa espiral de decadência e alguns sofrem intervenções do capital financeiro. A solução é trazida também de fora das redações, intensificando os erros. As consultorias, que muitas vezes são remuneradas pelo número de cabeças que cortam, colocam suas grandes patas de urso nas redações demitindo gente qualificada e cortando a relação produtiva que deve existir entre veteranos e estreantes (que é garantia de transmissão de competência de uma geração para outra). Dá-se poder aos menos capacitados porque são mais baratos e mais dóceis. Resultado: ficam na rua quadros magníficos, que fariam inveja em qualquer redação do mundo, enquanto os veículos, que enriquecem profissionais de outras áreas, continuam em crise. Esse tema está sendo destacado hoje no Comunique-se, que veicula matéria sobre o Seminário Internacional de Jornalismo. O destaque é um consultor português que não aconselha o corte nas redações. Parece que estão acordando. Será que vão seguir o conselho?

CORTE DE LUCROS - A crise do jornalismo vem da falta da qualidade. Não dá vontade de comprar jornal ou revista na banca, a não ser por hábito (mas aí a pessoa assina). Os jornalões são iguais e as revistas, em sua maioria, péssimas nas suas superficialidades. Isso abre espaço para experiências alternativas. Proliferam atualmente inúmeros veículos, de toda parte do Brasil, e essa é uma tendência saudável, mas muito fragmentada. É preciso reunir um monte dessas publicações para compor um pacote razoável de leitura. Nesse nicho também não foi encontrada uma solução, pois volta e meia alguma revista fecha ou fica confinada a um alcance regional. O problema é que existe muita experiência e talento dando sopa na praça, dispersos em trabalhos free-lances, desconcentrados e muitas vezes amargurados. Enquanto isso, triunfa a barbárie das demissões em massa, da mesmice das reportagens e colunas, dos erros repetidos até a exaustão. A solução é chamar os competentes de volta, resgatar a escola informal das redações – que sempre foram capacitadas para treinar seus quadros – criar novos projetos fora da idolatria publicitária dos segmentos, das linguagens “jovens”, e das abordagens “você-é-tão-sacana-que-merece-o-veículo-que-está-lendo”. Deve-se atrair leitores com textos e fotos de primeira linha, fazer parcerias com os veículos alternativos e jogar na lavoura o grupinho de jornalistas que fecham ou desestruturam jornais e revistas. Não se pode mais continuar punindo quem consegue gerar empregos nas redações (por serem autores de projetos bem sucedidos) e premiando aqueles que só sabem fazer cortes, inclusive dos lucros. O problema é que acertar o veio não é levado em consideração: o importante é o que se fala no restaurante de luxo ou na reunião do milésimo andar. Aí mora o perigo.

RETORNO – A estudante de jornalismo da UFRJ, Larissa Grutes, escreve me corrigindo: nos correspondemos via e-mail desde quando ela tinha 15 anos e não 17. Diz Larissa: “Acho fundamental ter um espaço que esclareça os que estão pensando em ser jornalistas, os que já estão na faculdade, os que já o são e os simpatizantes da profissão. Achei interessante que no Diário você discute temas variados e complexos, mas de uma maneira muito clara e simples, coisa de quem domina a escrita.”

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