Páginas

31 de março de 2009

MOTIVOS FÚTEIS



Nei Duclós (*)

Dispensados de interferir no principal, todos são empurrados para a futilidade das ações. Já que não se pode impedir que a especulação financeira gere recessão e desempregue em massa, cada cidadão assume o papel de um Legislador. Como os princípios e os valores seguem determinações legais ditados pelo voluntarismo, multiplicam-se, não os julgamentos, que isso dá trabalho, mas as execuções sumárias.

Por se sentir lesado na partilha do casal e se achando no direito de ficar com o filho mais tempo do que a Justiça determina, o ex-marido esfaqueia a mulher no banheiro. Como o funcionário demitido se sentiu injustiçado, ele pega a arma e aniquila com meia dúzia de colegas e seus chefes. Como as notas não iam bem e o rapaz foi para o banco no jogo decisivo, ele fuzilou 15 adolescentes.

Isso por parte da cidadania que se sente desamparada do Estado, da família e da sociedade. Por parte dos governos, vemos como empurrõezinhos geram carceragem, xingamentos ditos na hora do sufoco acabam em prisão inafiançável, uma suspeita de sonegação leva a uma reclusão de um século, enquanto dois tiros pelas costas significam liberdade para o assassino. O roubo de uma escova de dentes provoca a determinação de prender o meliante antes que ele roube, por exemplo, um hipopótamo, o que seria muito mais grave.

Desconheço estatísticas sobre roubo de girafas, leões marinhos, elefantes e avestruzes, que são animais difíceis de carregar, ao contrário de um mico leão dourado, que com seu jeito de gremlim pode ser confundido com casaco de pele de turista inglesa em fuga dos trópicos. Também não sei o que seria do criminoso que tentasse passar um camelo pelo buraco de uma agulha. Mas fatalmente não poderia ser preso por motivos fúteis, pois sabemos o quanto o planeta depende da preservação das espécies.

O que parece ser uma tendência cada vez mais aplaudida é a delação premiada. Egressos da Cortina de Ferro seriam recebidos por chuva de dólares se ajudassem a impedir que os russos cheguem antes a Marte. É preciso atrapalhar o perigo vermelho e dar tempo para que Silvester Stallone chegue ao Brasil para dar cabo de todos os terroristas hispânicos que se escondem nos contrafortes do pré-sal.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: Maciço de Itaguaré, foto de Daniel Duclós. O país está cercado pela grandeza, mas não presta atenção no que importa. 2. (*) Crônica publicada nesta terça-feira no caderno Variedades do Diário Catarinense. 3. Blog não oficial sobre meu trabalho e vida já está bombando. Destaque para minha oculta "carreira" de ator no teatro e cinema (tudo documentado!). Não perca. 4. Um curso sobre jornalismo impresso a distância, da Universidade Federal de Santa Maria, escolheu meu texto "O que é reportagem" para ser estudado e debatido entre os estudantes. Agora descobri porque este post está sendo super visitado. Agradeço a preferência, mas pergunto aos professores: usar conteúdo para cursos universitários sem consultar o autor e sem remunerá-lo é uma boa decisão?

GOVERNOS E FALAS DA IDIOTIA


Arrependido de estar sempre longe do noticiário, às vezes resolvo dar uma blitz nas hard news. Fico então espantado.

MOTO MATA MAIS DO QUE CIGARRO – Reduziram a zero o IPI das motos e aumentaram o imposto de cigarros. Isso ajuda a entulhar as ruas de energúmenos roncadores e estimula a produção e contrabando de cigarro falsificado do Paraguai. As pessoas deixam de fumar, mas te chucham nas ruas e estradas tentando passar por cima, ou te caçam por todo o canto com seus zumbidos de duas rodas.

PAU NA PRODUÇÃO - Obama, que afinou com a especulação financeira, despejando trilhão de dólares para as agências premiarem seus executivos, agora fala grosso contra as montadoras. Deu 60 dias para a GM se recuperar. Os chineses, com seus carros descartáveis, esfregam as mãos. O Japão, a Coréia e agora a China enterram de vez a tradicional indústria americana. Não que alguma dessas preste. Deveria tudo virar sucata mesmo, que é o que acontece no final.

ARGUMENTAÇÃO LÓGICA - O comentarista econômico da Globo diz que a Chrisler e a GM são competitivas produzindo carros, mas não são ao pagar benefícios aos funcionários. Esse é o grande problema do capitalismo predatório, defendido com unhas e dentes pelos jornalistas da Globo: tem gente envolvida nisso! Que lástima. O ideal seria se os trabalhadores acabassem fazendo parte do motor. Sumiriam junto com a fumaça.

OLHOS AZUIS - A socióloga Maria Lucia Victor Barbosa comentou o encontro oficial de Lula da Silva com o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, quando o primeiro mandatário da ex-nação brasileira disse que a "crise é causada por comportamentos irracionais de gente branca de olhos azuis que antes da crise parecia que sabia tudo e agora demonstra não saber nada". Diz a socióloga: “Acontece que existem banqueiros negros, como Stan O’Neil, ex-presidente do MerryllLynch, um dos bancos norte-americanos que teve que ser vendido por causa das perdas bilionárias com as hipotecas subprime. E o negro Frank Raines, ex-presidente da Fannie Mae, instituição financeira que ajudou a desencadear o colapso de Wall Street.”

IOGURTE DO COCÔ – Nos intervalos do noticiário, temos a os anúncios escatológicos. Um reclame diz o seguinte: se você tomar o iogurte da marca tal, então você faz direitinho no banheiro. Se não tomar todos os dias, cuidado. Vai ter prisão de ventre. Isso é veiculado maciçamente, a toda hora. Ninguém se toca? Ninguém diz: putz, fedeu.

CERVEJA DA GRIPE - Bebendo a cerveja tal, que tem som de atchim, você espirra. É um sinal esperto esse o de espirrar. Sinal que você está tomando a marca certa. É cool. Depois me pergunto para que tanta campanha de saúde. Basta beber mijo podre que você se gripa.

FRANGO LEGAL - A megaindústria que mata frangos usa um franguinho legal para fazer propaganda. Veja só como sou ótimo, você abre a embalagem e me devora. O franguinho usa óculos de piloto de avião, capacete de motoqueiro jovem e é muito rápido. Puxa.

SELEÇÃO BRASILEIRA – Todo mundo voltou à vaca fria. Robinho vive na gandaia, não tem compostura, Dunga não manda nada, não fosse o Julio César, levamos um toco etc., selecinha e não sei o que mais. Jogou uma merda, concordo. Mas insisto: basta empatar ou perder para nunca termos tido nada, como os amistosos contra Portugal e Itália. Essa gana de zerar tudo, de fracassar para sempre diante de um contratempo é que está errado. E se contra o Peru jogarmos o fino? Esss-te é o futebol brasileiro, dirá o Galvão Bueno. O futebol brasileiro, como todos os outros, perde e ganha ou empata. Isso não significa que seja uma porcaria execrável ou uma patriotada. É o melhor de todos e não a porcaria que nossa falta de soberania reclama.

RETORNO - Imagem desta edição: Vienna, foto de Daniel Duclós.

