2 de junho de 2006

CINEMA: DILUIÇÃO E INTENSIDADE


Coleciono filmes brasileiros vistos recentemente na mente atulhada de DVDs, que convivem com algumas obras importantes estrangeiras, como One Million Dollar Baby, de Clint Eastwood e La Mala Educación, de Almodóvar. Estes dois trabalhos de cineastas de primeiro time bebem na fonte do filme noir. Eles nos entristecem com suas narrativas (tragédias pessoais que representam feridas abertas nas nações as quais pertencem) e ao mesmo tempo nos deslumbram pela maestria. Os roteiros, intensos em seus desdobramentos dramáticos, são vestidos de colagens visuais que se destacam pela diversidade de situações e cenários, nos levando em direção ao mundo em que vivemos, desde os colégios atulhados de estudantes fazendo educação física até os estádios de box plenos de vozes que vociferam. O cinema, em Clint e Almodóvar, é transcendência, e atingem a arte pelo exagero do talento e da experiência, enquanto os filmes brasileiros que tentei ver - O Invasor, de Beto Brant, e Cabra Cega, de Toni Ventura - replicam o círculo vicioso da cultura brasileira , que não consegue sair do que entende por realidade e acaba pagando tributo ao que pretende denunciar.

ROQUEIRO - Não se trata de demolir o cinema nacional em favor dos estrangeiros. Estou falando explicitamente dos filmes citados, e reconhecendo o quanto é difícil conseguir colocar uma obra na praça. Basta lembrar que aqui abordamos Abril Despedaçado, de Walter Salles e Quase dois irmãos, de Lucia Murat, ambos excelentes. O que podemos inferir é que muitos cineastas brasileiros não conseguem se desvencilhar das amarras impostas pela longa ditadura a qual nos submetemos. Cabra cega aborda a guerrilha urbana dos anos 70 e peca pela mesmice das situações, das interpretações forçadas, da falta de intensidade, diluindo-se em diálogos pobres e situações que se repetem. O Invasor cai na tentação de transformar um roqueiro, Paulo Miklos, um dos inúmeros Titãs, em bandido. Miklos não é do ramo (da atuação) e põe tudo a perder. O filme quer denunciar a bandidagem e a indiferença dos empresários brasileiros - no Brasil, intelectual e empresário são nomes feios - mas acaba sucumbindo ao universo reportado, virando um filme monótono quando se pretende ágil. Nos dois filmes brasileiros, há um pacto com o Mal, já que não há saída para as situações limite a que os personagens de submetem. Ao contrário de Clint e Almodóvar, que se descolam do universo denunciado ao mergulhar neles e ao mesmo tempo superá-los, mesmo que tenham desfechos pessimistas , os dois cineastas brasileiros se tornam parte do horror apontado por suas câmaras. Sem falar que os roteiros limitados (não extensivo ao que os autores produziram em outras oportunidades) se refletem na pobreza das imagens.

BOSSA - Um cineasta diferente é Jorge Furtado, que pelo ritmo, o tom e o ambiente que reproduz em seu filme Meu tio matou um cara, pode ser comparado a um compositor/intérprete de bossa nova. Os diálogos enxutos aproveitam ao máximo a diversidade de conceitos que uma palavra pode ter desde que enunciado por pessoas diferentes em cenas diferentes. Cai no mesmo pecado dos outros dois filmes citados ? a violência tratada com um certo deslumbramento, embora aqui bem menos explícita. Mas há sabor no cinema de Furtado, há estilo e principalmente um roteiro convincente, que te leva de carona pela Porto Alegre desconhecida, uma cidade brasileira, como todas as outras, rodeada de favelas. Furtado consegue intensidade à sua maneira, sem ir fundo no tema (assassinato frio tratado como coisa corriqueira), mas pelo menos nos encantando com sua maneira leve e firme de filmar. Furtado flui sem jorrar, e nos envolve sem querer ser sedutor. Consegue um equilíbrio que outros cineastas não possuem. Mas tanto Furtado, quanto Brant ou Venturi fazem parte desse esforço nacional em gerar cinema no país perdido. O que não é pouco, levando em conta o quanto perdemos nos altos e baixos dessa indústria que formata uma nação, mas também pode ajudar a colocá-la debaixo do tapete da cultura contemporânea.

RETORNO - 1. O texto acima, como os outros deste jornal, são impressões pessoais sobre filmes que estou vendo nos últimos dias. Muitas vezes posso ser injusto, mas não posso deixar de ser sincero. Repito: os dois filmes que não gostei não foram vistos integralmente, pois não suportei ficar insistindo em algo que para mim ficou claro numa parte da sessão. Talvez isso seja usado contra minha análise, mas é o que posso oferecer por enquanto. Espero que os autores citados não se ofendam com a opinião de um jornalista veterano, que aposta na transparência e no debate para que continuemos vivos culturalmente. 2. Onde estão os comentaristas do Diário da Fonte? Abordo dez mil filmes em uma semana e fico falando sozinho? Cinema é arte de multidões, ninguém tem nada a dizer? Assim não vale! Ainda mais que este blog bateu record de visitas no dia 31 de maio. 3. Imagem de hoje: Clint e a grande Hilary Swank, magnífica interpretação da mulher que tinha um sonho e pagou caro por isso.

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