10 de abril de 2009

O VETERANO DE GUERRA, DE RODOLFO KONDER



Nei Duclós

Um exemplar, autografado, do livro O Veterano de Guerra, de Rodolfo Konder faz parte da minha biblioteca desde o lançamento, em 1988. Sou o típico leitor desavisado. Se não houver pressão – fazer uma resenha, por exemplo - levo um tempo para mergulhar na obra de alguém, ainda mais se for contemporâneo e, por algum tempo, muito próximo, como Konder. Daqui a pouco vou ler, dizemos, e passam-se vinte anos. Como se fôssemos eternos e não tivéssemos a obrigação urgente e prazerosa de compartilhar a literatura que nossos pares produzem com tanta intensidade. Essa pouca vergonha acabou hoje, quando li, de uma sentada, esta composição de memória e ficção da melhor qualidade.

O Veterano de Guerra é um documento precioso sobre a repressão desencadeada pelo golpe de 64 e a transição da ditadura civil-militar para a chamada redemocratização, em que o personagem parte de uma vida bem resolvida para um estágio avançado de loucura. O mundo resgatado retalha os ideais e revela a face sinistra da decomposição. Rodolfo consegue fazer um retrato brutal do amadurecimento pessoal, criando, por meio da loucura do protagonista assumida como metáfora, uma expressão da lucidez ferida de morte. Ao mesmo tempo, o humor, a coragem e a grandeza do personagem fazem do livro um corte profundo de vidas desenraizadas pela repressão e as ditaduras. Sucessão de lugares, restaurantes, relacionamentos, episódios variados, eventos enriquecem a narrativa tornando-a uma densa navegação pelo mundo cheio de atrações entre o luxo e a miséria

O livro é dividido em cinco partes, todas parafraseadas por Jorge Luis Borges. Cada uma é pontuada por parágrafos que mais parecem telegramas de agência internacionais escritos por um sobrevivente. É como se o veterano de muitas batalhas encontrasse no meio das ruínas um teletipo ainda em funcionamento, e prevendo que tudo irá para os ares em poucas horas, escreve seu testemunho e seu testamento. O balanço da violência a que é submetido o narrador aprisionado num hospital psiquiátrico é a mais completa descrição do que vivemos hoje: as lembranças da tortura, da repressão, da indiferença, da violação das casas e do incêndio dos livros convivem com algo ainda mais profundo e letal:

“Outras formas de violência tem sido minhas companheiros, neste país que – todos dizem – pertence a um povo de índole pacifica e cordial. Há, por exemplo, a violência de antigos conhecidos, que há décadas me agridem com o mesmo discurso doutrinário, que eles brandem como tacapes(...) Há também, a violência dos frustrados e dos ressentidos(...) A violência aqui presente é a da rotina implacável. Não é a da ação, é a da proibição. (...) Lembra um quartel do Rio. Às vezes um hotel, simples e asseado. Ou um sonho, que pode tornar-se pesadelo”.


Quando Rodolfo chegou na redação da Istoé (onde eu trabalhava no final dos anos 80), depois de uma turbulento pedido de demissão ao vivo na TV Gazeta, onde era comentarista de Internacional, tinha (como até hoje) tanto prestígio e nome que desconfiamos. Além do mais, era de família rica, “apesar” de comunista. Isso era uma coisa incompreensível para nós, remediados debochados, o fato de alguém da elite vir ombrear conosco nos fechamentos. Rodolfo logo mostrou quem era: uma pessoa de primeira, afetivo, esclarecido e talentoso, que nos conquistou com sua gentileza de cavalheiro de grande formação, temperada por larga experiência como viajante pelo mundo, a maior parte do tempo como exilado, perseguido que foi pelo abril de 1964.

Cronista, romancista, contista, professor, militante dos direitos humanos, o talentoso Rodolfo é há décadas um jornalista multimídia e acaba de assumir a coordenação da atividades da Representação da ABI – Associação brasileira de imprensa, em São Paulo, em substituição a Audálio Dantas. No início deste mês, no dia 5, Rodolfo completou gloriosos 71 anos. Longa vida aos heróis da Pátria.



