7 de novembro de 2005

CHEGA DE SAUDADE




Memória não é saudade, é resgate e parâmetro. Saudade é achar que o tempo antigo era melhor e por isso deve ser restaurado, o que é impossível e serve de porta de entrada para regressões perigosas. Memória é relexão e identidade, é dizer que muita coisa não deve ser esquecida, e precisa ser melhor entendida, pois serve de referência para os dias de hoje. Cada época dispõe de tudo, desde o horror à maravilha. Hoje enfim a mídia está tentando se guiar por exemplos históricos, enxergar melhor o que foi desconstruído por interesses vis (como é o caso da soberania; há um acordar tardio para o perigo, depois de décadas de deslumbramento diante da invasão). A crise é tão vasta e profunda, que todos se viram no mato sem cachorro. Longe das muletinhas que sustentaram muitos jornalistas por décadas, chegou a hora de abordar a realidade com mais preparo e estudo. A crise foi um golpe na arrogância principalmente dos colunistas, que sempre pontificaram, sem serem contestados, sobre política e economia, e viram agora seus barcos fazerem água. É hora de autocrítica sincera.

FUTEBOL - Errei algumas vezes aqui no Diário da Fonte neste ano. Primeiro, achei que Tevez era um jogador tosco. Antes de exoplodir como artilheiro, Virson Holderbaum já tinha me chamado a atenção para o jogador veloz e objetivo que o argentino é, o que agora está mais do que provado. Fica ainda o rescaldo do Kia, que manda no Corinthians a partir desse fundo MSI, sob investigação. A saída de Passarela me devolveu ao Corinthians, mas ainda estou desconfiando de tantas vitórias. Pelo menos uma, acho que contra o Paysandu, achei que tinha coisa no meio. Mas deixa para lá. Errei também ao me impacientar com o Roberto Carlos, que acabou acertando mais do que errando nos seus jogos daqui e d'além mar. Gim Tones também tinha me alertando que eu estava exagerando na crítica ao tremendo lateral (ou volante, ou não sei quê; nunca entendo nada dessas posições, depois que desmontaram o sistema fundador do futebol, o imortal WM, ou o 2-3-5, quando havia beque, ponta direita, meia esquerda, centro-avante e goleiro com joelheiras; até hoje não entendo o fim das joelheiras: como eles não se machucam?).

CHICO E VEJA - E, apesar de continuar achando que tenho razão, errei ao destacar o Chico Buarque, a quem admiro, como todo o resto do planeta, na campanha do sim e do não, que nos tomou tempo precioso este ano. Chico errou como todos os outros artistas que vieram nos admoestar sobre o sim, mas eu jamais poderia ter mandado Chico Buarque, gênio, plantar batatas. Como ele não lê isto aqui e não se importa, esta autocrítica fica para mim e os fiéis leitores. Em relação à revista Veja, que revidou esta semana contra a críticas que recebe da imprensa, acho que continua sendo um panfleto, pois mesmo que tenha base a denúncia sobre os dólares cubananos, não se faz uma capa daquele jeito com toda a pinta de golpe de estado. Veja finge inocência, diz que não julga e não pune, que isso é coisa das CPIs e Justiça, mas sabemos que é papo furado. Uma matéria de capa julga e pune. Por isso Carta Capital desta semana revida, colocando o PSDB na berlinada nessa história horrenda de corrupcão que assola o país.

FEIRA - Ainda sobre a Feira do Livro em Porto Alegre. Analisei a exclusão de autores e livros a partir de um triunvirato: mídia impressa, universidade e cargos públicos na área cultural. Há um círculo de ferro colocando no pódio algumas obras e escritores e no pó muita gente de valor. Isso tem se rtefletido nas grandes premiações. No fundo, revela a superconcentração de renda, problema endêmico do país que não avança. A mesa redonda serviu para expor a síntese das minhas reflexões aqui no Diário em 2005. Depois do evento, fomos assistir ensaio de espetáculo com poemas e debatemos com outros autores e os atores os rumos que ele deve tomar. Tanto o evento na Feira quanto o espetáculo são iniciativas do novo Instituto Machado de Assis, que Celso e outros agitadores culturais fundaram em Portinho. Celso tem feito palestras e seminários e colocou caixas de papelão nos shoppings pedindo doação de livros para serem distribuídos. Muita coisa vai rolar com a nova ong, inclusive edição de autores e obras hoje excluídos. No final do ensaio, um ciclone se abateu sobre os estandes da Feira. Junto com Tailor Diniz, Carlos Eduardo Caramez e Celso, me refugiei num restaurante e ali continuou valendo a pena essa curta mas proveitosa viagem à cidade da cultura.

LONGEVIDADE - Na conversa com a platéia, insisti que somos escritores contemporâneos e não somos peças saudosas do passado, como parte da crítica quer fazer valer. Tipo: veja, eles são dos anos 70. Somos muito mais do que isso. Num poema do livro No Meio da Rua, digo: "Para quem rir das minhas pretensões, adianto: no ano dez mil, ainda estarei cantando". Enterrar vivo escritores contemporâneos colocando-os numa gaveta esquecida é um crime, e faz parte do esquema de violência a que estamos submetidos.

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