3 de dezembro de 2018

THE AFFAIR: TRAIR É PECADO



Nei Duclós



A longa (4 temporadas e 40 episódios na Netflix) e interminável série (anunciam mais uma temporada) The Affair é um pacote dramático sobre tragédias familiares embalsamadas como um convite à permissividade (as mais ardentes cenas de sexo explícito). Criada por Hagai Levi e Sarah Treem, tem boas performances de Dominic West, como o atarantado escritor de sucesso, Ruth Wilson, como a rica esposa traída e a bela Maura Tierney, a garçonete que seve de estopim para o rolo todo.

Famílias são destruídas, desejos punidos, sonhos desfeitos, com a morte rondando os personagens e os diálogos à luz da moderna psicanálise tentando colocar ordem na bagunça, mas quem vence é a tradição (trair é pecado), e quem perde são os filhos, esbagaçados pela separação e vítimas do descaso e irresponsabilidade dos pais. Há um esforço de todos assumirem suas culpas e se esclarecerem sobre onde fracassaram, o que faz os relacionamentos serem meros coadjuvantes de algo maior, a necessidade de existir um mínimo de ordem no caos provocado pelas aventuras amorosas.

Trata-se de uma elite originada no comércio e nos serviços – escritores, donos de lojas, cirurgiões, especuladores financeiros, corretagem – e não na indústria. O nível econômico é alto e deveria facilitar os andamentos, mas tudo se complica nesta anti-comedia romântica, em que parece denunciar a velha cisma do cinema americano com o sexo – lembram-se das camas separadas dos casais na época da censura? ou das tragédias que se sucedem imediatamente a um ato sexual. evento recorrente no cinema gringo?

Talvez seja esse o involuntário objetivo da série, muito bem feita e fonte de ansiedade em todos os episódios (sempre há uma situação constrangedora): o de manter a punição à permissividade, mesmo com todas as liberdades permitidas pelos novos tempos. No balanço final, fica a impressão de que nada mudou, a não ser a profundidade maior do medo, da depressão e da infelicidade, agora explícitas, libertas de toda censura.

A série é também um passeio pelos Estados Unidos, com detalhes geográficos e de comportamento bem focados numa produção esmerada, rica e que ganhou dois globos de ouro, um para cada uma das atrizes principais. A performance dos atores e atrizes é em geral boa, mas mediana, apesar da boa concentração e do aspecto convincente que dão aos seus papéis. Quem se destaca é Maura Tierney, doce e trágica, interpretando a mulher que perde um filho, tenta consertar sua vida com um homem casado e acaba sucumbindo ao entorno doentio da nação envolvida em guerras pelo mundo todo e com riquezas em excesso para tanta precariedade humana.


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