3 de dezembro de 2004

HISTÓRIAS REAIS DE MARINHEIRO


Vinte beliches estão ocupados no grande navio com capacidade de retirar até oito toneladas de peixe. Joga-se a enorme rede no meio do nada e ela faz uma circunferência que é puxada por todos. Dá tremenda dor nas costas e às vezes o marinheiro precisa desempenhar essa função completamente curvado para não abusar do desconforto. Come-se bem no navio, mas o horário é marcado. Perdeu a oportunidade, só daqui a algumas horas. Quando o cozinheiro é ruim, até um macarrão todo grudado é uma delícia. Maresia dá fome de tubarão. Cada um está preso a um gancho no convés. Não invente de cair na água num barco em movimento que ninguém poderá te buscar.

MERGULHO - No porão, o marinheiro solitário está encarregado de colocar o gelo no meio do peixe que está sendo acumulado a cada arrastão. Ele faz o serviço sozinho porque dá conta do recado e porque não está a fim de repartir a féria paga por esse serviço. Ele ganha no porão e ganha no convés. Em cima, o navio pode enfrentar ondas altas que levam embora todo o peixe que já estava para ser colocado no porão. O navio anda nove horas mar adentro e há gigantescos tonéis de óleo diesel para agüentar a viagem. Mas nem sempre tem pesca grossa como essa. A solução é pegar uma baleeira, movida a remo, e ficar de olho na terra enquanto se pega isca viva para os outros pescadores. Há uma rede bojuda que fecha embaixo prendendo o peixe. Cada rede dessas é amarrada no barco e continua o baile. No final, é preciso mergulhar para tirar a carga do fundo, já que a rede está prenhe de coisas vivas. Mergulho de marinheiro que precisa ganhar a vida catando ostra nas pedras no fundo pode ter fôlego de três minutos. Um marinheiro leva seu filho de cinco anos e diz: essa é a última oportunidade de você aprender a nadar. Se não for agora, nunca mais. O adulto fica com água pelo pescoço e solta a criança dizendo te vira. O menino bate perna e braço e tenta boiar, até mesmo de maneira errada, com a cabeça enterrada na água. Mas ele consegue descobrir o segredo do equilíbrio e assim, nesse rito de passagem, está pronto para a vida.

SALVAMENTO - O mar é perigoso e o pai bem que avisou para sair da pedra. Mas eram nove pessoas, todas crianças e um adolescente de 15 anos. A onda veio por trás, carregando cacto e grama e levou todo mundo de roldão. O rapaz avisou antes: se segurem na pedra! E assim foi. Mas o pior estava por vir. Mariana tinha sumido. Marcos, o cara que tinha 15 anos, procura desesperadamente pela menina, sempre agarrando-se nas pedras. Não consegue ver nada, mas a onda acaba tirando a garota do lugar onde se segurava e por sorte jogou-a na perna de Marcos, que a segurou imediatamente, avisando: te agarra nas minhas costas, pega do meu pescoço! Ficaram assim por algum tempo, Marcos não conseguia gritar pois estava sufocada pela vítima que se agarrava a ele para não morrer. O pai de Marcos, desesperado, procura pelo filho e não encontra. De repente, pisa numa de suas mãos, que estão por um fio na borda do abismo, com a correnteza pronta para levá-lo, junto com Mariana, para o fundo de uma vala. Marcos, ao sentir o pisão do pai, consegue gritar. O pai é agarrado por trás, numa fila indiana de sete pessoas. Pega firme a mão de Marcos, Mariana pula por cima do seu salvador e vai para a segurança. O pai puxa Marcos xingando todo mundo, pois tinha visto a onda ainda pequenina e avisou aos berros do perigo. Mas ninguém tinha ouvido. Não invente de cair no mar. Dois meninos pularam de uma pedra achando que poderiam chegar fácil na praia. Um foi resgatado por um barquinho a vela , mas o outro estava indo embora. Marcos estava atendendo os turistas numa escuna e falou para parar tudo e pegarem o bote salva vidas. Foi a nado. Pulou no momento em que o afogado afundou. Ele conseguiu resgatar e por sorte chegava o bote, para onde a vítima foi jogada.

BUZIOS - O avô de Marcos tinha 85 anos quando levou-o, ainda menino, com nove anos, para pescar com vara de bambu. Faz assim: corta o bambu, coloca uma linha nele de alto a baixo para que ganhe consistência e deixe-o o no sol para secar. Marcos estava quase desistindo, pois não pegava nada. De repente um enorme peixe galo, bojudo, pesadíssimo, mordeu a isca. Marcos gritou para o avô que não poderia levantar o bruto. O avô insistiu para que jogasse o peixe com toda a força para a praia, puxando o bicho pela linha atada ao bambu. Marcos conseguiu, mas não queria agarrar sua presa. O avô de novo disse que ia ensinar. Coloque o peixe debaixo do braço e tire o anzol. Quando o garoto chegou em casa, houve festa, feijoada e peixe com farofa. É assim o mar dos marinheiros de Búzios. Todas essas histórias são reais. Contou-me Marcos Carvalho, que chegou ontem com minha filha Juliana a esta praia do sul. Combinamos que agora sim vou voltar a pescar. Preciso me preparar. Vou ser avô de um filho de marinheiro e tenho que recordar todas as lições do seu Ortiz, pescador de água doce.

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