15 de maio de 2011

O ROLO DAS CAUSAS ACHADAS E PERDIDAS


O defensor de uma causa impregna-se dela e é confundido com o que defende. A causa mesmo fica de lado, pois a identificação a substitui, por ter visibilidade, portanto, poder. Causas obscuras ou pouco conhecidas geram esse processo de deslocamento com mais intensidade. O falecido político Enéas era confundido com a nacionalização do nióbio, por exemplo. Ninguém sabia exatamente o que era esse elemento importante para a indústria e abundante no Brasil e que está em mãos estrangeiras, mas todos conheciam Enéas como defensor dessa causa. No filme London River, o africano que preservava o olmo era visto como o guardião das árvores centenárias que, apesar do seu esforço, foram para o abate. Mas nas causas mais explícitas costuma acontecer a mesma coisa. Fale em paz e todos celebram Ghandi, enquanto o morticínio continua a mil. Marina Silva é um sucesso, mas o desmatamento avança.

“Como quer fulano” é a expressão mais usada quando se fala de um assunto assumido por determinada personalidade. Não importa a origem da luta, o que vale é apontar o sujeito que pegou a bandeira . É a forma de deixar tudo como está. Dá-se um prêmio polpudo e notório para ele e pronto, está liberada a ação que realimenta a causa. O mais perverso é premiar quem se destaca exatamente por motivos opostos ao que defende. Sob o álibi de políticas de Estado em defesa de alguma nobre causa, gente como Henry Kissinger, o carrasco do Chile, ou Obama, que manteve a invasão do Oriente Médio, ganharam o Nobel da Paz. É uma forma extrema de deslocamento: identifica-se alguém, via marketing, com a causa, principalmente se for contra ela e monta-se o circo. Sempre cola. O marketing é a lei.

Há uma aura poética sobre aqueles que abraçam uma causa perdida, quando não envolve mortandade, naturalmente. Os insurgentes da Chechênia matam adoidado, então não existe charme nenhum na sua luta, mesmo que possam ter razão. Mas há causas perdidas que viraram poderosas indústrias, como a defesa das baleias, da floresta ou das tartarugas. Bilhões de dinheiro público são carreados para as entidades e personalidades que fazem disso uma profissão. Pode até funcionar. Deixam de ser perdidas, mas continuam como fonte de muitos recursos. O importante é dizer sempre que existe a ameaça de extinção, mesmo que os projetos salvadores tenham dado certo.

Uma causa leva algum tempo para se consolidar. Algumas pegam rapidamente e logo perdem força, como a busca do Belchior desaparecido. Mas o normal é o mundo escutar um bordão insistente cada vez mais audível e começar a adotá-lo de maneira irreversível, entupindo a percepção com sua reiterada convocação. Qualidade total, por exemplo, fazer certo pela primeira vez. Custou um tempão para chegar no Brasil. Chegou, foi adotada como discurso, mas o desleixo continua, com raras exceções. A legalização da maconha correu mundo antes de se instalar entre nós de maneira inapelável. Ainda existem poucos adeptos assumidos (pelo que se vê nas passeatas, sempre escassas, ao contrário das concentrações religiosas, enormes), mas a tendência é crescer. Quando chegar a vez de liberar, já era. O Brasil sempre chega depois.

Uma das causas perdidas atualmente é a da soberania do Brasil. Por fora, bela viola: todos são em tese a favor. Por dentro pão bolorento: ninguém mais é brasileiro e ninguém se espanta que o Brasil aumente em 240 milhões de dólares por ano a remuneração ao Paraguai pela energia que não usa de Itaipu (no total são US$ 360 milhões) pois há a certeza de que devemos algo ao país que nos invadiu, saqueou e estuprou antes de reagirmos. Ninguém pergunta quanto por cento ficará para quem aprovou essa verba interminável paga pelo dinheiro extorquido por um sistema tributário vampiresco.

Soberania é mesmo uma causa perdida. Por enquanto. A bandeira do Brasil continua lá, tremulando. Patriotismo sem patriotada: eis uma boa causa que merece ser tratada pelo que é, e não deslocada para os aproveitadores de sempre, os autores de campanhas milionárias do país de todos ou do velho ame-o ou deixe-o. Não adianta dizer “o Brasil, como quer fulano”. O Brasil, símbolo de amor eterno, como definiu Osório Duque Estrada, exige dedicação integral. O patrimônio é gigantesco demais para ser jogado numa vala comum.

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