9 de março de 2014

CONTINGÊNCIA



Nei Duclós

Cruzei o ardor do deserto. Me multipliquei em viagens sem volta. Nada encontrei a não ser o verso. Passo necessidade sem maná no alforge.

Segui o rastro do vento. Enredei-me em temporais de areia. Vislumbrei teus desígnios, beduína que não me acena.

Me afastei por contingência, permaneço por preguiça, sonho com um novo espanto. Nasce o sol que estava exangue, a manhã clara dos poemas.

Sou uma persona da poesia, território ignoto onde o Tempo, para entrar, pede licença. Tenho idade para ser tua semente.

Hoje vivo à parte, entre urzes. Me alimento de raízes. Chuto tufos de gramíneas. Espanto passarinhos. Anoto o roteiro dos navios distantes, que me observam, tementes.

Não reparto, não convido, não convoco, não aceito, não confisco, não comento, não expludo, não me atenho. Perdi a humanidade com o vento.

Não gosto de te amar. Dá trabalho. Prefiro o vazio, que permite o sono. Acordar em ti é algo tremendo. O universo se precipita com teu beijo.

Depositei o amor na calçada. Pensei que estivesse pesado. Mas de repente ele foi colhido pela brisa e levantou voo. Foi-se até as nuvens, o tratante.

Pensei que já fosse domingo. Mas consultei o calendário e notei que era ainda um esboço imaginando o desenho.

Não acho que seja importante. Não fazemos parte do target. Medramos em muros sem cuidados. Emitimos som sem alarde. Jogamos limpo, verdade.

Fujo do que não me habita. Abraço o que te faz faceira. Quando precisas, violento, mas é só uma quebradeira de conchas na areia.

Na tua melodia sou a letra. Escrevo em meu gabinete, bairro oculto das estrelas.