30 de março de 2009

TV TRATA INTERNET COMO CURIOSIDADE


Internet é liberdade, a mídia das fontes (essa é a origem do nome deste jornal). Não tem centro, mas tem poder. Os veículos impressos estão fazendo água, por terem abandonado o jornalismo e apostado nas firulas. Não dá para concorrer com a rede em matéria de firulas, mas isso não significa que a internet seja uma espécie de animalzinho de estimação da televisão. Vejam por exemplo como ela é abordada pela Globo:

VILANIZAÇÃO - Tudo que é crime é relacionado com a internet: pedofilia, falcatruas, encontros amorosos suspeitos, venda de drogas. Cuidado em deixar que as crianças usem a internet. Melhor que fiquem consumindo Xuxa, seus desenhos execráveis (onde só tem violência e baixaria) e seus produtos descartáveis.

SUPORTE DO NOTICIÁRIO - Se você não aprendeu direito como alisar o cabelo com abacate, vá até o nosso site que tem tudo lá. Depois das mentiras veiculadas por este poderoso veículo, continue conversando no dabliu dabliu dabliu com o Doutor Caligari, que ele vai contar tudo sobre os crimes da internet. Já que agora você está muito bem informado depois de assistir na poltrona o nosso noticiário, divirta-se um pouco acessando nosso site. Lá está cheio de informaçõezinhas pífias bem ao gosto de você, little brother.

POVO SEM SOBRENOME - O João Antonio, de Anápolis, pergunta para o Falcão: se o Robinho joga recuado, como poderemos vencer do Equador? Bem, João Antonio, essa é a coisa como um todo, veja bem. Próxima pergunta, desta vez de Clotineide, de Tremembé: Kaká faz falta? Você sabe, Clotineide, Kaká faz falta em qualquer time do mundo. Para isso serve a internet: é um eterno povo-fala sem identidade nem importância. Claro que os jornalistas esportivos nem acessam os comentários para valer contra o trabalho que eles desenvolvem de maneira pífia na televisão. Seria um escândalo. Melhor tratar todo mundo como débil mental. Pergunta para o Falcão: você fala rapidinho assim senão o Galvão Bueno te bate com o microfone na cabeça?

DETETIVE VIRTUAL INFORMA: ISSO É MENTIRA! – O Tadeu Schmidt, no Fantástico, está encarregado de dizer que a internet está cheia de truques e armadilhas e todos devem ficar atentos, pois isso significa que você pode ser enganado por essa coisa chamada rede mundial de computadores, entende? Claro que a televisão só diz a verdade e jamais tem um ombudsman, uma autocrítica, uma crítica veiculada pelas emissoras de televisão. A não ser quando o Brizola ganha na Justiça e faz o Cid Moreira dizer tudo o que sabemos sobre a Globo. Mas isso quanto tínhamos líderes.

INTERATIVIDADE DE PROFESSOR DE CURSINHO – É o que parecem esses apresentadores que ficam tocando botões imaginários para mostrar imagens de internet. Eles ensinam, catequizam, mostram como a internet pode ser importante para divulgar as viagens turísticas do Zeca Camargo pelos patrimônios da humanidade ao redor do mundo, essa grande armação das grandes potências para “libertar” territórios dentro das nações e mudá-los de mãos. Patrimônio da humanidade é a explosão nuclear em Hiroshima e Nagasaki. O resto é país mesmo, donos de seus narizes (pelo menos em tese).

RETORNO - Imagem desta edição: Bikes no inverno em Amsterdam, foto de Daniel e Carla Duclós. Amsterdam não é patrimônio da humanidade, mas dos holandeses. Sabiam que o Brasil é o país que tem mais "patrimônios da humanidade"? Daqui a pouco, todo o território nacional será tombado em nome do Al Gore. A oposição americana já prometeu enfiar o Obama no meio da mata.

28 de março de 2009

HISTÓRIAS DAS INVENÇÕES



Nei Duclós (*)

Fui criado por histórias de invenções malucas e não apenas nos quadrinhos ou no cinema. Narradores populares juram que sabem dessas coisas. Uma delas é sobre o carro a água, que teria sido inventado por um brasileiro e funcionaria por meio de um mini reator que separa os gases formadores, hidrogênio e oxigênio. Mas parece que interesses contrariados teriam dado um sumiço no inventor, que cometeu a imprudência de nascer por aqui. Sempre desconfiei dessa história até saber que fizeram quase a mesma coisa com o carro elétrico, no final dos anos 90. Simplesmente recolheram os protótipos e nunca mais se ouviu falar deles.

Atualmente, uma grande invenção está sendo oferecida aos brasileiros: o trem a ar. Foi inventado por um gaúcho, que, abandonado, pediu ajuda para um país do Exterior, que completou a pesquisa, registrou a patente e agora quer vender para nós. Há uma quantidade de criações nativas que vivem no limbo do ostracismo. O Padre Landell de Moura, que é nome de fundação no Rio Grande do Sul e ganhou biografia do jornalista José Hamilton Ribeiro, soube antes de Marconi como transmitir sons e sinais por meio de ondas.

Há o padre nordestino que enviou sua invenção, a máquina de escrever, para a Remington, que fabricava armas. E a história do Bina, o identificador de chamadas, que parece estar em meio a grande pendenga judicial por direitos . E temos Santos Dumont que descobriu como levantar vôo com o mais pesado com o ar, mas perdeu a autoria para os irmãos americanos fabricantes de bicicletas, que inventaram como manobrar o avião, mas só depois que ele é posto no ar por meio de uma catapulta.

Minha desconfiança com os parâmetros da ciência e tecnologia ganhou status acadêmico quando li em Thomas Kuhn que o motor das revoluções científicas não é o racionalismo, mas o obscurantismo. Ele explica: quando uma teoria não responde mais às perguntas importantes, uma parte da comunidade científica dedica-se ao problema. De repente, num sonho ou num insight supremo, um desses pesquisadores tem uma idéia genial, que ajuda a resolver o impasse. Só que o resto da comunidade já fez carreira com a velha teoria e a novidade leva décadas e até mesmo um século, como aconteceu com Newton , para ser aceita e se consolidar. Então a ciência avança não porque os luminares se convençam, mas porque morrem!

Hoje, as invenções tornam obsoleta a vida recém acomodada com uma novidade. A tendência avassaladora faz estrago. Imagino a TV descartável que zapeia sozinha: ela liga e desliga quando quer, muda o canal (sempre procurando anúncios pré-programados) e impõe o tipo de coisa que você "precisa" ver. É um ibope invasivo, que conquista o telespectador pelo aparente custo zero. Outro pesadelo é catraca em elevador: pedágio para subir ao terceiro andar. Mas nem tudo é horror. Vejam o caso do Porta-Focinho, uma invenção que grita para ser fabricada em série. Quem tem cachorro sabe: eles estão sempre procurando um lugar para descansar seus focinhos, fator permanente de desequilíbrio na hora da sesta.

Para as crianças, imaginei a Pipa Digital: o eterno brinquedo agora manobrado pelo zap. Dizem que é inviável. Não sei, não. Acho que dá para fazer. Teria que ser de baixo custo, para ser fabricada em massa, com todos os tipos de design e cores. Daria também para fazer com que um só zap manobrasse mais de uma pipa, inventando coreografias. O marketing iria adorar!

