21 de março de 2006

DITADURA MATA MENINOS

Há um falso espanto no ar, mas o diagnóstico dói de tão simples: as crianças morrem no tráfico porque o dinheiro que falta na favela está na corrupção. A classe política e a pirataria internacional concentram-se em si mesmas e por isso jogaram a população no lixo. Essas coisas não vêm à tona porque não há democracia. E as sumidades convocadas para o debate são, essas sim, de espantar. Logo depois do documentário Falcão, no Fantástico, o apresentador anunciou as cabeças pensantes. Primeiro, Manoel Carlos, o autor de novelas, confessou não ter noção que isso existia entre nós. Depois, Camila Pitanga, um quase inaudível LFV e finalmente Gloria Perez, que arrematou sua intervenção com uma flor do obscurantismo: basta de discussão teórica, disse ela, vamos partir para a ação. Agir sem definir o que será feito pode, por exemplo, intensificar o massacre. Tem muita gente que acha que só matando. Então parte-se para a ação com esse pressuposto teórico: matar. Sem debate, não há salvação.

CARINHOSOS - É tocante ver os dois candidatos da ditadura se trocarem afagos pessoalmente, tão certos que estão de que um deles sairá vitorioso, já que tudo está definido, como na República Velha. Há um avanço sobre os quadros políticos disponíveis e com presença forte na partilha do butim - PMDB e PFL. Eles disputam quadros da elite política e estão se lixando para o eleitorado. Não precisam de povo, precisam de fulano e beltrano, do partido tal que tem tantos minutos no horário gratuito, do beltrano que está à venda e assim por diante. Lula escande as sílabas na sua demagogia (poucos lugares do munnn-dô são mais bu-ni-tos do que Santa Catarina, disse ele; que coisa, que frase, que percepção, puxa vida, emocionante). Alckmin inaugura o multibilionário Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, um projeto com a Rede Globo. Eles falam em iniciativa privada e recursos públicos, mas é tudo dinheiro do povo.

O Museu é uma forma de descolar definitivamente a linguagem do livro. Para isso existe Bia Lessa, a que está em todas. Vi a arquiteta favorita do filho de FHC (autora daqueles projetos milionários dos 500 anos, lembram?) dizer que o Grande Sertão, no museu, está representado por bandeirolas, como a significar que a literatura de Guimarães Rosa é assim como um folguedo popular. Mentira, claro. Grande Sertão é sobre a guerra e não sobre brincadeiras populares embandeiradas. Corre bala no sertão e ninguém está a passeio. A não ser os diluidores da cultura, a fazer o serviço sujo da destruição do país. Enquanto destroem as veredas reportadas por Rosa com o deserto verde da soja, ficam colocando no museu uma versão estética da genial brutalidade literária do livro maior. Tudo o que cheira a seriedade no Brasil é enterrado vivo. No Orkut, existe uma comunidade desesperada atrás do filme A Hora e a vez de Augusto Matraga, de Roberto Santos, que, claro, não está disponível . A música de Vandré nesse filme diz tudo: O terreiro lá de casa/ não se varre com vassoura/ varre com ponta de sabre/ bala de metralhadora.
LUTA - Outros versos muito sumidos são estas, de autoria de Ferreira Gullar: O morto morreu cercado/ de muita luta e agonia/ seu sorriso agora é nuvem/ sua festa ladainha/ seu amor cama vazia/ numa varanda do céu/ seu amor cama vazia / numa varanda do céu. É como canta Caymmi: morreeeeu, mooorrrreu. A morte não provoca falsa indignação. A morte é a verdade. Os meninos do tráfico são fuzilados todos os dias, matam e morrem. Oh, que chocante! Ora, vão cagar pedra. Salário decente, oportunidade de emprego, vagas nas escolas, presença ética do estado. E debate, muito debate. Convidem Emir Sader, Marilena Chauí, Maria Victoria Benevides, Padre Lancellotti, Roberto Schwarz, Nicolau Sevcenko. Convidem professores, psicólogos, autores de literatura e teatro, engenheiros, sanitaristas, juristas. E entrem para valer no problema. Os meninos pedem socorro, assim como suas vítimas.

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