4 de março de 2011

PEGADA MUSICAL DE OUTROS CARNAVAIS

Um post pode suportar numa só edição Jorge Ben, Rita Lee, Alceu Valença e A Cor do Som? Pode. Fica sendo uma edição especial para ler no carnaval. Aqui vai uma coletânea dos textos que eu publicava na Ilustrada, da Folha de S. Paulo, em 1978. Vamos cair de banda por aqui. Uma arqueologia pessoal do jornalismo cultural da época, escrita com os olhos e ouvidos livres. Era assim que eu via e pensava na época. Mudamos todos em muita coisa. Mas a essência permanece: o som e o jornalismo do Brasil que buscava caminhos quando tudo parecia perdido na política. Hoje, tudo parece perdido na política e o som, bem, deixa para lá...

A GARRA DA COR DO SOM

Folha de S. Paulo, Ilustrada, em 1978

NEI DUCLÓS

Primeiro foi a Warner, depois a Imprensa e os músicos e finalmente o organizador do Festival de Jazz de Montreux, na Suíça (Claude Nobs) que se renderam ao fascínio do conjunto A Cor do Som. Formado por cinco músicos de 20 a 26 anos, a Cor tem a garra de um conjunto de rock, mas é muito mais do que isso. Muito mais até do que um simples "conjunto de música brasileira" ou mesmo de "música Internacional". A síntese que eles conseguiram e que vâo apresentar hoje e amanhã no Equipe (rua Martiniano de Carvalho, 156), a partir das 20 horas, felizmente foge a todos os rótulos, já que inaugura — ou desenvolve — vários rumos musicais, que convivem simultaneamente graças à riqueza acumulada em todos esses anos de batalha, quando cada um à sua maneira manteve o espirito aberto para todas manifestações do som.

Pela história de Dadi,(Eduardo Magalhães Carvalho), dá para sentir um pouco o clima das cabeças dos rapazes da Cor: "Eu me liguei primeiro em bossa-nova, depois obviamente no rock, em Jimi Hendrlx, no Cream, todas aquelas coisas. Mas o mais importante foi o convívio que eu tive de quatro anos com os Novos Baianos, principalmente com o guitarrista Pepeu, que é um cara Incrível. Eles é que mais desenvolveram essa transa de colocar a música brasileira em outros termos, juntando todo o conhecimento que a gente acumulou ouvindo a música internacional dos últimos anos."

Eles estão com multa esperança no festival de Montreux, onde vão se apresentar em julho deste ano. O show será gravado ao vivo e lançado em disco possivelmente em setembro. "Na Europa e nos Estados Unidos não existem os preconceitos musicais que existem no Brasil e é mais fácil para eles aceitarem a música da gente", diz Dadi. Além de Montreux, a Cor vai se apresentar também no festival de L'Haye, na Holanda, e no de Anilus, na França.

Antes, entretanto, de todas essas atividades internacionais, eles vão ficar todo o mês de Junho se apresentando Junto com Moraes Moreira no Projeto Pixiguinha. Em São Paulo, estarão de cinco a nove de Junho. Já com um trabalho novo, diferente do apresentado no disco, lançado no fim do ano passado e que vendeu apenas quatro mil cópias: "Isso Já era esperado, explica Dadi. Nosso contrato com a Warner é de quatro anos, ê um trabalho a longo prazo que eles querem desenvolver conosco. Inclusive achamos que essa nossa estréia em disco foi multo bem recebida: poucos compraram o disco, mas todo mundo está falando da gente".

Entre as modificações está o percussionista Ari Santos Dias, da Bahia, e que é o novo elemento do conjunto; e a vontade que todos têm de começar â organizar melhor o vocal. Além dos Já citados, existem ainda outros elementos importantes do conjunto: Armandlnho, ou Armando Costa Macedo e Gustavo Augusto Schroeter.