Há anos “invento” um jogo de aros, desses que se jogam em feiras, mas compacto. Ou seja, feito de aros plásticos que se encaixam e se diferenciam pelas cores, cada uma valendo determinado número de pontos (os maiores valem menos pontos, claro). Vem dentro de uma caixa: você puxa o dito pelo centro dos aros encaixados, onde sobressai uma pequena bola de plástico. O jogo vira um cone, que fica a certa distância . A graça é jogar para ver se encaixa. A seqüência deve ser obrigatória, de maior a menor, até o último aro, que vale mais. Não é bom?

Mas eu falava de invenções, ciência e tecnologia. Como cheguei ao jogo de aros? Talvez porque tudo não passa de imaginação. E o que sonhamos agora talvez seja lugar comum na próxima década.

RETORNO - 1. Imagem desta edição: Maria Clara ama o planeta. Foto de Ida Duclós. 2. (*) Crônica publicada neste fim-de-semana na revista Donna DC, do Diário Catarinense. 3. Estréia novo link no blog Outubro: Ferias Floripa, com magníficas edições sobre a ilha de Santa Catarina. A cargo de Ida Duclós, autora também do consagrado Nada a Ver (ambos os links ao lado), que atraiu grande massa de leitores interessados em descobrir suas raízes, suas origens e seus ancestrais.

27 de março de 2009

URUGUAI É “DONO” DO RIO DA FRONTEIRA


Nei Duclós

A patrulha da marinha uruguaia que deu 50 tiros em Vilmar Rosa Duarte era formada por quatro elementos. O tiroteio foi à noite e quase acabou com a vida de Vilmar, aposentado de 60 anos e morador de Uruguaiana. Ele e um amigo estavam acampados na margem brasileira do rio Quaraí, fronteira entre os dois países, com apenas 60 metros de largura e foram perseguidos a tiros ao longo do rio, onde, segundo dizem, os uruguaios dominam. A mentalidade que reina no país vizinho é a seguinte: "Aqui, o Brasil não tem rio". Os uruguaios tomaram conta daquela parte da fronteira e por isso ainda não devolveram o barco de estimação do nosso cidadão baleado, que, segundo sua nora Juliane Ribas Cruz, tem um valor sentimental muito grande, tanto é que o nome da embarcação, de alumínio, o NOPATI III, é formado pelas iniciais dos seu 3 filhos, Noruã, Paulo e Tita.

Vilmar não pôde ir pessoalmente recuperar o barco, pois ainda se recupera em casa depois de passar por grave cirurgia a cargo do Dr. Augusto Conto, que chegou a temer pela vida do paciente. Vilmar está fora de perigo, mas ainda sangra. Conversei com ele pelo telefone, nesta sexta-feira à tarde. Agradeceu o apoio da Marinha brasileira, que fez a ocorrência, foi ao local, constatou o tiroteio e comprovou que Vilmar e seu amigo não estavam armados. Foi nesse telefonema que entendi direito o que realmente se passou por lá.

O Pai Passo, onde eles estava acampados, pescando por esporte, é uma região de muita plantação de arroz, cheia, portanto, de mosquitos. À noitinha, os bichos atacam em nuvens poderosas, mas isso não afasta Vilmar daquela vida a que está acostumado desde criança. Disse que ainda se pesca muito peixe bom por lá, mas que atualmente não se pode capturar mais dourados e surubis, ameaçados de extinção. Quando caiu a noite, em meio à mosquitama, passou uma patrulha uruguaia. Lá é um lugar muito concorrido, sempre tem barco passando.

Naquele mesmo dia, segundo a reportagem que gerou meu post anterior, publicada no Diário da Fronteira, escrita pelo repórter César Fante, Vilmar e seu amigo tinham recebido uma família uruguaia que por lá passava. Ofereceram lanche e refrigerante. Ou seja, a convivência com los hermanos é pacífica, tranqüila. Por isso, quando o barco da patrulha que acabara de passar fez um barulho estranho, Vilmar e seu amigo foram ver se os uruguaios precisavam de ajuda.

Colocaram o Nopati III na água e navegaram uns 400 metros até chegarem perto dos marinheiros. Vejam bem: os dois pescadores estavam desarmados, acampados na margem brasileira e foram prestar solidariedade a quem, aparentemente, precisava de ajuda. Vilmar desligou o motor para melhor entender a situação, pois enquanto perguntava se o auxílio era necessário, não obtinha resposta clara. Vilmar então ligou novamente o motor e foi aí que os gansos se alarmaram. “Vamos atirar!” gritaram. Até o motorzinho do Nopati III tomar impulso, os homens já estavam quase no cangote, tiroteando sem parar até o acampamento.

O lugar onde tinham se instalado era num barranco e foi no momento em que Vilmar subia por ele é que foi atingido por dois tiros. Fugiu, pensou que ia morrer, chegou a parar por duas vezes no caminho, mas disse: “Não posso entregar os pontos”. E insistiu, alcançou o carro e o amigo conseguiu dirigir até Uruguaiana, onde Vilmar foi atendido e operado. “Este fato chocou muitas pessoas, principalmente amigos e pessoas que conhecem meu sogro”, diz a nora Juliane. "Ele sempre foi uma pessoa muito íntegra, aposentado como motorista, dono de uma chácara perto do famoso Bolicho de Tábua. A maior paixão da vida dele é a pescaria”

Juliane expressa a revolta da família: “ Nos dói muito em saber o quanto ele sofreu pra poder escapar daqueles uruguaios. Foi horrível os momentos de terror que ele viveu e a família também na espera de saber se ele iria resistir aos ferimentos. Logo após o termino da cirurgia o Dr. Augusto Conte nos deu a notícia que o caso era muito grave e ele tinha riscos de morte. Mas Deus é grande e todos nós temos muita fé, e sabemos que somente Deus para fazer o milagre do meu sogro conseguir escapar dessa."

Pois então, como é que fica? A marinha uruguaia deu uma saraivada de tiros em dois cidadãos brasileiros desarmados, confiscou o barco ancorado na costa brasileira, e o mantém, junto com o motor. Eles não querem devolver. Não temos fronteira? Não temos mais país? Atiram num cidadão pelas costas que queria ajudar, levam para o país deles o patrimônio de um brasileiro, não devolvem e tudo fica por isso mesmo?

Eis o crime de falta de soberania. Como não temos presença, eles se adonam. As autoridades devem ir lá resgatar o barco e o motor, devolver para Vilmar e exigir que peçam desculpas. É preciso exigir:

"DEVOLVAM O NOPATI III !!!"

