7 de outubro de 2020

BLADE RUNNER 2049: NO ESCURO DO CINEMA

Nei Duclós


A memória de um talismã da infância é a garantia de que somos reais. É o segredo mais profundo da nossa existência.Pode ser um trenó como o Rosebud em Cidadão Kane (de 1941) ou o cavalo de madeira em Blade Runner 2049 (de 2017). A diferença é  que a lembrança do trenó  pertence apenas a Kane e morre com ele.

Enquanto a do cavalo é compartilhada.


O diretor Denis Villeneuve do jovem caçador de androides (Ryan Gosling) que encontra o original (Harrison Ford) é uma enciclopédia do cinema. Ele não cita ele incorpora. O hotel abandonado onde Ford vive escondido é o Iluminado de Kubrick. A exasperante salvação no carro inundado é  do filme de detetive A piscina. As estátuas femininas gigantescas são puro Fellini. A lista é  extensa. Há  tiroteio de filme policial e faroeste, lutas de Bruce Lee, cenas de filmes de boxe (onde um lutador desiste de revidar como em Gladiador, dos anos 90).


As ruinas dos cenários assombrados pela influência da solidão em De Chirico não são as ruínas do mundo, mas do cinema. Porque o cinema formata a percepção que temos do mundo, mas o mundo é  outra coisa. O autor dessas histórias sinistras de Philip J. Dick, que eram futuristas e hoje são contemporaneaas, desenhou esse caos urbano poluído de ar cinza, o domínio dos robôs, a frieza e o sofrimento de quem perdeu  a alma.


Nos filmes antigos também havia personagens que não tinham coração, mas procuravam tê-lo.


Só que a magia de OZ (1939) se perdeu. A nós  resta a companhia  virtual de Ana de Armas, que está maravilhosa no final, fazendo a personagem que se sacrifica por amor. No escuro do cinema , Ana brilha provando que somos e sempre seremos humanos, por maus falsa que seja nossa identidade. Ana é  como um talismã da sorte, a garantia que estamos vivos.



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