ALCEU VALENÇA CONTRA A FRIEZA MUSICAL

Folha de S. Paulo, Ilustrada, 13.04.1978

NEI DUCLÓS

O show que Alceu Valença começa a apresentar a partir de hoje às 21 horas no Teatro da Fundação Getúllo Vargas, (Av. Nove de Julho, 2029) faz parte do esquema de lançamento do seu novo LP, Espelho Cristalino Som Livre). Mas, felizmente, esse show não se limita a uma apresentação rotineira das suas músicas, como acontece com a maioria dos artistas. Alceu arma uma trama teatral para apresentar não só um compositor-cantor e sua banda, mas um ator de qualidades Já suficientemente divulgadas desde o seu primeiro espetáculo no Rio. em 1975 e sua participação no filme "A Noite do Espantalho", de Sérgio Ricardo. Neste "Alceu Valença Em Nolte de Black-Tle", ele faz de tudo — pula, provoca. Imita Cauby Peixoto e Nelson Gonçalves, se veste de louco nordestino — sempre preocupado cm passar para o publico uma Imagem não comportada, suja, para, como ele mesmo diz em uma das suas músicas (Agalopado), "Incendiar esses tempos glaciais".

— O Espelho Cristalino 6 um talismã, um talismã do povo. E uma imagem que eu usei também para mostrar que eu sou reflexo de tudo o que está ai. Sou inclusive o reflexo das contradições do próprio cara que está me ouvindo.

As metáforas de Alceu são bastante puxadas para o cordel, para a cultura popular do Nordeste, onde nasceu e se criou ouvindo todos aqueles ritmos que hoje são apresen-tados no seu show, como o maracatu e o coco. Filho de latifundiários de São Bento do Uma, pequeno município do Interior pernambucano. a 250 quilômetros de Recife. Alceu, entretanto, não seguiu os rumos traçados por seu clã e tornou-se músico profissional depois de ter se formado em direito. Suas tendências foram para a cultura popular, com quem ele conviveu durante toda a sua infância: Foram mais importantes, para ele, as coisas que viu e ouviu em São Bento do que tudo o que precisou estudar. Inclusive, sua decisão aconteceu na época em que foi fazer um curso em Harvard. quando se convenceu que precisava optar pela música.

Espelho Cristalino é o quarto LP de Alceu. Ele gravou, primeiro, um LP com Geraldo Azevedo, com quem conviveu nos primeiros anos de sua carreira, no Rio, tocando e compondo juntos. Mas essa estréia não vendeu quase nada e praticamente, cm termos de público, não aconteceu. Mas multa gente se ligou na força de Alceu, que explodiu no excelente "Molhado de Suor", surgido logo depois que ele se apresentou no Festival Abertura, da Globo «1975). com seu forró "Vou Danado Prá Catende". Mas Alceu só aconteceu mesmo com o LP "Ao Vivo", lançado cm 1976 e onde mostrava toda a garra do seu show que. na época, por falta de divulgação. Obrigou-o a sair às ruas com um megafone na mão e vestido de palhaço para chamar a atenção do público.

E é essa garra, essa vontade de batalha que faz de Alceu uma pessoa totalmente elétrica. Ele fala sem parar sobre qualquer assunto. Mostra-se particularmente interessado (e aprofundado) na história da música brasileira: fala à vontade, e com conclusões próprias e criativas, sobre Jackson do Pandeiro. Luiz Gonzaga. Adelino Moreira. Nelson Gonçalves. Fala multo também sobre a música brasileira atual, mostrando sempre que não está multo satisfeito com o clima gerai do som. (multo certinho, muito classe média, apesar de ter um grande número de predileções, como Walter Franco, Luís Melodia), Macalé ou Caetano Veloso. O mais interessante em Alceu Valença, entretanto, é que toda a sua segurança verbal e teórica convive com uma agradável confusão de frases e conceitos, o que torna qualquer conversa com ele uma fonte constante de piadas. E é assim mesmo, sério sem ser serioso, brincalhão sem ser inconseqüente e agressivo sem ser pedante, que Alceu mostrará toda a variedade de climas que acumulou dentro de si em 31 anos de vida. Com seu espelho cristalino — ele mesmo — espera "clarear o negror do horizonte" com um trabalho Importante - e infelizmente ainda pouco conhecido pelo público.