RETORNO - 1. Imagem desta edição: Vilmar e o Nopati III, foto cedida por Juliane Ribas Cruz. 2. As declarações de Juliane me foram passadas por e-mail, que começa assim: “Bom dia Sr. Nei Duclós !!! Sou nora do sr. Vilmar Duarte, e ficamos muitos agradecidos ao sr. pelo artigo que escreveu em defesa do meu sogro. ” É por isso que Gabriel Garcia Marquez dizia: esta é a melhor profissão do mundo! 3. Quem colocou no Diário da Fronteira a edição "50 tiros em Vilmar Rosa Duarte" foi Miguel Ramos, o ator maior. 4. A atual versão da reportagem acima foi publicada às 21h50 do dia 27/03/09. Havia muito trecho confuso, erros de digitação. 5. Ficou boa a matéria, Geraldo Hasse? Agora tem até a foto do barco, como pediste, e do próprio Vilmar. Será que dá capa?

25 de março de 2009

CAIR DE BANDA


Nei Duclós (*)

Vou embora, desistir, sair. Deixar para lá, pegar um táxi, metrô, ônibus, avião. Vou a pé até a estrada e peço carona. Abandono tudo, abro um restaurante, vou viver numa gruta, uma ilha deserta. Não quero saber de pauta, de lead, de deadline, de cobertura, de tantos caracteres. Não quero ler, ver ou pensar. Quero ficar de olho parado até o fechamento passar. Nem precisa me indenizar, me trancar na salinha, me advertir. Quero outra vida, sem essa pressão de devorar o mundo todos os dias e vomitá-lo para recomeçar no início de novo expediente.

A vida é outra coisa e está fora da redação. Ok, não existem mais redações, elas sumiram junto com a profissão e hoje o que temos é o conteúdo a ser gerenciado, o cliente a ser atendido, a publicidade no miolo do texto, o título sem sentido, mas com o número exato de toques para caber no espaço devido. Ou sempre foi assim? Lembra daqueles títulos de três linhas nas revistas de luxo, em que a primeira precisava ter sete toques, a segunda oito e a terceira onze? Ou será que sonhei com isso?

É provável que eu tenha perdido a razão depois de dez milhões de edições. Talvez tenham me confinado nessa jaula que eu acho ser o mundo real e visível e estou como criatura de Matrix sonhando a liberdade de não pertencer mais à maquina de moer carne da profissão. Talvez meu desejo de abandonar tudo tenha enfim se concretizado e eu esteja numa espécie de limbo, pronto para reencontrar alguns companheiros que cruzaram comigo neste rio de palavras.

As celebridades, tão consideradas pelos estudantes, e que estiveram muito perto por tanto tempo, nem contam. O que pega são os anônimos, os redatores que não assinavam matérias, os diagramadores que jamais chegavam à direção da arte, os repórteres que sumiam de verdade para nunca mais. O que pega são os office-boys, como aquele tão pernóstico que o patrão dizia ser não um contínuo, mas um Editor de Continuidade. Ou o cara que recortava jornal para fazer clipping. Ou o setorista que dedicou cem anos para seu ofício, cobrindo esportes, ou polícia ou necrológios e por fim foi também embora, envolto em brumas de uma literatura que cheirava a biblioteca antiga, submersa em pó e esquecimento.

Não vá fazer poesia com tanta realidade, que de tão absurda parece ficção. Não diga que esqueceu aquelas dobras de corredor onde revisoras passavam com papéis na mão, concentradas em sua difícil arte. Ou o rapaz do arquivo, que fazia parte dos móveis daquele grande jornal do interior e que um dia respondeu o pedido urgente do editor apressado, que bradava: “Fulano de Tal, sabe quem é?”, com a clássica resposta: “Não sei, mas tenho”. Ou o tempo do off-set quando bravos rapazes analfabetos esforçados da paginação (obrigado, Strix, pela correção) colavam parágrafos inteiros de cabeça para baixo, mas no maior capricho, fazendo com que a leitura do dia seguinte fosse festejada com gargalhadas.

No fundo, queres do jornalismo o quem nunca pertenceu a ele. As erratas que se repetiam com os mesmos erros, o foca de bolsa e tênis que chegava com o cerebral “Quatro Quartetos”, de T.S. Elliot, embaixo do braço e arrancava do chefe de reportagem o desabafo: “Pronto, mais um intelectual de sovaco”; a happy hour com o pessoal da oficina; e as despedidas. Sim, quando alguém decidia enfim ir embora e íamos todos na rodoviária ou na estação nos despedir, bêbados, batendo em suas costas como querendo expulsá-lo, mas no fundo sonhando em fazer a mesma coisa.

Partir, ir embora, deixar esta vida. A pior do mundo, mas que não há nem haverá outra igual nem melhor. Longa vida à memória e à loucura: esse tal de jornalismo, profissão extinta, ninho de loucos, que trabalham sob as ordens do destino e tiram de letra qualquer lágrima que venha atrapalhar nossa conversa na calçada, no fim da noite, antes do assombroso amanhecer.

RETORNO - 1.(*) Com esta crônica, me despeço do espaço Literário, do Comunique-se, onde colaborei durante três anos. Como não falhei uma só semana, devem ter sido 144 edições, entre crônicas, ensaios, memórias e poemas. 2. Imagem de hoje: Barco em Ingleses, foto de Ida Duclós.

REPERCUSSÃO NO COMUNIQUE-SE
(Trechos dos comentários no espaço Literário)

Evelyne Furtado [27/03/2009 - 10:22] (Freelancer) - Uma despedida em grande estilo, Nei. Cair de banda ficou bonito demais.Abraços e boa sorte.

Risomar Fassanaro [26/03/2009 - 13:50] -Puxa, Nei, convivi tão pouco com você aqui neste espaço, tão pouco com seus textos, e você não me deu tempo nem de dizer com todas as letras o quanto gosto de você, o quanto gosto dos seus textos. Nem tenho palavras pra dizer o quanto me fez feliz, o quanto aprendi lendo seus textos.

Celamar Maione [26/03/2009 - 11:44] - (Freelancer) - Nei, vai fazer falta. Uma pena não dividir mais aqui seu talento com os leitores....mas a vida segue. E você sabe disso. Grande abraço e até !

Fabio de Lima [26/03/2009 - 07:51] - (Repórter-Supervarejo - SP) -Duclós você é GRANDE e fará muita falta aqui.

Mara Narciso [26/03/2009 - 00:30] - (Profissional Contratado) - Pelo menos o drama terminou de forma poética. Sempre haverá um momento profissional em que queremos fugir, desaparecer com o mínimo de bem material: bermuda, camiseta e chinelo de dedo. Ir para bem perto, em termos geográficos, mas distante em termos de obrigação. Antes do último passo lembramos os tempos áureos--sempre haverá de ter algum--, e reconsideramos, achando que apenas uns dias de férias bastam. Lindo desabafo que serve para qualquer profissão, e uma aula de como a pressa moi carne, e osso, mas que não moa mentes.

Daniel D'Assumpção Dos Santos [25/03/2009 - 18:01] - (Freelancer) - Sim, claro, tudo muito bonito, como sempre. Mas ... não sei ... alguma coisa pinica minha orelha como a pulga da desconfiança. Tá certo que é uma crônica de despedida do "Literário", mas há nas entrelinhas uma dor maior, ou assim me pareceu. Senti uma fisgada no coração. O último parágrafo, então, me arrebentou. Seja o que for, deixo nesta absurda despedida (sim, vc se vai!) meu abraço mais entusiasmado, mais emocionado, mais solidário. O que vier pela frente que seja o melhor para ti, grande escritor, grande poeta, amigo magnífico, jornalista dos graúdos! Té a próxima, Nei.

