28 de julho de 2025

OLHAR

Nei Duclós Seleciono tua imagem entre tantas Escondo deste meu olhar tua performance Cultivo não a inocência já perdida Mas a chance de acordares para teu rosto Espelho de um corpo circunscrito ao talento Que se afasta do que chamam de carreira E é apenas a brutalidade do tempo Verás então o que te formou A partir da infância Nei Duclós

26 de julho de 2025

VÍCIO

Nei Duclós Postar em redes sociais é para desocupados De gente fora da vida que quer ser incluído Jogo de faz-de-conta num exercício fingido Político que não trabalha e marmanjo bem nutrido Poeta ainda na ativa e muito mal sucedido Quadrilhas cheias de bossa compostas só de bandidos Além dos fracassados que se escondem na família Melhor é carpir um lote e manter a pia limpa Varrer varanda e quintal e tocar flit em mosquito Fazer compra no mercado ou lustrar carro de rico Tirar lixo da esquina para evitar desperdício Postar em redes sociais não passa de puro vício Ficar na fila do tempo enquanto o mundo desanda Abraçar a propaganda do notório egoísmo E adiar o bom momento de deixar de ser mazanza Nei Duclós

NA GUERRA

Nei Duclós Como fica o poema próximo à guerra? Soma-se às buzinas, berra pelos ventos Ou se esconde nas redes de conforto e miséria? E na guerra mesmo, vibra bandeiras? Invade o palácio, derruba barreiras? Morre imolado por alguma causa? Ainda não sei se azeito armas Se sinto remorso pela inútil vaidade Ou se repito o coro dos insurgentes Misturando o verso aos hinos da hora Jogo fora o que fiz no tempo da farra Palavras antigas , velhas estrofes E tento uma voz que sirva ao combate Tudo me abate, poema sem glória Lábio escarlate me chama insistente Venha para cama, me diz a tratante Escreva depois sob o meu expediente Nei Duclós

ACONTECE

1Nei Duclós Pouca idade é uma provisória ilusão O tempo se encarrega de corrigir sem perdão Coloca o corpo fora do esquema Você fica pronto sem se dar sossego Da balada emigra para ser avô E talvez bisa se tudo continuar Tua vida vira de pernas para o ar Mas isso todo mundo sabe, meu irmão A novidade é quando acontece contigo, capitão Nei Duclós

21 de julho de 2025

Sesta

Nei Duclós Acordo desarvorado Na tarde do novo século Depois com pressa me aprumo Preciso acertar o passo Da mente fora do esquadro Na sesta vieram os crimes Sonhos atrapalhados Mas café bom no crepúsculo Serve na mesa o conforto Que redefine meu rumo A sesta não é bem vinda Quando tento antiga fuga Devo encarar o que cura Esse vago sentimento Que começa onde termino Vem a noite, flor madura Com presença de perfume Medo sai e chega o gozo Com teu rosto que alucina Nei Duclós