Jornalista e escritor Rodolfo Konder morre aos 76 anos em SP


 

O jornalista, escritor e professor universitário Rodolfo Konder morreu aos 76 anos na manhã de ontem em São Paulo.
De acordo com sua mulher, Silvia Gyuru Konder, com quem era casado havia quase 40 anos, Konder morreu devido a complicações no tratamento de um câncer. Ele estava internado há dois meses no hospital Beneficência Portuguesa. Há 20 dias, ele foi internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), onde morreu às 10h30.
"Ele estava em uma batalha insana contra o câncer. Rodolfo foi uma pessoa muito séria, muito íntegra, muito intrigante. Era um excelente pai. Muito divertido. Foi uma perda muito grande", disse Silvia. O corpo de Konder foi cremado ontem às 17h, no Crematório Horto da Paz, em Itapecerica da Serra (Grande SP), em cerimônia restrita aos familiares.
Konder era diretor da representação da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) em São Paulo. Natural de Natal (Rio Grande do Norte), Konder nasceu em 1938, filho de Valério Konder, que foi dirigente do PCB, e de Ione Coelho. Era irmão do filósofo Leandro Konder e de Luíza Eugênia Konder. O jornalista deixa um filho.
Um dos maiores defensores das liberdades e destacado militante contra a ditadura militar (1964-1985), Konder foi preso político em 1975, ao lado do jornalista Vladimir Herzog. Ele foi testemunha do assassinato sob tortura de Herzog nas dependências do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna) em São Paulo.

Reprodução/abi.org.br
O jornalista e escritor Rodolfo Konder
O jornalista e escritor Rodolfo Konder
Konder foi secretário municipal de Cultura de São Paulo nos governos Paulo Maluf (1993-1996) e Celso Pitta (1997-2000). Além disso, foi membro do Conselho da Fundação Padre Anchieta (TV Cultura), integrou a diretoria da Bienal de São Paulo e foi presidente da Comissão Municipal para as Comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil.
Como jornalista, Konder trabalhou nas revistas: "Realidade", "Singular Plural", "Visão", "Isto É", "Afinal", "Nova"'; e colaborou com a "Playboy", "Revista Hebraica" e "Época". Também trabalhou em jornais e em rádio –como a Rádio Canadá, em Montreal. Durante quatro anos, foi editor-chefe e apresentador do "Jornal da Cultura" (TV Cultura) e colaborador permanente de "O Estado de S. Paulo" durante dez anos.
Publicou artigos na Folha e nos jornais "Movimento", "O Diário", "Voz da Unidade", "Jornal da Tarde", "Gazeta Mercantil", "Diário Popular", "Pasquim", "O Paiz", "La Calle", "El Clarin", "História", "Venus", "Opinião", "Povos e Países", "Jornal do Brasil", "Jornal da Semana", "Leia Livros", "Shopping News", "Américas" e "Shalom".
Konder foi professor de jornalismo na FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), diretor da FIAM (Faculdades Integradas Alcântara Machado). Além disso, Konder fez palestras e conferências no Brasil e no exterior, sempre sobre temas relacionados ao jornalismo, à liberdade de expressão e à luta pela democracia.
Como escritor, Konder venceu o Prêmio Jabuti em 2001 pelo livro "Hóspede da Solidão". Ele também é autor de: "Cadeia para os Mortos", "Tempo de Ameaça", "Comando das Trevas", "De Volta, os Canibais", "Anistia Internacional: uma Porta para o Futuro", "O Veterano de Guerra", "Palavras Aladas", "O Rio da nossa Loucura", "As Portas do Tempo", "A Memória e o Esquecimento", "A Palavra e o Sonho", "Hóspede da Solidão", "Labirintos de Pedra", "Rastros na Neve", "Sombras no Espelho", "Cassados e Caçados", "Agonia e Morte de um Comunista", "A Invasão", "As Areias de Ontem", "Educar é Libertar" e "O Destino e a Neve".
Konder também venceu os prêmios Monteiro Lobato (1979), Vladimir Herzog (1982), Hebraica (1995), ECO (2002) e Borba Gato (1996)

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