24 de março de 2009

AMOR ESTRANHO


Nei Duclós (*)

O amor à Pátria é um sentimento estranho. Não faz sentido amarmos algo que não tocamos, já que nação é mais do que paisagem geográfica, é um pedaço inacessível de pano, longe, ao vento. É um começo de hino, um sotaque, um andar, um reclame. Não implica rebento, não faz parte do mundo animal, não tem ligações de sangue. País é como um parente distante, sobre o qual desconhecemos a origem, não reconhecemos laços, desconfiamos. Não está incluído na natural proteção que damos ao objeto amado, quando agarramos, beijamos, suamos, lambemos o que gruda e arranha .

Pátria não tem corpo, é mais um acordo, uma idéia, no máximo duas cores (as outras são coadjuvantes). Então, que estranha compulsão é essa que nos inunda quando abraçamos a bandeira e gritamos o nome do país que imaginávamos não amar mais? Talvez porque o amor à Pátria, ao contrário do egoísmo dos amantes, seja aberto, amplo, generoso, que se espraia pelo tempo, praias, horizontes. E volte, sempre que houver motivo ou o dever nos chame.

Chegamos até a admirar os outros, que por suas pátrias possuem um amor sem dúvidas, já que vivem batendo no peito as heranças, como se o sentimento fosse invisível e precisasse, a cada momento, confirmá-lo diante de todos. Nós somos diferentes. Nosso amor à Pátria é muito mais estranho. Perdemos a pista de suas fontes. Não há o que amar, pensamos, num país tão próximo e distante. Por isso, talvez, emigramos. Queremos esquecer a exclusão, a violência, o vexame.

Mas algo maior nos chama. Finalmente a perdiz, entocada pelo cachorro, levanta vôo no pampa. O caçador segue o vôo com a mira. O cano obedece a ondulação suave da ave em fuga. O tiro seco então ecoa no campo. O baque surdo do pássaro no chão desencadeia a trilha nas patas afiadas de Pingo, o cão ensinado. Meu pai acertou em pleno vôo. Dentro do carro, de olhar cruzando o vidro, meu coração fica aos pulos.

Meu pai volta seu olhar profundo em minha direção. Ele sorri. Uma grande nuvem azul, chumbada pela luz do entardecer, toma conta da paisagem. O carro fica estacionado no acostamento, na curva da carreteira. Pingo late para Deus, que está a cavalo.

Pátria, pai, bandeira: somos um país. E damos o assunto por encerrado.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 24 de março de 2009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: Brasileiros, foto de Juliana Duclós, na praia de Ingeses. 3. Trechos de textos amarrados a eventos costumam se perder no mar de posts do Diário da Fonte. É bom reuni-los numa nova composição, para que ganhem o destaque merecido.

23 de março de 2009

ÁGAPES VERBAIS


O articulista da Folha, Fernando de Barros e Silva, aproveita algumas mazelas nacionais para cuspir no país que o gerou e embalou. É moda. Todos querem tirar um toco do País antes de se mandar para o Primeiro Mundo. Barros, na edição desta segunda-feira, dia 23/03/09, acha que o Senado teria “desvirtuado” o projeto original de Niemeyer e que a “aposta” do arquiteto “foi sendo devorada pela profusão de anexos, de salinhas obscuras, de corredores acarpetados e paredes aveludadas. O cortiço cafona que funciona sob o esqueleto da utopia moderna parece selar um destino histórico.” O Senado assim é a “alegoria cômica do país tacanho, corrupto e atrasado que não dá conta dos excessos da realidade, não obstante a atualidade da obra de Dias Gomes quase 40 anos depois da sua consagração.”


A aposta original de Niemeyer era construir um mausoléu da democracia, afastada da opinião pública, que fizesse a glória das empreiteiras, que se locupletaram na transferência irresponsável da capital. Portanto, ela não foi sendo devorada, ela foi cumprindo seu destino. O país não é tacanho, corrupto e atrasado. Quem é tacanho, corrupto e atrasado é o poder que tomou conta do país desde 64 e mantém sob o garrote vil uma população que se amontoa em favelas e cortiços e cada vez mais perde as chances de encontrar meios de sobrevivência. Esse poder, identificado com o país, é apoiado pela mídia que o articulista tão bem representa.

Diz Barros: “A total desconexão dessa política com a sociedade diz muito da distância entre o projeto original de Brasília e o que ela representa hoje - do abismo entre o que a capital quis ser e o que se tornou.” A capital era para isso mesmo. JK, o sorridente, precisava tirar a capital do Rio de Janeiro, que se transformou na capital do Brasil Soberano com a vitória de Vargas, lugar onde o trabalhismo deitara fundas raízes e permitia a continuidade no regime que conseguiu implantar um mínimo de equilíbrio entre capital e trabalho. Vargas inventou um parque industrial, uma elite financeira e industrial (Moreira Salles e Ermírio de Moraes surgem no seu governo) e uma massa de trabalhadores bem remunerados, representados com sindicatos e centrais sindicais com poder de barganha. Brasília se tornou o que pretendia ser: um enclave do Estamento, longe das pressões da sociedade.

Dias Gomes não obteve consagração, simplesmente sua obra foi veiculada pelo monopólio televisivo, que usa o horário em que as pessoas obrigatoriamente estão em frente à TV. Substituiu a esposa, Janet Clair, que era dona do espaço. Ajudou a compor a imagem perversa do país, que foi destruído pelo sistema político e financeiro sustentado pelo monopólio de comunicação. Além do mais, é uma obra chupada e desvirtuada de uma das obras culturais da revolução de 30, o romance social, que explodiu logo após a ascensão de Getúlio Vargas ao poder. Achar que Dias Gomes (que clonou Zé Lins do Rego, entre outros) é coisa é o mesmo que achar que Luis Gonzaga inventou a sanfona.

A vocação histriônica de Barros e Silva pode ser detectada quando sugere uma Subsecretaria da Jenipapança para o Senado ou uma Secretaria das Explicações Surreais, ou quando chama um senador de Heráclito, o Fortes. O trocadalho em cima da aparência demonstra não apenas preconceito contra pessoas obesas ou de sobrepeso, mas revela o baixo nível de criatividade dos pseudo produtores de pensamento, que ao chutar cachorro morto (o Senado flagrado no excesso de mordomias) tenta encontrar um lugar para a posteridade.


Barros aproveita ainda para desancar o serviço público (na figura do “barnabé abnegado”) e instaura Sucupira, a cidade imaginária do grotão brasileiro de Dias Gomes, como a capital do país. Sucupira é a anti-Nova York, a cidade imaginária onde vive Barros e sua troupe. Eles sentem vergonha do Brasil. Se acham cultos, sofisticados, progressistas, democratas e ínclitos catequistas da moralidade. Nos seus ágapes, devem sorver vinhos caros fazendo biquinho e levantando o mindinho. Slurrrp. Puxa, como é formidável ser civilizado. Quando o pilequinho toma conta, eles vertem novos conceitos como o já mal-afamado “ditabranda”, que significa: ditadura no dos outros é refresco.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: o povo brasileiro constrói a própria tumba. 2. Ontem, domingo, no Fantástico, a internet é apresentada como mera coadjuvante da televisão. É o medo que eles tem da opinião pública. O apresentador fica em frente a imagens interativas e deita falação como um professor de cursinho. Estão nos preparando para o vestibular: agora passear cachorro precisa de MBA.