20 de julho de 2025

SÓTÃO

 Nei Duclós 


Deveria cuidar melhor

Do acervo da poesia

Acumulado no sótão 

Das casas que abandonei

Melhorar as aparências 

Para as visitas do rei

E assim receber os prêmios

Da glória reconhecida


Mas digo não tenho tempo

De passar lustre na vida

Ainda estou na ativa

Do esforço em duro caminho

Moro na noite e no dia

E não no limbo impecável

Do aplauso em terreno limpo


Pareço até vagabundo

Mas sou apenas soldado 

E quem luta corpo a corpo

Tem a solidão mais funda

Cumprindo o roto destino

De ser último na fila


E Deus vê quem não se aplica

Em ceder sem compromisso

Com o valor sob medida

Do sótão desarrumado 


Nei Duclós

19 de julho de 2025

SEM SOSSEGO

 Nei Duclós 


Sou um entre milhares

Teu anônimo pretendente

Já não sei se o sentimento 

Virou lei de algum decreto 

Ele não dá vencimento

E não cede nem compreendo


Mas a lógica persiste

Na palavra recorrente

Que revisita teu rosto

Entre tantos monumentos 


Percorro estrofes, teu corpo 

Com a fúria dos elementos 

Esse é um amor sem sossego


Releve meu sonho, me esqueça 

Que eu volto, bruto e ardente

Nao pense que serei manso

Depois de sofrer um tempo


Nei Duclós

17 de julho de 2025

DE MANHÃ

Nei Duclós 


Eu enfrentaria um exército para te defender

Eu te daria mil beijos antes de morrer

Eu estaria ao teu lado mesmo sem saber

Se eu sobreviveria, estrela da manhã

15 de julho de 2025

ENIGMA

 Nei Duclós 


Eu estava dormindo no quarto de cima

Perto do meu irmão

Que há tempo não via

Quando veio a mãe de maneira aflita

Queria que um de nós atendesse a visita

Que batia no portão da casa vazia


Por que sonhamos coisas tão estranhas

Que ao acordar não sabemos ao certo

Quem somos nós em noite tão fria?


Acho que era dia mas não havia clima

Corria uma visão de hora tardia

Nenhuma explicação apenas enigma


Quem afinal a tantas horas insistia

Seria um sinal de que tudo está no fim?


Onde então, Providência divina

Devo me segurar no sono mais simples

Se vou despertar com a mãe que já se foi

Perto do irmão que há tempo não via?


Nei Duclós

14 de julho de 2025

POR ACASO

 Nei Duclós 


Amor é pensar em ti o tempo todo

Um lugar de onde não quero me retirar

Te chamam porque estás comigo há horas

Mas tu também não consegue ir embora


Esse convívio que é um momento sem igual

Em que, medrosos, matamos o tempo da estação 

Até que deixamos escapar uma palavra

Conversa séria sobre o que será de nós 


O clima não se desfaz, mas atingimos outro nível 

Agora que decidimos não brincar

E embarcamos em direção ao mar


Posso dizer enfim que és minha mulher

No sonho que por acaso brotou só por brotar

Sou o mesmo cara que não te merecia 

Fui escolhido pela beleza do destino


Nei Duclós

10 de julho de 2025

PALAVRA

 Nei Duclós 


Na longevidade Tolstoi descobriu que tudo era inútil

Suas posses, seus títulos, sua obra

Brigou em casa pois queria se desfazer de tudo

Tirar as vestes da sua glória


Por isso fugiu no inverno e morreu de pneumonia numa estação de trem


Rimbaud foi mais precoce 

Descobriu a mesma coisa aos 20 anos e não aos 82, como Tolstoi


O autor é só uma ferramenta dos anjos que sopram a literatura 

na redação das nuvens

É deixado de lado depois da missão cumprida

É esquecido mesmo com homenagens


Fica a palavra, única criação do Paraíso


Nei Duclós

REGRESSO

 Nei Duclós 


Remorso por não ter feito

Agora não tem mais jeito

Não conserto meus defeitos

Fico torto para sempre 


Livrei-me dos compromissos

Varri a porta da frente 

Lembro da mãe esperando

Na calçada o seu rebento 


Que desistiu dos estudos

Depois de tanto tormento 

Ela diz que não aguenta

A traição do estudante


Mas eu tinha outros planos

Abrir mão sem mais nem menos

Das ilusões da carreira


Comigo me desavim

Como dizem num poema

O pai achou muito estranho

O guri está variando


De tudo eu me arrependo 

De estudioso a vagabundo

Rolando pela sarjeta

Saindo da classe média 


Tudo passou, me convenço 

Menos o amargo regresso 

Ao sonho daquele tempo


Nei Duclós

JANGADAS

 Nei Duclós 


Posto demais. Mais pelo registro do que pela leitura.


Porque ninguém atura tanta produção. 

É a longevidade que conduz ao excesso. Ou à falta de compostura.


Não há futuro quando a literatura no lugar de fonte vira mar.

Palavras salgadas vindas de Portugal. Que aportam no Brasil depois de Cabral. 


Cais da perdição. Jangadas de não voltar.


