Nei Duclós
Não sou grande nem pequeno
Sou medido por minha fome
Grudo no sonho como um druida
No mundo da lua me recomponho
Sou o que resta de um poema no prelo
Que ficará inédito
Publiquem ao saberem que amo
Nei Duclós
Blog de Nei Duclós. Jornalismo. Poesia. Literatura. Televisão. Cinema. Crítica. Livros. Cultura. Política. Esportes. História.
Nei Duclós
Não sou grande nem pequeno
Sou medido por minha fome
Grudo no sonho como um druida
No mundo da lua me recomponho
Sou o que resta de um poema no prelo
Que ficará inédito
Publiquem ao saberem que amo
Nei Duclós
Nei Duclós
Preencho com vida falsa a vida verdadeira
Que assim se calça em fungo na madeira
O que faz falta é tua voraz presença
Ausente, matas o que não tem preço
Nei Duclós
Nei Duclós
Passo lotado por todas as datas
Cicatrizes da História no corpo do Tempo
Heróis e eventos em marcos eternos
Que todos esquecem mas nos feriados se lembram
Já me preocupei em lavrar testemunho
Mas eu era moço e qualquer coisa serve
Dias inúteis fazem redemoinho
E eis que a verdade súbito aparece
É quando descobrimos que não existe milagre
Os anos são sempre os mesmos e ninguém toma a Bastilha
A vida é uma ilha, cercada de adeus por todos os lados
Nei Duclós
Nei Duclós
Não posso ir a lugar nenhum
O mundo não tem o que eu preciso
Que só acho aqui onde me visto
Com as roupas antigas sem registro
Além do alumínio e a porcelana
Os tijolos nos canteiros do jardim
Nos atos da criação que me pertence
Sou refém do que uso nos limites
Arbustos, roseira e grama ruim
Casa de alvenaria que comprei
Quando tive recursos para tanto
Numa rua escondida e sem encanto
Jogadores de bola no portão
Fecho todo dia este porão
E reabro quando chega a primavera
Um só verso faço por segundo
Teimosia do ogro veterano
Já fui moço como a poesia
Hoje caço a mesma fantasia
Venha ver o esforço de um ofício
Esta obra com a letra de um convite
Nei Duclós
Nei Duclós
A ditadura pode vir de qualquer lado
Direita ou esquerda o sol nasce quadrado
Não se apegue à falsa coerência do passado
O crime muda enquanto permaneces parado
Bater no peito não te livra do pecado
A virtude também pode virar um fardo
A História é o que costura e não produz milagres
Mostra o que te cura se souberes ler os fatos
Não espere ser aceito na lúcida viagem
Vão te atirar pedras se cruzares a margem
Estarás sozinho nos dias decisivos
Nu com tua ideia, flagrante da coragem
Soldado em água clara, padrão da liberdade
Nei Duclós
Nei Duclós
Esquecemos para que a vida caiba na memória
Guardamos algumas gotas dos mares de outrora
Senão o peso do tempo vergaria no outono
E a lembrança não seria a doce primavera
Conviver com tanto dano nos deixaria exangues
Melhor selecionar o vinho dos instantes
Está caduco, dizem dos gigantes
Mas ficou leve, essa que é a verdade
Não precisa carregar arquivos dissonantes
Para muitos isso fica insuportável
Pois como continuar se o que somos nos falta?
Brutal situação dos velhos que sobram
Não sei o que é melhor, confesso minha barra
Só sei que me esqueci
É tudo o que me resta
Os dias são cavalos a trote selvagem
Quem vai segurá-los sem estribos de prata?
Nei Duclós
Nei Duclós
Fica tudo por fazer
Livros que nem comecei
Papéis sem nenhum valor
Memórias soltas no chão
Mofo em paredes de dor
Corpo guardado em porão
Fica tudo por fazer
Casa sem arrumação
Graxa por todo o fogão
Tralha de pesca sem uso
Caixas de parafusos
Inúteis manuais ainda intactos
Fotos e cartas nos sacos
Fiquei de um dia fazer
Deixar tudo pronto e partir
Mas me encontro numa estação
Com um bilhete preso na mão
Chove e te espero em vão
De repente há um choque de trens
Nei Duclós
Nei Duclós
Todos os dias te dou bom dia
Flor, palavra ou coração vermelhinho
Você aceita o carinho
E me receita algo da Bíblia
Assim cultivamos nosso caminho
Trilha de mimos
Ainda te pego na curva.
