22 de agosto de 2015

CONVERSA EM SILÊNCIO



Nei Duclós

Poetas não deveriam falar nada
para não afastar as gentes dos seus versos
Suas posições políticas, implicâncias
as desavenças e lembranças
tudo isso deveria ficar silente
para que o poema exista sem interferência

Calar-se diante do mundo, já que poesia
é o excesso, está tudo dito
com a vantagem que há pudor na arte
onde não se confessa de maneira explícita
senão a estrofe perde a compostura
e tudo pode virar conversa de comadre

Se bem que havia poesia nas antigas comadres
de nomes como Tita, Brígida, Diusinda
falavam pouco, ao contrário da lenda
quem fala pelos cotovelos não tem parentesco
nem limites, diz o que bem entende
enquanto há sempre sobriedade nos vínculos

Em cadeiras de balanço, as comadres falavam baixo
Um casamento próximo, uma receita, a morte
rondando a porta, o tempo que não acaba
É como deve ser o poema, ligado por obra do batismo
ao que lê, como numa sessão de conversa à tarde
quando há mistério provocado pelos pregões da rua

As antigas senhoras, como a poesia, escutam, sérias
por trás de lentes garrafais, em minucioso colóquio
escasso de informações que poderiam sobrar
pois tudo já se sabe de antemão, é só um convívio
a humana comunhão para mitigar a solidão eterna
Deus gosta quando o único ruído é a letra rabiscada


RETORNO - Imagem desta edição: obra de Edward Hopper.

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