3 de abril de 2016

ARMISTÍCIO



Nei Duclós 


Busco o verso antigo, de tempos mais felizes
Talvez não funcione no rescaldo da rotina
mas serve de registro do que deveria ter sido
não fosse esse nó que apertamos por desleixo

Um poema sem pretensão, recolhido do lixo
que passou lotado no espetáculo dos brilhos
palavras que assumiam não ter importância
mas hoje fazem parte do pouco que resiste

Venha dizer comigo as estrofes esquecidas
exercer o ofício da liberdade nos conflitos
Fora do cadafalso, o enfoque nos princípios
sonhe enquanto há vida, insumo do futuro

Não por cordialidade ou demais frescuras
omitir-se prisioneiros em confortável muro
mas o dom da infância, de um saber maduro
que cresce como trigo em sólido compromisso

Vamos dividir o pão sem sentimentalismo
bobagens de autoajuda, rasgos de sabedoria
Sem a religião e os ritos de encomenda
mas a percepção do que sobra no destino

Esse troar de grãos no telhado do espírito
essa ventania sobre a flor mais firme
esse amor humano que nos desmoraliza
quando jogados nus no portal do paraíso

Tenha dó de mim, sem compaixão ou vício
apenas a misericórdia nas obras do divino
que eu te devolvo em comunhão de aflitos
corpo sobre o mar, cais de um armistício


RETORNO - Imagem desta edição: cena de Sonhos, de Kurosawa.

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