22 de março de 2009

NOTAS QUENTES NA MÍDIA FRIA


Selecionei algumas highlights (eu também posso, ou não?) sobre o Brasil em plena ditadura, escritas no mesmo instante em que eu assistia O doce aroma do sucesso, filme de 1957 com Burt Lancaster e Tony Curtis, dirigido por Alexander Mackendrick (também diretor do clássico “Matador de Velhinhas)", com script e diálogos soberbos de Ernest Lehman (o cara escreveu tudo, de "Sabrina" a "West Side Story") e Clifford Odets. Filme silenciado pela crítica, claro, já que arrasa o jornalismo marrom da América e radiografa o alpinismo social que usa a mídia como arena de crimes. Não ficamos muito atrás.

1. Segundo Mônica Bergamo, da Folha, “André Skaf, filho do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, está contratando Evanise Santos, namorada de José Dirceu, para organizar o cerimonial de um encontro de "novos líderes" que está realizando. Ele já convidou ministros para o evento, como Carlos Minc, do Meio Ambiente, e Fernando Haddad, da Educação. Evanise confirma a informação.” Diz a Carta Capital, que Dirceu está em todas. Quem é José Dirceu, que tanto poder possui?

2. Cozinheira de 47 anos, machucada e confinada no espaço em frente à porta de entrada do ônibus, está presa porque xingou o motorista que não parava de colocar gente na lotação. Ela cometeu crime inafiançável: xingou o sujeito de “preto”. Aconteceu no Espírito Santo. Enquanto isso, gente que mata a namorada pelas costas com dois tiros está solta. Obteve recursos na Justiça.

3. O Senado diminuiu 50 das 180 diretorias, enquanto José Sarney, presidente do Senado, é recebido com banda de música em Macapá. No interior de São Paulo, metade dos vereadores de uma cidade vai presa porque está envolvida com falcatruas. Enquanto isso, Dilma Roussef, apesar da maciça campanha para presidente, diz que não está em campanha e não decola nas pesquisas. Ah, as pesquisas: Lula começa a cair. Alguém está pagando mais.

4. O barulho invade todos os redutos da cidadania, principalmente o doméstico. Não apenas o trânsito, mas a serra elétrica, a academia de aeróbica que move os turbinados com baticum, atordoam a população inerme (desarmada). O Brasil hoje é o país do berro, do bate-estaca e dos carros com capô aberto a milhão no som envenenado. Faz sentido. É preciso impedir que as pessoas pensem.

5. A Globo jura que o acordeon foi popularizado pelo Luiz Gonzaga. Nem citou a Adelaide Chiozzo, dos flmes da Atlântida e da radiofusão da era Vargas. Lembro de milhares de estudantes tocando sanfona, desde Uruguaiana até o Piauí. Quem popularizou a sanfona, o violão, o piano foi Villa-Lobos, secretário de Educação Musical no governo de Getúlio Vargas, que tornou obrigatório o ensino de música nas escolas (e por isso, por um tempo, tivemos a melhor música do mundo - não foi porque somos brasileirinhos brejeirinhos, mas porque tivemos governo um dia). Mas isso não conta, claro. A Globo ensina tudo torto. Seu objetivo é negar qualquer referência à era Vargas e suas realizações.

6. Foi aprovada, quase por unanimidade, pela Justiça, o enclave da Raposa do Sol, uma faixa de terra que funciona como um país à parte. Sob o álibi de proteger os índios, transforma uma larga faixa da fronteira num território à parte. Outros enclaves virão, até a mata virar propriedade, de fato, internacional.

7. Para que Lula foi ver Obama? Para conhecê-lo pessoalmente, claro. Para isso, deveria ficar em casa. Bata um papo pelo skype. Ou mande uns recados pelo twitter. Obama não cedeu em nada e ainda ficou debochando. Agora levou o troco. Foi falar doce com o Irã e levou uma descompostura. Obama é o Mesmo, embalado como Outra Coisa. Os iranianos não engoliram: “Mudem você que aí nos mudamos”, disseram. Clovis Rossi, da Folha, ficou encantado com a mensagem de Obama. Chamou-o de “o pai da Sasha”. Fofo. Deve ser o único paizinho com os códigos da guerra nuclear no bolso. É o Papi-Bum.

RETORNO - Imagem desta edição: Tony Curtis e Burt Lancaster, antológicos, em "Sweet Smell of Sucess". Tony é o assessor de imprensa free-lance subjugado por Burt, o colunista poderoso de um tablóide e de um programa de TV, acompanhado por 60 milhões de pessoas.

21 de março de 2009

NOVAS PROFISSÕES


Engenheiro, advogado, jornalista, médico, isso tudo está superado. Agora temos novos ofícios, mais adequados ao grande sucateamento da economia (e, portanto, dos meios de sobrevivência) promovido pelos executivos movidos a bônus milionários extraídos do dinheiro público (com o aval de “Yes we can”, o fenômeno politicamente correto da Casa Branca, o cara que significava a “mudança” do mundo – então, tá). Algumas das novas profissões:

PASSEADOR DE CACHORRO - É a atividade que envolve hoje 90 por cento da população brasileira. Você leva os vira-latas de luxo para cagar na rua enquanto a madame e o magano usufruem da bufunda roubada, com direito a perseguir petizes inocentes e a trancafiar as pessoas por motivos fúteis, enquanto os assassinos, traficantes e corruptos continuam soltos.

GERENCIADOR DE CONTEÚDO - Como conteúdo é o acordo entre o jornalismo e a publicidade, com prejuízo para o primeiro, o Gerenciador de Conteúdo é o que distorce as reportagens até elas viraram uma campanha de marketing. O importante é aparecer em público fazendo caratonhas de produtor de pensamento e achar que as velhas redações eram enfumaçadas e barulhentas, e não como realmente eram, escolas do jornalismo que foi assassinado.

PERSONAL TRAINER DE VERBAS - Você está sofrendo com a crise? Não se amofine. Esqueça os milhares perdidos na grande tunga do final do ano passado e entregue para esse tipo de profissional as merrecas que sobraram, para que ele faça bom proveito delas. Você vai ganhar muitos prospectos coloridos contendo alternativas espertas de como aplicar sua grana, tudo ilustrado com esses desenhos babacas em que as pessoas são retratadas como animais de estimação fazendo cara de que adoraram o estupro.

INSPETOR DE QUALIDADE - Faxineiro da era da globalização. O cara continua limpando latrina, ganhando zero à esquerda, mas exibe uma jaqueta com a identificação de seu importante ofício. Ele cheira os cantos mijados das garagens para ver se algum filhinho de papai fez o serviço e constatando no local a falta de qualidade, dá uma geral. Também costuma ficar nos postos de gasolina esfregando carro importado de exibicionistas que não tem como pagar o seguro do veículo.

