21 de outubro de 2005

TARSO DE CASTRO NA CINTURA




Toda vez que falam em jornalismo, eu puxo o Tarso de Castro que uso na cintura. Mais precisamente, meu texto Cinco Vezes Tarso de Castro, que está há anos no site e me aproximou de pessoas chaves da vida sem igual do jornalista maior: Miguel Kozma, amigo desde a adolescência em Passo Fundo, e uma das esposas Gilda Barbosa, mãe de João Vicente, que leram essa pequena crônica que ajudou a resgatar aquele que semeou jornais até morrer junto com o Brasil. Agora disponho de outra arma, mais poderosa, o livro lançado ontem na Livraria Cultura de São Paulo pelo autor Tom Cardoso, "75 kg de músculos e fúria - Tarso de Castro, a vida de um dos mais polêmicos jornalistas brasileiros" (Editora Planeta, 268 páginas). Uma obra obrigatória, imprescindível, reveladora, com detalhes impactantes, que não só emociona e informa, como dá raiva, pois vemos aí o quanto perdemos e como as redações brasileiras foram destruídas em favor do que somos obrigados a ler todos os dias. Conheço Tom, irmão de Denis, desde quando eram muito meninos, na casa de meu amigo Jary Cardoso, jornalista com quem trabalhei pela primeira vez na redação da Zero Hora Dominical em 1969/70 e que se emocionou com o texto que fiz sobre seu editor em tantos jornais, resgate que ajudou a romper a barreira de silêncio (junto com a antologia organizada por Alex Solnik, "Pai solteiro e outras histórias") que caiu pesado sobre Tarso depois que ele se foi, desencantado com tudo, vítima não dos seus excessos, que o mantinham vivo, mas da grande tragédia que se abateu sobre a nação, que nos transformou em zumbis.

FUNDAÇÕES - Quando meu pai se convenceu que eu ia mesmo abraçar esta profissão, me disse: Quer ser jornalista? Então funda o teu jornal. Jamais segui o conselho, com exceção deste Diário da Fonte, minha única criação completa e verdadeira desde o dia em que entrei para esta vida sem volta. Tarso criou-se num jornal, pois era filho de Mucio de Castro, dono de O Nacional de Passo Fundo. Começou aos 13 anos, nas oficinas (exigência do pai durão). Quando chegou em Porto Alegre, como conta Tom, entrou para a Ultima Hora de Samuel Wainer, e lá um dia usou seu Taurus em plena campanha da Legalidade, em 1961. Seu revólver foi um dos três mil que Leonel Brizola pegou da Taurus para abortar um golpe de estado. De lá Tarso foi para o Rio de Janeiro, onde conquistou as pessoas com sua experiência de veterano e seu irresistível carisma. O livro de Tom faz justiça a Tarso, fundador do Pasquim, a grande revolução do jornalismo brasileiro, de onde foi expulso por traidores, não só em vida, mas principalmente depois de morto. Quando publiquei meu pequeno texto, era certeza de que o Pasquim fora obra de Millor , Ziraldo e Jaguar, o que é uma mentira inominável. O que eu escrevi sobre minha amizade com Tarso foi destacado pela professora Sonia Bertol, da Universidade de Passo Fundo, que fez sua tese sobre Tarso e me convocou para dar meu depoimento. O livro de Tom vai fundo e conta a trajetória dessa personalidade chave do jornalismo brasileiro com limpeza e grandeza, contando com a diversidade das fontes, nem tão extensa como deveria, por falta exatamente desse debruçar sobre uma vida que merece muito mais do que alguns livros. É necessário publicar todos os textos de Tarso e fazer uma edição caprichada, em fac-símile, dos principais trabalhos seus que contribuíram para marcar para sempre nossa profissão.

MARCA - Vejam a lista de jornais que ele fundou: O Panfleto, jornal trabalhista de grande repercussão nacional (eu o lia em Uruguaiana), que fez História; O Pasquim, o insuperável tablóide que chegou a vender mais de 200 mil exemplares por semana; JA - Jornal de Amenidades, a primeira publicação voltada para o consumidor; Folhetim, o jornal encartado aos domingos na Folha de São Paulo, o que dobrava a tiragem do jornal, que passou a vender 500 mil exemplares toda vez que saía; Enfim, o jornal da Anistia; Careta, resgate da célebre revista da primeira metade do século 20 e que foi fechada, segundo Tarso me disse no restaurante Rodeio (versão que está no livro), por um acordo com Paulo Maluf; O Nacional, título que ele herdou da família e que vendia 70 mil exemplares por semana. Tarso mudou a Ilustrada, da Folha (onde trabalhei, na época dele), transformando o suplemento em algo vivo e imperdível, coisa que não foi seguida por quem o demitiu, Otavio frias Filho; escreveu colunas antológicas, desde A Hora H, da Ultima Hora (que conquistou Samuel Wainer), O Pau do Editor (em O Nacional), as crônicas na Ilustrada quando não era mais editor e a da Folha da Tarde, que atraiu milhares de novos leitores para este jornal do grupo Folha. Por que foi soterrado? Porque ele contraria tudo o que se faz hoje em jornalismo. Tarso mesmo denuncia o país que um dia foi Brasil (quando Glauber morreu, ou foi assassinado, segundo sua versão) e a expulsão do estilo e o talento das redações, ação da qual foi sua principal vítima.

ALTURAS - Generoso, emocionado, eficiente, agitador, texto maravilhoso: tudo faz de Tarso de Castro a personalidade maior do jornalismo brasileiro, mais que todos os seus pares. Incomodava como ninguém. Foi amigo de meio mundo e era admirado pelas grandes personalidades do Brasil soberano, de Sergio Buarque de Holanda a Tom Jobim. Ter trabalhado com ele foi mais do que um privilégio, foi uma condecoração. O livro de Tom se lê de uma sentada e deve ser elevado às alturas que merece. É o livro do ano. Isso sim não se pode perder. Compre imediatamente e leia. E quando falarem para você sobre jornalismo, puxe o seu Tarso de Castro. Ele precisa ser usado na cintura, carregado.

RETORNO - Não pude ir pessoalmente abraçá-lo no seu lançamento, Tom, mas deixo aqui minha homenagem e o agradecimento por ter sido citado três vezes no teu maravilhoso livro. É muito para quem fez tão pouco pelo jornalismo. O que faço aqui no DF é totalmente inspirado em Tarso, nossa lição de vida permanente e que nos faz falta, todos os dias.

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