4 de julho de 2004

NENHUM JORNAL DE DOMINGO


Agora não temos jornal de domingo, que sai no sábado, nem de sábado, que é assassinado pela edição precoce dominical. Invenção da Folha e sua pretensa competitividade, o que foi imitada por todos os outros. Não compramos mais o jornal de sábado pois em cima dele está o de domingo. Acordamos domingo sem jornal para ler. Em compensação, temos o boletim de segunda-feira, outra invenção sinistra, pois uma equipe de jornal não pode estar completa num domingo à tarde, que é dia de ficar de papo para o ar. O resultado é que durante três dias há uma confusão tremenda.

TESOURA PRESS - A solução seria manter o esquema tradicional: jornais de terça a domingo. Neste, haveria uma edição especial de verdade, ou seja, cultural. A cultura foi erradicada, com raras exceções, da imprensa, que se dedica ao entretenimento, à publicidade descarada no espaço da reportagem, aos artigos importados da Tesoura Press e às resenhas anódinas que incensam nulidades da música e da indústria de livros principalmente. Todos agora escrevem livros, e o que é mais impressionante, conseguem publicar. Conheço autores que ficam décadas na geladeira por não ter um só editor que arrisque neles. Mas basta alguenzinho alinhavar meia dúzia de letras para sacudir seu livreco na mídia. Não sei para onde foram aqueles milhões de exemplares de clássicos de Vinicius e Clarice Lispector que o governo comprou e estocou. Mas é o desperdício total: gasta-se os tubos para nada. A imprensa, que decidiu concorrer também no nicho de livros, deveria ficar de fora disso, pois como um resenhista da Folha poderá ser isento ao comentar um lançamento da Publifolha? Li esses dias nesse jornal que o livro sobre Chico Buarque, de autoria de um editor da casa, seria o mais importante lançamento sobre o tema. Não é bandeira demais? Esse desplante agora é sem contestações? Give me a break, Joe. Precisamos de cultura, ou seja, de independência. Existem alguns claros na mesmice. Os artigos de Gilberto Vasconcellos no Mais!!, por exemplo, ou os de Mangabeira Unger às terças-feiras. Na página 3, de opinião e debates, costuma haver textos interessantes. Mas o grosso dos jornais se dedica ao nada, à chatice habitual. Ainda existem boas e raríssimas reportagens. E alguns colunistas bala. Mas é muito pouco. Queremos uma imprensa livre de norte a sul do país. Se isso acontece nos grandes centros, imaginem nos menores. Ainda estamos em plena época da imprensa sob censura. Usa-se, pasmem, a expressão grupos organizados para desmoralizar mobilizações populares. E usam palavras como baderna para abord(t)ar movimentos democráticos. É assim mesmo, ditadura total.Hoje na Folha Janio de Freitas diz textualmente: Falar em regime democrático no Brasil é uma aberração tão grande quanto os feitos dos seus governos nos 10 anos de Real.

CARTA - Minha carta para a revista Cartacapital não teve a sorte de ser selecionada para publicação. Mas como não deixei barato a estocado mortal que o jornalista e historiador Maurício Dias deu no trabalhismo, ao abordar a morte de Brizola, escrevi o seguinte: Ao contrário de outros coveiros do trabalhismo, que agem por má-fé, o jornalista e historiador Mauricio Dias confia na sua própria argumentação para enterrar uma corrente política que é disputada por dois partidos. Deveria armar-se não da comodidade racional, que pode ser traiçoeira, principalmente se for cevada na estufa da auto-suficiência profissional e na experiência jornalística numa imprensa que, desde 1964, nunca conseguiu chegar ao esplendor da lucidez e da isenção, por motivos os mais diversos. Deveria confiar mais na observação factual, ferramenta do jornalismo e da História. A multidão que velou Brizola no Rio e em Porto Alegre e o enterrou em São Borja estaria também fadada ao desaparecimento? Todos juntos ao mesmo tempo? A emoção que eles sentiram estaria totalmente dissociada da razão, sem o mínimo acompanhamento da ideologia aliementada pela vivência e a leitura atenta dos fatos, ou do conhecimento sintonizado com a grandeza? O trabalhismo estaria automaticamente encerrado tão logo fosse fechado o caixão, deixando ao desamparo o óbvio valor da sua autenticidade histórica e seu cacife agora posto a descoberto com a morte do seu líder maior? Seriam perguntas banais que o eminente jornalista e amigo poderia se fazer, antes de acomodar-se na garbosa posição da certeza aparentementee charmosa, mas vazia. Ou no texto que semicerra os olhos para dar-se uma aparência cool, mas que acaba se traindo ao não enxergar o que nação manifesta de maneira tão explícita..

JK EM 64 - Juscelino Kubistchek foi apontado pelo ex-ministro de saúde de Jango, Wilson Fadul (hoje com 85 anos), como o político que viabilizou a candidatura do marechal Castello Branco logo depois do golpe de 64. JK, de olho na presidência em 65, abortou a candidatura do general Amaury Kruel, que poderia fazer um governo real de transição. JK achava que Castello estaria agradecido a ele por tê-le feito general quando foi presidente entre 1955-1960. Castello assumiu com o apoio de JK no Congresso e cassou seus direitos políticos dois meses mais tarde. A ditadura então, graças a Juscelino, começou. O depoimento de Fadul está na excelente edição Olhares sobre 1964, o golpe que calou o Brasil, do Jornal do Brasil, publicada no dia 11 de abril deste ano, um projeto com coordenação editorial de Denise Assis e que me foi enviada por Juliana Duclós, editora de arte do jornal O Buziano e aniversariante desta segunda-feira, cinco de julho.

UM POEMA - Como hoje é domingo e ontem fiz um poema, vamos à seção de Cultura do Diário da Fonte (que ainda será impresso e aí vamos ver com quantos marcelos mins e virsons holderbaums se faz uma canoa).

BROMÉLIAS

Nei Duclós

Somos como as estrelas
a única luz nesta noite preta
O amor que você produz me tenta
o corpo cai em confusões de renda

Somos como a lua em linha reta
subindo por um céu que não aceita
Ela quer vir até nós e ninguém deixa
Sua esperança é a carona de um cometa

O poeta não dorme enquanto houver mistério
Compartilhamos o susto de uma esfera
que rola infinita pelo tempo
mas quer mesmo é estar perto da fogueira

Pousa sobre nós o sopro de um segredo
Se estamos tão sós por que não venta?
Se não há tempestade existirão os duendes
a tramar nosso tombo entre bromélias

Embalados de natureza adormecemos
O escuro, exausto de nos pregar peças,
temeroso espia o sol que se apresenta
e foge para inventar mais sortilégio

Somos o amanhecer de olhos tontos
entrevemos um oceano de serenos
Ainda dormimos quando despertamos
numa nuvem de sono e realejo

RETORNO - O Diário Catarinense de ontem, sábado, republicou a força que Tabajara Ruas deu para meu romance Universo Baldio, e que tinha sido divulgada antes na Zero Hora, conforme noticiamos aqui. Culpa do imbroglio de fim-de-semana: só hoje fiquei sabendo que a edição de sábado continha essa preciosidade. Edição que deixei de lado, sem saber da nota, por contar, de manhã, com a edição do dia seguinte. Mas valeu a força não só do Taba como do Diário, que já publicou página inteira de uma resenha, de autoria de Dorva Rezende, sobre o livro.

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