21 de junho de 2018

MAD MEN: A VIDA É UMA CONTA PUBLICITÁRIA


Nei Duclós

Cada capítulo da série (inteira no Netflix) Mad Men (2007-2015) é a relação entre a conta publicitária e a vida pessoal dos personagens, os profissionais de uma agência. Exemplo: o bilionário do aço quer uma campanha que coloque seu produto como a essência e a estrutura das cidades. Há uma briga interna entre os executivos da agência. E vence a ideia de que o aço é a espinha dorsal da América. Só que o capítulo mostra que a verdadeira essência da cidade, no caso Nova York, e mais especificamente Manhattan, são as relações humanas pautadas pela riqueza . Dinheiro e tradição dão as cartas, colocando todos na mesma armadilha, e não o aço, que é apenas coadjuvante.

Em outro capítulo, procura-se batizar uma conta bancária privada, que o executivo possa manobrar sem que a família interfira. É uma porta aberta para a liberdade fora da jaula conjugal e todos os homens envolvidos na criação e na clientela gargalham dizendo que o esquema já existe, faltava apenas oficializá-lo. Pois bem. Don Draper, o personagem principal da série, é uma criação publicitária de um ex-soldado que roubou a identidade de um companheiro. Ele precisa usar seu dinheiro escondido numa gaveta para fazer calar o irmão que cresceu e surge do nada para desmascará-lo. A conta executiva, tão charmosa nos anúncios, serve para a fraude.

Don Draper é uma criação publicitária, encarnando o modelo que fuma Lucky Strike, o cirgarro que ele inventou de chamar de toasted, para alegria do cliente. De pele tostada, atlético, fuma sem parar, o que não o impede de fazer cem flexões antes de dormir e arrancar suspiros como se fosse participante de uma olimpíada. Uma fantasia dos anos 60, a época em que se passa a série, quando não fumar não era proibido e o vício era incentivado pela indústria do espetáculo - cinema e propaganda.

Psicanálise, neste mundo machão, é coisa para criaturas fracas, as mulheres. Elas tem tremores nas mãos e falam para dentro, com pânico de perder o status matrimonial, e por isso aturam todas as traições dos maridos. Você não encontrou o amor da sua vida, diz Don Draper para  uma cliente que ele está a fim de transar, porque o amor não existe, ele foi inventado por nós para vender meias. Está além do cinismo e do poder masculino. Faz parte da cultura da América, é seu nicho mais profundo, em que as pessoas são projeções das fantasias criadas em salas fechadas.

Os americanos são admiráveis. Ao mesmo tempo em que a publicidade é sua principal obra, a que a define o Império que se impõe pela força , o dinheiro e o convencimento, faz uma obra como esta em que derruba todos os mitos de um falso charme e expõe, num clima de um filme noir, as verdades que compõem esse poder. Nosso negócio é comprar e alugar espaços da mídia, diz um publicitário. A criação é dada de graça, serve apenas para preencher este espaço.

Estou revendo a série. Perfeita em todos os detalhes. A concorrência devoradora não só no mercado, mas principalmente entre as pessoas que o alimentam. O papel triste e limitado das mulheres no meio de um ambiente de hositilidade masculina. Os objetos, utensílios, roupas, móveis que cercam esse universo da ficção que, por isso mesmo, captura a realidade de uma maneira que nenhuma outra arte consegue atingir.

Nei Duclós   

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