28 de dezembro de 2004

SÓ O MAR TEM ALGO A DIZER

Maremoto é conseqüência, não causa. Foi a terra que existe embaixo da divindade salgada que resolveu tremer e jogar aquelas ondas gigantescas sobre oito países pobres, lugares onde o mar é famoso pela tranqüilidade e beleza e onde os exilados da natureza dos países ricos encontram algum refúgio e contato com todos os deuses. A praia belíssima não pode ser culpada pela tragédia. As imagens nos revelam: o paraíso virou um inferno e pôs a descoberto cidades sem esgoto apinhadas de miseráveis, enquanto os hotéis luxuosos se transformaram na mesma merda que ocultam. Só o mar, nesta virada de ano, tem algo a dizer. Aqui no Brasil, o que deveria ser uma estação de alegria e paz pelo litoral privilegiado, também virou um pesadelo: o alto volume do som execrável colocado explicitamente pelos carros aparelhados pelos tridentes do horror inaudível destroem qualquer possibilidade de reflexão, aquela sensação de sentir-se habitado diante da grandeza. Ouvir o som do mar é a solução para tanto sofrimento.

VENENO - Esses idiotas que colocam seus carros na beira da praia com seu baticum insuportável de um som envenenado acabam com qualquer paciência. Os poderes públicos e empresariais são não só coniventes com essa porcaria que entorpece os espírito e provoca desespero, como são agentes, com seus programas pretensamente culturais em que colocam música de merda emporcalhando as areias. É preciso acabar com isso, peitar essa indiferença. Chega de usufruir a miséria espiritual formatada em vidas sem sentido. O único som obrigatório é o do mar. Só ele pode falar, neste verão que começa tão bonito, depois de um inverno terrível. É preciso que se carregue para o fundo do esquecimento esse hábito que se instalou entre nós graças à demagogia de que o povo deve ter o que gosta. O que devemos ter é o respeito aos outros. Devemos ter limites, sob pena de afundarmos numa guerra sem fim. Descobri ontem que a polícia não tem dado conta das inúmeras reclamações. Não existe repressão suficiente para algo que está difundido em rede. Qualquer fedelho acha que pode colocar seu baticum no mais alto volume. Qualquer energúmeno acha que pode destruir tua paz. Pois basta. E não me venham justificar que cada um deve ter seu gosto. Coloquem então fones de ouvido e rebentem seus tímpanos. Mas nos deixem em paz, que nossa praia é outra: esta mesmo, escutando o amigo Oceano Atlântico.

PODEROSOS - Diante da televisão, vejo praias parecidas com esta onde moro sendo tragadas pelo Índico em fúria. Vejo massas de pobres batendo no peito, abraçando crianças mortas, enquanto os turistas que sobreviveram, de cabeça baixa voltam ao inferno que inventaram, os países sem natureza, sem árvores nem mar amigável. Vejo também os vaidosos voluntários dizendo que vão se superar, vão ajudar a todos com suas granas e instrumentos poderosos. Soube que o Sri Lanka, o mais pobre dos países atingidos, não foi avisado a tempo porque não faz parte do convênio sobre ondas gigantescas. Gastam-se bilhões em turismo de luxo enquanto a miséria grassa solta em toda a Ásia. Não resolvem esse martírio porque não querem. Porque gostam de ostentar luxo e riqueza e acham bonito que os outros não tenham o que comer. Não dão a mínima importância para a cultura local, as pessoas religiosas e tementes a Deus. Aqui em Floripa, no ano passado, em Jurerê internacional, uma chusma de argentinos saiu pelada nas ruas aos berros. Estavam curtindo o Brasil, o rabo do mundo. As pessoas que moram aqui sofrem no inverno para sobreviver e quando chega o verão, sem dinheiro no bolso, têm de suportar os abusos da grana solta (dinheiroduto que nunca chega à população, e quando chega é em forma de subemprego). Quem vem para cá precisa ter outra natureza: o amor ao mar e a esta ilha abençoada. Benção que é ameaçada constantemente pelas biroscas com som alto, pelas festinhas sacanas, pela gritaria geral. Um banho de mar é algo precioso. Não pode ser emporcalhado pelos bandidos de sempre.

RETORNO - A boa notícia deste fim de ano é a repercussão da lista que fiz sobre os melhores de 2004. Todo mundo curtiu, sabendo que os critérios usados aqui foram sinceros e absolutamente pessoais. Isso deu credibilidade aos destaques. Alguns deles se manifestaram nos comentários e outros por e-mail. Reproduzo alguns trechos da correspondência via e-mail a seguir:

Obrigado por entrar nos destaques. Olha só, a quem interessar possa: toda a coleção da ameop está no site da livraria pau brasil: www.paubrasil.com.br/ameopoema .Muito legal o teu texto sobre o mal - me fez muito bem. Abraço. (Ricardo Silvestrin)

Prezado Nei Duclós: Grato pela medalha que colocaste em meu peito. Não sei se sou digno, em todo o caso, recebo como um incentivo muito grande, principalmente partindo de ti. Sempre me considerei um curioso, nunca um historiador e muito menos um pesquisador;a memória foi algo que meus amigos com quem convivo, sempre elogiaram mas nunca consegui me definir como memorialista, agora achei o enquadramento para tudo aquilo o que faço com muito carinho. Quanto ao conjunto da obra, minha bagagem é mínima, cabe numa valise mas tem repercutido acima do que um dia esperei que repercutisse. As dificuldades para publicar algo são inúmeras. Bem Nei, não sei ficar amorfo às emoções e não fico em cima do muro ,por esse motivo reforço os agradecimentos pela lembrança de meu nome. No próximo 2005 terás novidades. Sigo teu leitor assíduo. (Fernando Pereira da Silva)

Meu caro Nei! Que bom fechar o ano com chave de ouro, sendo citado no teu blog como o romancista do ano! Não sei se concordo contigo, mas não podia ser melhor. Obrigado, cara. (Tailor Diniz)

Nei! Tudo de bom pra ti e pros teus neste natal e nos próximos duzentos natais que se seguirem e nos próximos e nos próximos e nos próximos. Estou aqui tramando e realizando, não parei um minuto depois do nosso último encontro. Bom, agora é hora de se embriagar e receber os presentes de natal não é hora de falar em mais nada.Depois a gente conversa. Toda a felicidade pra ti e pro teu povo! (Marco Celso Viola)

Oi, Nei. Você vai sair no Sidarta-20, com seu texto sobre cidades adotadas. Bons votos para você também E um abraço afetuoso de Sonia Coutinho

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