RITA LEE, A RAINHA DA NOVA BABILÔNIA

Folha de S. Paulo, Ilustrada, 18.04.1978


NEI DUCLÓS



O novo disco de Rita Lee e o conjunto Tutti Fruttl, "Babilônia", que há um mês está nas lojas, foi lançado oficialmente ontem ás 21 horas na Shadow Discoteque, na rua Pamplona, 1.109. O bom em Rita Lee é que o seu trabalho não depende diretamente de sofisticação ou de mensagens profundas -e sérias, mas da sua persistência em rumos pouco considerados pela cultura oficial, como a alegria, o deboche e temas místicos e .domésticos onde entram discos voadores, gatos, ficção cientifica e anjos da guarda. E, o que ê mais Importante: ela consegue, cada vez com mais eficácia, criticar as coisas ao seu modo. contribuindo para derrubar a rigidez cultural sem abrir mão da lucidez e da análise.

Basta dar uma olhada em algumas letras do seu novo LP, como em "Agora é Moda", música feita em parceria com Lee Marcucci, baixista do Tutti Frutti: "Agora é moda/ poupar dinheiro pro futuro/ Agora é moda/ pegar alguém pulando o muro/ Agora é moda/ acontecer uma tragédia/ Agora é moda/ A Inquisição na Idade Média". / Agora é moda/, bancar o fino e educado/Agora é moda/ dançar para não ficar parado/Agora é moda/fazer novela de van-guarda/Agora é moda/ chegar depois da hora marcada".

Além da simplicidade contundente de suas letras. Rita cultiva um rock básico, bem parecido com aqueles momentos do rock paulista do tempo de "entrei na rua Augusta a 120 por hora". Com uma diferença fundamental, entretanto: o som é muito bem trabalhado, múltiplo até, com os solos de um dos bons guitarristas do rock brasileiro, que é Luís Sérgio Carlini, os teclados de Roberto de Carvalho, o baixo de Lee Marcucci. a percussão de Sérgio Della Monica e Naila Skorpio e os vocais de sustentação de Lucinha Tur nbull, uma artista que Já deveria ter gravado seu disco solo.

Entre as melhores faixas do LP está "Miss Brasil 2000". a primeira do lado A, onde Rita mostra um dos seus temas prediletos: a nova geração. "A Miss Brasil 2000 pode estar nascendo agora", diz ela. ligada nos adolescentes e mesmo nas crianças que formam a maior parte do seu público. Ela Já prometeu, quando começar a apresentar seu show ainda este mês. fazer sessões "zig-zag", â tarde, só para a garotada.


JORGE BEN, FACILITANDO O SOM, MAS AINDA ORIGINAL

O som do Jorge Bem, depois do 15 anos, continua entusiasmando a nova geração

Folha de S. Paulo, Ilustrada , 22 de março de 1978


NEl DUCLÓS

O som de Jorge Bem, que manteve sua originalidade na bossa-nova. na Jovem Guarda e no Tropicalismo, poderá sobreviver ao samba-discoteca que ele agora apresenta no seu novo disco, "A Banda do Zé Pretinho"? Se depender do acompanhamento, não. Se depender de sua voz e de suas músicas, talvez. Jorge, agora num ritmo sempre alucinado, sem as sutilezas do seu começo de carreira, e uniformizando as conquistas do seu próprio som, corre perigo como criador, apesar de, historicamente, ter garantido um lugar de honra na música popular brasileira. Pois não se pode contestar a firmeza de sua linguagem, suas músicas do forte identificação popular. Hoje, seria uma injustiça dizer que ele faz sucesso porque aderiu a um som mais fácil e assimilável, procurando internacionalizar o samba que ele inventou. Seu sucesso, sem duvida, vem de sua garra de grande músico. Pode-se contestar seus caminhos, como aconteceu principalmente no tempo em que aderiu à Jovem Guarda, mas ninguém conseguirá simplesmente "apagá-lo" do mapa, aproveitando sua atual fase de superstar.

