14 de dezembro de 2013

FORA DO CÂNONE



Nei Duclós

Descobrimos, tardios, que todos os ídolos
eram falsos e a História era outra
e que desperdiçamos fé e vidas em ideias
que não vingaram. E que ninguém tinha razão
pois em cada evento havia apenas osso,
pele e sobrevivência, e a sesta intercalada
pelos latidos das tardes sem sentido

E o mais trágico é que não soubemos
o que fazer com essa súbita revelação
e decidimos escolher o de sempre, a ilusão
de nos enxergar como criaturas lúcidas
quando nunca passamos de seres unicelulares
estimulados por luzes elétricas
em telas assistidas por monstros

Esquecemos que poderíamos virar o jogo
amarrando os sapatos das nuvens
beijando o vento, pintando flor de modo preciso
como fazem os técnicos quando erguem pontes
Poderíamos apenas amar nossos ofícios
e não debater jamais com ogros, e se definir
por rodas de verbos em sintonia, como no cosmo

Descobriríamos a chance de ignorar as armadilhas
e dar crédito a quem foi escolhido gênio
mas jamais é reconhecido, aquele professor maldito
o peão que sabia mecânica quântica sem decorar
as fórmulas, ou mesmo um menino, escritor
de versos em asas de borboletas e que usava o pólen
para a inaugurar a perspectiva fora do cânone