18 de março de 2011

OBAMA NO BRASIL


O Rio não é mais uma cidade, assim como o Brasil desistiu de ser uma nação. O que temos é um resto de país, com alguns sinais do que fomos, como o Cristo Redentor, algumas árvores sobreviventes e praias fotografadas de longe. A Cinelândia também não existe mais como o coração da cidade maravilhosa, como se costumava dizer. Essa deve ter sido a constatação dos agentes de segurança que vazou e fez o presidente Obama cancelar seu discurso aberto na Cinelândia. Ele decidiu falar num lugar aparentemente mais seguro, o Teatro Municipal, um desses vestígios que sobreviveram á ruína do Brasil.

Talvez Obama tenha acreditado um pouco que o Brasil cresceu na Era Lula e que uns trocentos milhões “ascenderam” à classe média. Talvez tenha achado que ainda há por aqui governantes, democracia e povo, coisas que não existem mais. Não temos mais políticos que roubam, temos ladrões que fazem política, com honrosas exceções, que no fim não pesam na balança, completamente tomada pela canalha (vemos isso todos os dias). País que para roubar vale até colocar lombada em caminho de carroça não pode ser considerado uma nação.

Não temos democracia por motivos exaustivamente apontados aqui, mas não custa lembrar: sistema político engessado, com quadros vetustos que assimilam, com sua política perversa, quem chega na arena; marketing milionário e pesquisas suspeitas pontificando nas eleições; economia que suga os recursos da nação para remunerar regiamente o capital especulativo; medidas provisórias; inexistência de oposição de verdade; continuísmo em todos os níveis etc. Nossa democracia é um espanto: nasceu de um casuísmo, a posse da chapa eleita indiretamente que perdeu o titular antes de assumir, mas invoca, para se justificar, o movimento de massas que foi derrotado em primeira instância no Congresso para que medrasse a consolidação do regime tirânico implantado em 1964.

E não temos povo porque nossa relação uns com os outros é sempre de domínio. Fruto da escravidão, essa situação se cristalizou por todo o tecido social e gera um ressentimento surdo e permanente, que deságua na violência sem limites, provocando centenas de milhares de vítimas por ano, numa guerra não declarada e que transcende a luta de classes: é ódio puro e simples, retaliação e irresponsabilidade, com a morte em todas as faixas de idade. Como não temos mais educação, aumentam as multidões ágrafas, o que gera um buraco enorme de vagas no mercado de trabalho, que precisa de gente pelo menos alfabetizada. Esse vácuo é preenchido pela importação maciça de mão-de-obra estrangeira.

O que Obama visita então, se não temos país, nem democracia, nem povo? Ele simplesmente cumpre uma agenda diplomática internacional para reiterar os laços que nos unem aos americanos desde a II Grande Guerra, quando lutamos com os Aliados e a FEB foi anexada ao V Exército americano. Esse foi o começo da perda da soberania, precedido pela morte de Roosevelt, que nos tinha em alta conta e foi substituído pelos piratas, que no fim preparam a erradicação do trabalhismo, fonte política e econômica do Brasil soberano (1930-1964). Obama visita a casca do país e deve ter notado que a Cinelândia é uma casca tão fina que não suporta a simbologia que quiseram lhe atribuir nesta altura do campeonato.

O que cresceu no Brasil foi a superconcentração de renda (exibimos novos biliardários todos os anos), a inadimplência (os pobre se endividiram, achando que ascendiam socialmente), o sucateamento das cidades (onde tudo vira favela), o espaço da terra arável para o agrobusiness transgênico e predador e a possibilidade de destruirmos o que resta, como acontecerá se resolverem “transpor” as águas do São Francisco e furar o pré-sal sem tecnologia suficiente para evitar desastres.

Obama deve lamentar tudo isso. Gostaria de visitar um grande país, parceiro do seu, independente da ação nociva dos EUA nessa destruição (a autoria deve ser creditada a nós; fomos ajudados, só que a maior parcela da responsabilidade está dentro das fronteiras). Mas o que temos é uma ininterrupta campanha de publicidade dizendo que somos o máximo, quando estamos num nível muito abaixo do mínimo. Já que abrimos mão da nossa importância, talvez o minúsculo Chile, para onde Obama irá depois de sua visita, desempenhe esse papel jogado no lixo pelo gigante.

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