É sintomático que "A Banda do Zé Pretinho" tenha sido lançado num esquema da Rede Globo de Televisão- sua mitologia - particular o Flamengo, o Patropi, Fio Maravilha, a nega Tereza e uma transformação alquímica individual da festa carioca, que a Globo ex porta para todo o Brasil. Por isso. o lançamento feito na segunda-feira, no Rio. foi uma soma de Jorge Ben, Rio de Janeiro e Rede Globo. O local foi o Clube de Regatas Flamengo, onde aconteceu um jogo entre duas equipes fictícias, o Zé Pretinho e o Troca-Troca nome de duas músicas do LP, formadas por artistas Paulinho da Viola. .Jair Rodrigues. Mário Gomes, Miele. Francisco Cuoco (que salvou o gol, de cabeça). Moraes Moreira. Ingrid Rodrigues. Jorge Ben, entre outros, e jogadores profissionais Marinho, Paulo César, Carbone, Cafuringa, Carpeggiani, Doval. Na platéia. além dos fãs e curiosos, outras figuras da Rede Globo, como Sandra Bréa e Nelson Motta. Um espetáculo longo, com partes completamente desnecessárias como o próprio jogo e que culminou com a apresentação de Jorge e sua banda, formada por Bidu surdo, Nenem e Joãozinho -(percussão), Dadi (baixo), Gil (piano), Pedrinho (bateria) e Wagner (baixo) Foi mais um baile de carnaval do que propriamente um show, já que o público, formado principalmente por adolescentes, pulou o tempo todo dentro do ginásio coberto que. como todos os outros, tem uma péssima acústica. O destaque da cozinha acabou por soterrar qualquer outro elemento mais sutil, como o próprio plano, que não emitiu qualquer som audível durante todo o espetáculo.

Tudo era bateria, guitarra de Jorge e baixo. E, apesar da frágil estrutura do palco, o público acabou invandindo-o, cercando a banda e abraçando Jorge Ben completamente cansado depois de uma hora e mela de show e 45 minutos de jogo (ele participou só do primeiro tempo e alguns minutos do segundo).
Foi impressionante constatar que a nova geração está aceitando com entusiasmo o som de Jorge Ben. um artista com mais de 15 anos de carreira. Mas isso já é um fenômeno do próprio Rio de Janeiro, onde, em sua maioria, as platéias de música são formadas por adolescentes É uma geração desvinculada das obsessões da década de sessenta, onde a discussão aberta convivia com a furiosa defesa das raízes da música brasileira. Ao mesmo tempo que é possível fazer criticas a Jorge por ter facilitado seu som. oferecendo arranjos mastigados para o público jovem, pode-se também argumentar que ele está conquistando a juventude para a cultura do patropi. Afinal, ele canta em brasileiro, faz todo mundo gritar "Mengo" e conquista a emoção do público para Berenice. Bebele, Tereza e frases ótimas como "posso não ser um grande líder, mas lá em casa os camaradinhas me respeitam" (*)

Se Jorge Ben é um assunto que interessa a 110 milhões de brasileiros, está na hora de vê-lo sem posições pré-determinadas, sem colocá-lo no "lado de lá", como se fosse um simples músico comercial. Compará-lo com outros grandes criadores da música brasileira, como Cartola, é manter o debate nos estreitos limites que costumam orientar a critica musical. É preciso vê-lo em toda a sua riqueza e com todos os seus defeitos.

Jogar pedras contra Jorge, só porque está (também) ganhando dinheiro, é uma atitude injusta. Como seria injusto elogiar o incondicionalmente tudo o que ele faz.

RETORNO - 1.(*) Jary Cardoso, jornalista de primeira, ficou escandalizado com “grande líder” no lugar de band-leader. Mas o erro estava feito e assim ficou. Eu escrevia de ouvido. rs. 2. Para cobrir o lançamento da Banda do Zé Pretinho, de Jorge Ben, O jornalista viajou para o Rio a convite da gravadora. Fiquei no Hotel Olinda, na beira do mar, e compartilhei uísque com camarão com outros profissionais que usfruíram da boca livre. Lembro que Alceu Valença, em início de carreira, chegou atrasado no ágape e pediu rabo de galo. No final, quando veio a conta e o assessor de imprensa puxou o talão de cheques, ele estrilou: "Vocês não me avisaram!" 3. Mais tarde, entrevistei Rita Lee para as revistas Nova e IstoÉ.

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