Nei Duclós
Nei Duclós
Acham um escândalo
Celebrar um poeta só depois que morre
Enquanto viveu esquecido numa vida de sacrifício
Queriam vê-lo ostentando titulos
Cercado de reconhecimento
Considero um exagero
Exigir aplauso em vida
Um poeta sabe a barra do oficio
E nada espera na rotina da sua arte
E falando sério
O que faria um poeta com sua glória?
Nei Duclós
Nei Duclós
Tantos filhos que partiram
Neste século morto
Cheio de países que se agridem
sem nenhum direito
Um desses filhos é o meu
Que cedo foi-se
Que lá no paraíso onde se encontra
se permita a paz que aqui não tinha
Para seu corpo de homem e menino
Pois é no céu que ele existe
Não há outro lugar
Por isso ainda digo seu nome
Miguel, que Deus mandou chamar
Não mudo de assunto
É proibido esquecer
Nei Duclós
Nei Duclós
Voamos baixo, nós os contemporâneos
Não por incapacidade
Pois temos formação para alcançar as nuvens
Mas para escapar do radar
Assim, não reconhecidos, cruzamos cidades, mares e florestas
Carregando o pó de tesouros ignorados
Somos como as ruínas megaliticas
Cheios de enigmas jamais decifrados
Perguntarão como conseguimos burilar a vida
Oferecendo pedras lisas cortadas por desconhecidas tecnologias
Um dia nos desenterrarão
Mas não vão descobrir o momento em que sobrevoamos o paraíso
E saltamos de para-quedas
Nei Duclós
Nei Duclós
Eu me escondo
Porque levei um tombo
Chama-se vida
De longos anos
Já fui humano
Hoje sou marimbondo
Mantenho a palavra
Com a mão ferrada
Não há motivos para encontros
Minha rua fica na Lua
Do lado oculto
Moro no cosmo com neblina
Tenho apenas a rotina
Criado mudo
Com a gaveta cheia de escombros
Não se impressione
Guardo segredos
No bolso de um anjo
Nei Duclós
Nei Duclós
Quem é você quando não me conhece?
Praia distante, bússola do leste
Ar de quem não me vê e esquece
Não gravas meu rosto, que não te apetece
No banco da frente estás ocupada
Saltas de repente em incerta parada
Vou até o fim da linha e volto desolado
Em qual casa te escondes na avenida lotada?
Moro no subúrbio, toco na garagem
Treino para uma futura serenata
Enquanto te maquias para um baile de gala
Nei Duclós
Nei Duclós
Tem dias que o Tempo come, voraz gigante
Quando está de porre, apetite podre
Não se satisfaz com tudo, quer a sobra
Leva embora o que sempre esqueço
E faz um monturo de coisas pequenas
Só de implicante e prevalecido
Eu não me importo, a não ser que carregue
Os raros momentos em que estive contigo
Isso me desespera pois só quando eu lembro
É que o meu amor por ti acontece
Nei Duclós
Nei Duclós
Tão bonito o tempo contigo
Parece sonho
Sol de morno alento
Em sopro de clima ameno
A saia rodada beija tuas pernas
Que mostras prudente na distância dos joelhos
Nem precisa ser primavera
Basta a manhã e seu farnel de vento
Pétalas que caíram ao relento
E se juntam às folhas de antigo outono
Vivo disso, coração amoroso
Tua palavra num sussurro autêntico
Doce que me alimenta
Raiz de árvore, grãos de planta
Viceja o verbo que se fez teu nome
Nei Duclós
Nei Duclós
Encaixe perfeito
No convite e no peito
Unidos no jeito
Sintonia extrema
Os corpos convictos
Prazer de estar juntos
Não é o que dizem
Se proibem ou aceitam
O evento transita
Onde não se comportam
As leis não alcançam
Nem as armas sujeitam
É sempre surpresa
Mesmo antes de escrito
Renascer do dia
No ventre do escuro
Voo permitido
Em raízes de pluma
Ave marinha
Em pele de urso
Chamam de amor
Talvez seja o certo
Nei Duclós
Nei Duclós
Tive pouco tempo para varrer a frente da casa onde moro no deserto. Por isso esse areal tomando conta dos canteiros. Mas pelo menos pus minha melhor roupa para te esperar chegando na velha diligência. Fiquei sóbrio em tua homenagem e te dei a flor mais agreste deste ermo conflagrado pelo destino. Chegaste com o rosto transfigurado, mulher que um dia me recolheu, ferido, nos escombros de uma guerra.