DIRETOR DE SENADO - A mais tranquila e bem remunerada das novas profissões. O melhor auge é ser Diretor de Si Mesmo. Você se dá bronca, se demite, se readmite e decide quanto vai ganhar. Mas jamais esqueça de mandar chocolates para a secretária do senador que o apóia. Sem isso, os honorários vão virar uma humilhação e você pode até ser defenestrado via Diário Oficial.

FISCAL DE GOVERNANÇA - Essa palavra, governança, foi criada para as pessoas insubordinados pararem de dizer “para seu governo”, criada no tempo em que havia governo. Hoje ninguém se governa mais e você não pode explodir com a expressão “para a sua governança!”. Rima com pança, com festança, não dá para levar a sério. Mas um Fiscal de Governança pode demitir gente, por exemplo, e por isso ninguém ri nas costas dele.

LUBRIFICADOR DE LOGÍSTICA - Especular com estoques, conseguir preços indecentes para insumos mais tarde vendidos a custos imorais, falar a toda hora Just-in-time e conceituar a vida como oportunidades que surgem da crise, essas são as tarefas do Lubrificador de Logística, um sujeito perigoso que nos fins-de-semana passeia com seu cão fila nos bairros da periferia, para ver se encontra restos sinistros das mercadorias que repassa com data vencida para consumidores sem renda.

MATADOR DE MATADOR - Profissão em alta. Cobra caro e dá cabo daqueles que chantageiam os clientes que mandam matar. É difícil de conseguir um exemplar. Possuem o olho amarelo e só aparecem ao crepúsculo em biroscas abandonadas de favelas destruídas pelo fogo. Você não contrata um Matador de Matador. Você se entrega.

RETORNO - Imagem de hoje: Jerry Lewis em "Errado pra cachorro". O atrapalhado gênio tira um toco das profissões de fantasia impostas pelos sistemas sacanas do poder econômico.

BATE O BUMBO: TRÊS TEXTOS DE HISTÓRIA

Coloquei no site três textos acadêmicos de História, todos orientados por grandes eruditos da USP. Um sobre a atualidade do poeta Michelet, inventor da História moderna e da Revolução Francesa, uma breve análise sobre a linhagem do texto revolucionário na América Latina a partir dos escritos do subcomandante Marcos e o nascimento das Forças Armadas nacionais na Guerra da Independência.

20 de março de 2009

50 TIROS EM VILMAR ROSA DUARTE


Aconteceu agora na fronteira. Li a reportagem no portaluruguaiana, que reproduziu matéria do Diário da Fronteira. O pescador aposentado Vilmar Rosa Duarte, de 60 anos, estava nas águas internacionais do rio Quarai, que faz divisa com o Uruguai, na localidade conhecida de Pai Passo, quando foi abordado por uma patrulha do país vizinho. Estava num barco a motor junto com outro companheiro. Para saber o que gritavam, desligou a máquina. Tomando conhecimento da abordagem, ligou novamente, para sair dali. Foi quando aconteceu a guerra.

Os uruguaios abriram fogo e perseguiram o barco dos dois pescadores brasileiros por uns 300 metros. Para escapar do tiroteio, que pelas contas do medo e da fuga, foram cerca de 50, Vilmar jogou a embarcação para a margem. Teve sorte. Embicou numa reentrância do barranco, o que facilitou a escapada. Mas nessa manobra foi atingido duas vezes, por balas que entraram por trás e furaram seus intestinos. Os fugitivos se jogaram no mato fechado, rastejando. O outro pescador resolveu sair na frente, já que estava ileso e tinha mais condições de chamar socorro.

Vilmar viu-se então só, sendo caçado como bandido, ele que pesca desde criança naquela bacia de rios, arroios e sangas. Como temos a mesma idade, 60 anos, pode ser que Vilmar tenha sido meu colega no Romaguera Correa, o grande primário público que formou a todos nós na cidade. Seu nome me é familiar demais e quando vi impresso na notícia, alguma coisa muito clara e precisa veio á tona. Um nome, algumas palavras e a frase que marca esta história, proferida por Vilmar e que me levou a escrever este artigo.

Rastejando ferido, Vilmar avançou mato adentro, só se levantando quando havia alguma clareira. No relato que deu à reportagem do jornal, disse algo que me marcou: “Por duas vezes, parei para morrer no caminho”. Assim somos nós, homens da fronteira. Temos essa intimidade com as palavras. Um pescador perseguido, sangrando, fugindo de um ato de covardia, pois não carregava arma nenhuma, foi capaz de dizer que por duas vezes tinha desistido de fugir, de escapar dessa vida bandida. Se foi assim que Deus providenciou sua despedida no mundo, que assim fosse.

Parou para morrer, porque achou que não tinha mais forças. Mas insistiu. Revidou ao destino que lhe parecia certo. Confiou que poderia ir um pouco mais adiante. Imaginou que seus perseguidores teriam desistido, e que ele poderia voltar para casa, como realmente voltou, onde hoje se recupera do tiroteio. Cinqüenta tiros em Vilmar Rosa Duarte. Em águas internacionais de dois países que não estão em guerra. Dizem os pescadores de Uruguaiana que patrulhas argentinas e uruguaias aos poucos se adonam dos rios. Tínhamos lá, na época do Brasil soberano, uma Capitania dos Portos com fuzileiros navais armados.

Hoje temos uma fronteira abandonada, desguarnecida. Pois só pode ser isso: como o Brasil não está presente, a não ser com seu povo pacífico que ainda pesca por lá, então os estrangeiros se sentem à vontade para tirotear quem estiver por perto. São proprietários daquilo que também nos pertence. Vilmar, sozinho, pescador desarmado, não pode dar conta. É um cidadão só contra uma guerra oculta.

Coloquei o nome de Vilmar no Google. Só tem uma ocorrência: a de uma ação trabalhista que moveu contra uma empresa. Aos 60 anos, Vilmar coleciona ferimentos. E uma vida digna, dedicada ao ofício da pesca no país dos grandes rios e do mato fechado.

RETORNO - Imagem desta edição: foto histórica do porto de Uruguaiana, quando havia navegação, diligências etc. Foto cedida pelo Museu do Rio Uruguai para o jornalista e escritor Geraldo Hasse, autor do livro "Navegando pelo Rio Grande" (Já Editores).

18 de março de 2009

O QUE É LIBERDADE?


Nei Duclós (*)

Liberdade não é plantar bananeira no meio da sala, ou dizer baixarias na televisão. Liberdade é submeter-se a uma liderança ética e experiente, que transcenda os limites dos liderados. Líder não significa patrão nem submeter-se significa submissão. Ao enquadrar-se em algo que está fora do universo mental doméstico, o aspirante à liberdade pode palmilhar um território fora das paredes a que está acostumado e que muitas vezes não são vistas. E assim romper as amarras originais, podendo exercer ações que não estavam no seu perfil.

