25 de novembro de 2008

OS MAUS DO CLIMA


Nei Duclós

As gangs climáticas tinham absorvido uma parte da tecnologia do início do século, que arrasou países provocando maremotos, tsunamis, tornados, inundações, terremotos. Depois do grande Acordo Geral, de 2048, entre todos os países, que se comprometeram a não usá-la de novo, as coisas se acalmaram. Não havia mais perigo de cidades inteiras submergirem. Ou alguém fazer sumir o Timor Leste, como foi noticiado (e logo depois esquecido) em 2014. A China acostumara-se a ficar sem um terço do território, o equivalente a uma superfície de Júpiter, depois que acertaram as bases da grande represa com um bombardeio de íons carregados de neutrinos dinamizados pelo avesso.

Todos sabiam como provocar uma catástrofe “natural”, assim como todos tinham a bomba nuclear. Mas os segredos de bombardear com petardos plásticos a ionosfera não ficou circunscrito aos governos dito responsáveis. Algo vazou e foi assim que recomeçaram as tragédias, se bem que em menor dimensão. Os vendavais acoplados com chuvas de granizo, criados em laboratórios ocultos em porões, destruíam no máximo uma criação de cabras. Não chegavam a atingir os centros das capitais, porque tudo estava protegido sob o manto da Ordem Total.

Mas havia margem para algum divertimento. Os Maus do Clima, como eram chamados os meliantes que se dedicavam essas pequenas crueldades, agiam da mesma forma do que os antigos pichadores de edifícios, todos exterminados, no mundo inteiro, aí por 2020, na Operação Adrenalina. Havia, claro, uma disputa entre eles. Quem faria chover na cabeça do primeiro Ministro? Quem levantaria a saia da nova Rainha de Sabá, casada com o príncipe Abdul Al Litifah, do Corporatiscão, o grande país do Oriente Médio formado logo depois que jogaram areia em cima de algumas avenidas de luxo e fizeram a Arábia desaparecer de um dia para o outro? Os desafios eram tão intensos que começaram a ficar bizarros. Quem jogaria, só com a força do vento, uma montanha de pétalas no pólo Norte? Quem desligaria o motor das ondas em Copacabana? Era possível atrair um grupo de turistas coreanos para um abismo provisoriamente implantado no subúrbio de Paris?

Quem não gostava dessas firulas era Jamir Pinch Body, o Biltre. Achava perda de tempo. Não se conformava em saber pouco sobre o que queria fazer muito. Sua intenção era varrer os mares, tufão! Jamir lia Castro Alves e não suportava esse neheco nheco bossanovista de fazer despencar violetas em penhascos da Normandia. Queria ação, queria poder. Chegou a planejar duzentos assaltos ao Grande Cofre em Genebra, que guardava aquelas charadas que o levariam para o exercício pleno de sua própria potência. Poderia extrair toda a areia da Lua para jogá-la em Andrômeda. Explodiria planetas, como viu naquele filme antigo. Adoraria provocar mil dilúvios e mataria com as próprias mãos, estrangulando-a, a pomba da paz e jogaria no fogo o ramo das oliveiras. Ah, ninguém tinha idéia das intenções de Jamir, o mais Mau do Clima.

Mas ele não contava com o surgimento de Jihara, A Sílfide Transparente. Mulher desejada por todos os potentados internacionais, jamais se deixava fotografar inteiramente. Dela só se conhecia um olho, um perfil, um tornozelo, um requebro que eu quero ver. Jihara acabou se transformando na obsessão de Jamir, que tinha longas faixas de tempo inútil, já que sonhava em destruir o universo mas não conseguia nem fazer chover no seu quintal. Pelo menos, não de maneira copiosa, abundante. Jamir sonhava com Jihara como uma criança devora um doce com o olhar. Foi então que teve um insight! E se usasse seus parcos conhecimentos para voar num tapete e pousar suavemente num terraço onde Jihara fazia suas orações? Sabia onde ficava, no Palácio de Cristal localizado em Xangrilá, Etiópia.

Jamir prometeu que destruiria Marte depois de conquistar Jihara. Fabricou então um tapete voador. E soube se dirigir para seu objetivo, sem que os Ferozes Índios Xerox, donos dos ares, se dessem conta. Ele desceu no meio da tarde, quando Jihara penteava seus longos cabelos. Debruçou-se sobre ela e zás, roubou-a do jardim. Voltou voando enquanto a Sílfide berrava que estava sendo seqüestrada. Mas Jamir sabia: aquela história teria um desfecho favorável. Esperava apenas o narrador cansar de contar tanta bobagem para enfim conseguir fazer o que sonhava há décadas: transar embaixo dos pessegueiros em flor. Desde que nenhum Mau do Clima tivesse a idéia fresca de desencadear uma avalanche de neve na hora do bem bom.

Tudo pode se esperar dos Maus do Clima. Até mesmo uma tremenda empatada na hora em que o Biltre iria crau na Sílfide.

Nenhum comentário:

Postar um comentário