Nei Duclós
Nei Duclós
Tudo é passado quando passas da idade
E a vida sépia define os contornos da memória
É o troco que recebes em pobres moedas
Os amores findos, a fuga da soberba
O tempo te impõe a humildade
Resta a vontade que tens de sobra
De adiar o desfecho, implicante bárbaro
Nei Duclós
Nei Duclós
Agora parece fácil
Que tens meu novo endereço
E poderás encontrar-me
No almoço ou café da tarde
PoIs disponho de concreto
Um corpo para o abraço
E nada nega que existo
Muito além da prosa e verso
Quero saber quando o tempo
Vier e eu desapareça
Se será fácil me acharem
Entre memória e tropeços
Na inútil biografia
Oculta nos testemunhos
Ditos de má vontade
Em tantos contemporâneos
Não porque sejam nocivos
Apenas se sentem vivos
Fora da minha história
E os rascunhos não resgatam
Detalhes de muitas datas
Pois bem, amigo, aproveite
Que eu ainda aqui respiro
Porque chegará a hora
Que alguém irá procurar-me
E verás que fui um cara
Nada especial, só um sujeito
De peito aberto, mais nada
Que no tempo bem antigo
Me chamavas camarada
Nei Duclós
Nei Duclós
Nossos corpos preservamos do olhar que tira a roupa
Já vivemos bastante para saber do que se trata
Missão cumprida, prazer e descendência
Somos ouro puro com os cabelos de prata
Para os moços lembramos que é sagrado
O que vivemos no calor da tempestade
Porque o tempo se encarrega do transtorno
E a memória é a favor do que não mata
Hoje imaginamos o que poderia ter sido
Mas é só o que temos, essas mãos no espaço
Tentando pegar o que agora nos escapa
E só conseguimos quando Deus atende a porta
Nei Duclós
Nei Duclós
Tudo o que você faz eu gosto
Tudo o que você é eu curto
Tudo o que você diz escuto
Tudo o que você sonha abraço
Tudo o que você esquece passo
Tudo o que você lembra assumo
Tudo o que perde procuro
Tudo o que você acha encontro
Tudo o que você joga apanho
Tudo o que você quer eu tenho
Tudo o que você nega esqueço
Tudo o que come eu sirvo
Tudo o que você sofre apago
Tudo o que você ganha eu somo
Tudo o que você toca eu tremo
Nei Duclós
Nei Duclós
Flagrei-te moça enquanto eu veterano
O tempo congelou teu rosto
E em mim escavou um reino
De vestígios sem importância
Não importa, tudo é virtual neste século torto
Vivo no troco depois de pagar a conta
Minha esperança é namorar-te primeiro
Apagando a fatura do nosso desencontro
Nei Duclós
Nei Duclós
Teu encanto é uma fina camada
Que não sai com a roupa ou a maquiagem
Gruda como segunda pele
E assim permanece resistindo ao assédio
Desperta contigo intacta
Apesar do gigante ao teu lado
Que não vence no auge do amasso
Se entrega, e o encontro dá certo
Amor é vontade
Tua essência é o que te cobre
Esse véu, segredo de seres tão bela
Nei Duclós
Nei Duclós
Escapa de ti o que pensas ser destino
Algo substitui
Um susto, um desvio, uma sílaba
Vida é o que o Acaso apronta
Quando atiça
Nei Duclós
Nei Duclós
Selecionei um trecho da tua imagem. Aquele em que te entregas em segredo.
Eu ia dormir, mas pensaste em mim. Não resisto a um chamado em voz alta.
Queres dar um tempo? Me passe alguns anos.
Como sou gigante, me tornei exilado da doçura. Então surgiste, flor de seda pura.
Agora sim, durmo contente. Fiz versos para povoar teu sonho.
Como na tua mão, fada de outro mundo. Sou tua criação, ser errante.
Crio a esmo. Trigo com ervas do campo. Depois não colho, porque cansa muito.
O tempo nos reserva uma surpresa. Viajamos sós e nos reconhecemos no convés, depois de um cinema.
Você é tão adorável, estrela cadente.
Não sei o que estou pensando. Não costumo olhar o rastro do meu barco a remo.
Tens aquela postura de ter desistido. Mas te empinas para a frente, perfil de seios. Assim te entregas quando recitas o poema.
Não tenho profundidade, tenho cataventos.