Nei Duclós

ENFIM

 Nei Duclós 


O ser é o nada

O verbo ser

O nada a ver


Dizer não sou

Quando és 

Nada aos pés 


Surta solidão 

Corso de ilusão 

Andor de procissão 


Um poema é o mínimo

Para sobreviver

Enfim criar amor


Nei Duclós

7 de julho de 2025

OUVIDORIA

 Nei Duclós 


Acho que Deus se aborrece

De ouvir sempre a mesma ladainha

Tantas vezes repetida

Sem que a reza revele

O poder de uma oração


Preciso encontrar as palavras

Que me aproximem do Seu ouvido 

Onde buscá-las 

Cercadas pelo cotidiano entulho?


Peço socorro a Maria

Que todo santo dia

Nos assiste

Com paciência infinita


Basta escutar os anjos, ela me diz

Os que chamam de inspiração

E são emissários do Espírito 


Deus escuta

Mas poesia Ele presta mais atenção 


Nei Duclós

6 de julho de 2025

AURORA

 Nei Duclós 


Por ter escrito tudo

Amargo esta noite o abandono do poema

Cruzei a linha de chegada

E revisito o já dito com reservas


Exagerei na dose da vocação precoce

Que na tardia idade revelou as sobras

Do verso de improviso, do texto sem retoque


Muitos não concordam e selecionam estrofes

Que cometi jovem no calor da hora


Deveria, no capricho, me aprofundar no ofício 

Mas tudo veio fácil como um vento forte


Agora não sei o que dizer, em plena aurora

Talvez o sol, gigantesco sábio 

Queime o remorso e revele a obra

Tudo o que fiz com sangue nas mãos e água nos olhos

Pobre coração ainda intacto


Nei Duclós

NOBREZA

 Nei Duclós 


Meu luxo é sobreviver 

Chegar bem no fim do mês 

Para então recomeçar 

Sustentado pelo ar 

Muitas contas para pagar 

Eu dependo de você 


Sem força de levantar

Rima pobre popular

Ainda tudo por fazer

O livro parei de ler

Amor que é bom só virtual

Um vizinho põe o som


Meu luxo é teu respirar 

Janelas de par em par

Futuro ficou para trás 

Eu não tenho mais lugar

O país caiu de vez

Mas a nobreza é ter voz

Canto para não morrer


Nei Duclós

4 de julho de 2025

SOMBRA

 Nei Duclós 


Este que você vê não sou mais eu

O que fui sempre serei

Guarde o que o tempo não comeu

Esqueça no que me transformei

Essa sombra de mim, que já fui rei


Prefiro preservar dias de amor

Quando fui teu


Nei Duclós

UMA FLOR

 Nei Duclós 


Que haja calor no inverno

para suportarmos o ar polar


E vento sul antes do sufoco do verão


E o friozinho do outono adoce os frutos da estação


E a primavera traga teu perfume

Feminino amor


Nei Duclós

CONJUGAÇÃO

 Nei Duclós 


Não adianta querer se você não é 

Não adianta ser se você não quer 

Não adianta ver se não tiver fé 

Não adianta ter se nada houver

Só tem que nadar quando não dá pé 

Quando for rezar pense no amanhã 

Cada verso faz o teu navegar 

Caia se essa força não te socorrer 

Volte a levantar todo amanhecer


Nei Duclós

3 de julho de 2025

PERDIDA

 Nei Duclós 


Eu não preciso de tempo 

Eu não preciso de amor

Podem dizer que sou lento

Não mais importa o que sou


A não ser que marques encontro

Um café ou apartamento 

Que me apresse e nunca te perca

Desta vez, perdida para sempre


Nei Duclós

1 de julho de 2025

ABERTA

 Nei Duclós 


Estrelas da minha fantasia

Fazem rodízio no paraíso

onde vivo

Dispondo as peças do xadrez de sonhos 

Sou o peão e o rei é o tempo

Que escorre pelos dedos longos


Poderia tocar piano minha flor aberta

Debaixo das cobertas

Cabem todas as teclas

Fique perto


Nei Duclós