18 de maio de 2010

RECEITA PARA FICAR QUIETO


Em ano de campanha eleitoral, em que todo mundo está vestido para matar, é bom não abrir a nossa grande boca. Quando há moita coletiva, silêncio e mordaça, aí sim devemos berrar. Mas na hora do ruído geral, em que petralha e direita golpista são as palavras menos ofensivas do repertório, o importante é manter-se zen e mandar tudo às favas, como se dizia antigamente.

Uma boa receita para ficar quieto é escrever xingando geral e depois apagar com a borracha ou o mouse. Não guarde no arquivo que você acaba publicando. Simplesmente esqueça. Diga só para você mesmo que acha muito estranho o presidente viajar para promover a paz no universo e voltar com um bom acordo nuclear que inclui a Turquia. O que você tem a ver com isso? Nada, fica quieto. Também não abra boca sobre o desvio de águas do São Francisco ou a inundação da floresta para foder com a diversidade biológica. Deve haver razões que desconhecmos.

Não reclame se o petróleo está jorrando sem parar no Golfo do México e cale-se em relação ao pré-sal, que aqui já dividiram os royalties para as próximas encarnações. O sujeito vive cem anos carcando em todo mundo, aí se descuida e morre e reencarna como seu próprio bisneto. Tudo garantido. E se o óleo sujo emporcalha o mar, o que vai se fazer? E se é permitido assassinar pelo menos uma pessoa no Brasil, o que é que tem, se a lei solta quem é réu primário e deixa livre criminoso hediondo depois de alguns anos de cadeia. Mas se você der uns tapas no traseiro do fedelho pode ir preso, segundo lei que está circulando e pode ser aprovada.

Nem fale em craque na seleção. Nilmar (que será o grande destaque da Copa), Robinho e Kaká não são craques, como todo mundo sabe. Craque é o Neymar, que enterrou de novo a paradinha do pênalti ao dar duas paradinhas e obrigar a Fifa a acabar com a baboseira. Qualquer contratempo faz o garoto inflado pela mídia (“o menino-Deus” disse um veterano cronista anti-Dunga) meter as mãos pelos pés. Não adianta dizer que além dos craques que irão, temos ainda Daniel Alves, Maicon, Lucio e Julio César. Tudo isso não conta. Não dá para celebrar a democracia desse jeito.

Com a volta da seleção, Dunga advertiu que os jogadores escolhidos devem ficar focados na Copa, e, óbvio, assumirem que representam o Brasil pentacampeão do mundo, ou a seleção é guatemalteca? Pois consideram patriotismo uma pouca vergonha, uma patriotada. Os internacionalistas que entregam tudo de mão beijada via tucano-petismo-peemedebosta odeiam a Pátria e a prova é que a ditadura, que já foi militar-arena-emedebista, aterroriza a população há 46 anos.

Houve maior terror do que a violência policial e da soldadesca nos anos 60 e 70? Algo mais horrendo do que os planos cruzados no queixo e o seqüestro da poupança e da conta corrente? Houve algo mais terrorificante do que o domínio do PCC em São Paulo em plena campanha eleitoral? Tudo foi feito para horrorizar a população, que salta de voto em voto para tentar ver onde vai parar, enquanto é manipulado pelas pesquisas compradas e pela ameaça das urnas eletrônicas nicadas – ou ninguém vai auditar essa merda?

Esqueci, é melhor ficar calado. Não se deixar levar pelas aparências. Achar mesmo que somos um portento mundial e todos se curvam ante nós. Que o governo atual colocou na roda milhões de pessoas da classe C que ascenderam socialmente, como acontece nos programas lotéricos de televisão, pois agora eles tem condições de comprar um Eco Sport a 170 prestações. Quando os créditos podres explodirem, como sempre explodem, aí vão vir os analistas esgrimir suas frases favoritas, de que é precisa acabar com a gastança e cortar salários, pois aí sim é o bem bom para a tosse.

É por isso que o Diário da Fonte, depois de muitos anos de militância ferrenha, quando viu confirmado os piores diagnósticos publicados aqui em inumeráveis edições, agora fica só poetando e cronicando. Não é melhor assim? As pessoas não gostam que desmontemos seus brinquedos. Gostam de acreditar que estão numa democracia que promove o desenvolvimento sustentável e que o presidente é o tal, e não que suborna todo mundo com os frutos do suor da população, que apodrece abaixo da chuva e explode junto com os bairros construídos em cima de lixões.

O privilégio de ser indiferente e cheio de soberba não é mais dos maganos e da classe média. É de todos os que não aparecem aos prantos na TV. O mendigo pode muito bem achar que é o patrão da empregada uniformizada da novela. E que poderá comprar o que quiser, pelo menos até o próximo dia da votação. Depois, aí sim e todos verão com quantos paus se faz uma canoa furada.

Melhor ficar quieto e sorrir. Tudo bem? Puxa, vamos ser positivos. Chega de pessimismo. Reclamar é coisa de pobre. Toque o sinos para vir a doméstica de uniforme, que é isso que a bandidagem gosta em horário nobre: reiterar os papéis sociais da escravidão para que você, amigo eleitor, se sinta assim um bilionário da revista Forbes. A Justiça está garantida: a empregada de uniforme é uma sacana e vai dar o golpe no patrãozinho.

"Vem aí uma tempestade de merda". Frase imortal de Norman Mailer, muitas vezes repetida neste jornal.

RETORNO - Imagem desta edição: tirei daqui.


EXTRA: CHANCELER ALEMÃ ENQUADRA ESPECULADORES


Para travar a especulação sobre dívida pública européia, a chanceler Angela Merkel, da Alemanha, enquadrou o sistema financeiro. Enfim, alguém de coragem. O vendido Wall Street Journal, o mesmo que bateu e depois de uma semana recuou nas críticas ao Brasil (tem gato na tuba) debochou da decisão. Pudera. Eles vivem disso. Você sabia que a proteção de risco da dívida grega é uma taxa que pode ser comercializada? Imaginem o que dá para fazer com a dor das populações. Leia no Times, a ação decisiva da estadista.

Mientras tanto, nós fazemos papel de palhaço internacional dando as mãos e cantando junto com o tirano do Irã, que está matando o cineasta iraniano Jafar Panahi. Lula é festejado porque faz a festa dos especuladores, à custa do suor da nação brasileira. Mas vai falar mal do presidente. É puro preconceito de classe, claro. Inflaram o sujeito até os gargomilhos e agora ele se acha o dono do mundo.Mas a ficha do mundo está caindo. Estão se dando conta do enganador, que usa séculos de História brasileira para se promover.

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