Quando me conheceste, eu era outro. Agora que és outra, descubro que sou aquele.
Sou feito de abandonos. São tantos, espalhados por toda parte, que fácil me encontras.
Para não esquecer, me beije. A memória mora nessas besteiras.
Faça outra coisa. Que eu farei o mesmo.
Vou te mostrar minha coleção de borboletas. Só que todas voaram.
Todas as fotos são antigas. Somos um álbum de retratos.
Digo coisas sem sentido porque assim me sintonizo com vibrações fora do circuito.
Se és amor, levante a mão. Eu aponto em meu caderno de esperanças.
Nossa palavra é limitada pelo que somos fisicamente. Para extrapolar é preciso jejuar e só depois de 40 dias comer alfinetes.
Não somos objetos. Somos sujeitos ao desejo.
Mas vai piorar. Agora vou aparecer gigante sobre a cidade, como Godzilla cuspindo fogo. Saia do cinema correndo.
Também não gostei quando alguém me apresentou dizendo meu nome para mim mesmo. Achei over.
Perdeu a graça quando me viste. Faltava o rosto imaginado. Deste as costas e eu lá estava, imagem configurada pelo teu espelho.
É uma pena seres minha amiga. Poderíamos exercer o vale tudo da luta livre.
Vão rir de ti, não revide. Há mais graça na planta que imaginas florir do que na falsa armadura da razão e seus convites
Manténs distância lendo poesia. É um truque do teu não, lisinha.
Se perguntarem quem és, diga: solidão. Não vão acreditar, estrela do mar.
Fui rei para te fazer a vontade. Depois abdiquei, quando viraste voluntária na colheita do trigo.
Venci a guerra mas não ocupei o trono. Fiquei contigo, desvio de um exército.
Diga ai que eu fico. Não resisto ao teu capricho.
Lembre da beleza quando eu for embora.Peguei emprestado de tuas asas.
Aguardas, soberana, que eu me desperdice. Depois me acolhe, aos pedaços, em suas asas de espuma.
Meu poema reza no crepúsculo.
- Sou muito perigoso, disse ele.
- Morres de medo de ti mesmo? disse ela.
Nei Duclós
Nei Duclós
Guardo o que descubro pois não vale a pena
Anunciar os segredos mais profundos
Não se percebe o que muda o mundo
Ou então há medo na imobilidade
Acumulo insights que bem poderiam
Fazer a diferença em vários assuntos
Pode ser soberba, penso usando o freio
E me calo no calor dessas verdades
Há também a chance de outros dizeres
Que acertam o ponto que vislumbrei sozinho
Melhor então deixar que o vizinho
Ganhe o crédito que jazia abandonado
Assim me manifesto, recolhido a tempo
Sem usufruir de inúmeros presentes
Passo pela vida anônimo e frio
Meu único prêmio é manter a fonte
Das revelações dentro de um cofre
Nei Duclós
Nei Duclós
Quero voltar, só o tempo é seguro
Porque está feito como um fruto maduro
Dia perfeito em que tínhamos margem
Para o certo e o erro que enfim sobreveio
Quero voltar estendido no pampa
Lençol onde dormem os planos do vento
E o fogo se aquieta na boca da noite
Barulhos de bichos nas dobras da sanga
Sei que é mesquinho o desejo de infância
Depois que perdemos as amarras da terra
Prometo uma prenda ao chegar de surpresa
Em troca o perdão e o amor em sossego
Nei Duclós
Nei Duclós
Tudo o que vemos jogamos fora
Não no esquecimento
mas na memória
Guardamos o tempo sem serventia
Damos adeus todos os dias
Tudo se repete, daí a indiferença
Minha tia deixou um estranho legado
Pilhas de caixas e vidros amontoados
Tinham tampa, se justificava
Poderia precisar em determinada hora
Nunca usou tantos guardados
Era una forma de grudar momentos
Que no fim se foram, como sempre
Dizem que no desfecho passa um filme nos olhos
Toda vida em capítulos de uma série única
Talvez nos reservem algo inédito
Imagens que perdemos e que um dia voltam
Para nós, os esquecidos da miséria
Nei Duclós
Nei Duclós
Dormimos ao relento de um amor no começo. Complicado jogo de cobertas. Acordamos em alto mar, mortos de espanto.
Domar a vontade de perder-me. Mergulhar na luz que te desenha
Venha dizer, maçã e gerânio. Sopro macio, que cruza o oceano.
Nei Duclós