A diferença entre um tirano e um líder é brutal, mas a falta de sabedoria costuma confundi-los. Um cretino pode aproveitar a hierarquia para fazer valer suas idéias fixas e seus interesses. Um líder não “entrega” que a hierarquia não tem importância e sim a liberdade. Prefere assumir o cargo com todas suas implicações negativas. Ao impor sua vontade, impede que atos voluntariosos se multipliquem e prejudiquem o andamento dos trabalhos. Mas essa imposição, se for regida pela lucidez, a cultura e a sensibilidade acaba sendo reconhecida como passaporte para algo maior.

São inúmeros os exemplos de alunos que agradecem tardiamente o rigor de professores turrões e que no fundo não prejudicaram ninguém, antes submeteram vaidades e encaminharam vocações. Ou os que amaldiçoam os que exerceram o poder de maneira equivocada. Não há maior emoção do que ser reconhecido por um Mestre verdadeiro, mas isso só acontece quando o aluno aplicado abriu mão de suas certezas e apostou no que lhe ensinavam de maneira contundente.

Esse reconhecimento mútuo cria uma linhagem. Quando o líder se retira, os que conviveram com ele têm chances de assumir um papel semelhante, o de despertar nas novas gerações os frutos de um árduo aprendizado. O maior desafio, para quem lidera, é não fazer concessões para sentimentos, apelos, fraquezas, justificativas, preguiças, armadilhas, mentiras. É também saber ver onde estão as qualidades do seu entorno, não se deixar enganar e assim não ungir alguém sem merecimento.

A meritocracia é um poder que lida com forças misteriosas, como destino, carisma, talento, esforço, abnegação, renúncia. Por isso foi desvirtuada ou deixada de lado pelo arrocho matemático dos manuais, das metodologias, das atitudes, das linguagens engessadas. É fácil, para um espertalhão, usar princípios crismados em infindáveis aconselhamentos e dar um nó nas chefias. Estas, se forem seguir as leis que a mediocridade inventou para subsistir, costuma destacar exatamente os clones de um sistema rígido, que finge ser flexível e sintonizado com a diversidade.

A expressão catequista assumida por apresentadores de televisão em matérias pretensamente corretas é pura contrafação. Instaura a verdade em quem emite a fala e impede assim que a liberdade se manifeste. Como contrariar um poder que se apresenta com o cenho carregado e a rigidez da moral incontestável? Uma reportagem é o pulo do gato do fato. Só um repórter responsável (sob uma liderança competente) terá liberdade para apanhá-lo a tempo no ar, já que não está submetido às leis imutáveis dos acontecimentos, as que foram definidas pelos núcleos do poder.

Para impedir que haja reportagem, é fundamental que não existam mais líderes nas redações. Erradicar o exemplo, apagar a memória, ditar um passado falso (como vimos recentemente no episódio da “ditabranda”) é caminho livre para confundir tudo. Como o líder é eliminado, e no seu lugar foi colocado sepulcro caiado, mente-se que agora sim somos livres. Você, em tese, pode fazer o que quiser e bem entender.

Como plantar bananeira no meio da redação e escrever “com certeza”, ou começar a matéria com “o ministro disse ontem em Brasília que...” Se houvesse liderança, a reação seria a mesma que costuma acontecer em lugares conquistados pela guerra, essa ação radical pela liberdade. Levaria o que se chama um bom “tapa na oreia”. No bom sentido, claro. Virtual. Mas que faça barulho.

RETORNO - 1.(*) Crônica publicada nesta quarta-feira, dia 18 de março de 2009, no espaço Literário do Comunique-se. 2. Imagem desta edição: Marcos Faerman, o grande jornalista que pertencia a uma linhagem infelizmente interrompida pela ditadura.

O ASSASSINATO DE JOÃO GOULART


Na Folha do dia 27 de janeiro de 2007, matéria com ex-agente da repressão uruguaia confirmava velhas suspeitas: o presidente João Goulart (foto) foi assassinado, segundo a fonte, a mando do delegado Sergio Fleury, que obedecia ordens de Ernesto Geisel. Agora numa reportagem de capa a revista Carta Capital mergulha no assunto. A seguir, trechos da matéria da revista liberados para a internet. A íntegra, só para assinantes ou a revista impressa.

JANGO ASSASSINADO?

Gilberto Nascimento, da Carta Capital

Documentos inéditos do Serviço Nacional de Informações (SNI) e de outros órgãos militares do Brasil obtidos por CartaCapital dão detalhes do esquema de vigilância e do monitoramento das atividades do ex-presidente João Goulart no exílio, desde o golpe que o tirou do cargo em março de 1964 até sua morte em 6 de dezembro de 1976. Agentes militares tinham acesso a sua residência e conviviam com o ex-presidente no dia-a-dia.

Os relatos sobre a espionagem, comprovada agora em documentos, reforçam as suspeitas da família de que Jango teria sido morto por envenenamento. Seus familiares receberam um calhamaço de 7 mil documentos sobre o ex-presidente, entregues pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, há dois anos.

Em meio ao caudaloso material, segundo o pesquisador Oswaldo Munteal, da Fundação Getulio Vargas, que trabalhou na catalogação dos documentos, há o relato de um agente infiltrado no apartamento e na fazenda de Jango que descreve ao SNI substâncias que viriam de fora do País e poderiam ser utilizadas para a eliminação do ex-presidente. Essas substâncias seriam tratadas ou trocadas no Brasil. “O relato foi feito pelo agente infiltrado no fim de 1975, cerca de um ano antes da morte de Jango”, afirma o pesquisador.

A denúncia de que Jango teria sido morto com a utilização de um produto químico foi feita no ano passado pelo ex-agente do serviço de inteligência uruguaio Mario Neira Barreiro, preso por tráfico de armas na penitenciária de segurança máxima de Charqueada, no Rio Grande do Sul. Uma operação montada para vigiar e depois assassinar Jango, segundo Barreiro, foi chamada de “Escorpião” e envolveu os governos do Brasil, Argentina e Uruguai.

17 de março de 2009

CONRAD ENSINA


Nei Duclós (*)

Noto que se multiplicam as oficinas literárias, cada uma desenvolvendo métodos de orientação para futuros escritores. O convívio com pessoas da mesma vocação, acompanhadas por alguém talentoso e experiente, valoriza um ofício que precisa se espalhar junto com o hábito da leitura. Neste verão que termina, notei também que aumentou a presença dos livros nos passeios dos banhistas. É bom ver que os autores disputam espaço com o sorvete.

Dos mestres disponíveis da literatura universal, Joseph Conrad (1857 – 1924) é o mais esclarecedor na arte da narrativa. Principalmente em “O Agente Secreto”, filmado inúmeras vezes desde Sabotage, de Hitchcock, em 1935. Lançado em 1907, foi revisto na edição de 1920, quando Conrad explicou como foi elaborada a trama da mulher do anarquista que tinha amor maternal pelo irmão com problemas mentais. Ela desconhecia a dupla personalidade do marido e o livro é a súbita revelação de um mundo invisível, encoberto pela vida conjugal pragmática e obscura.

O livro parece ser a investigação sobre um atentado, mas é a exposição de técnicas de como criar uma história. Cada capítulo destaca um personagem, que assume provisoriamente a função de protagonista. Cada cena se refere aos antecedentes do crime e aos momentos em que ele foi praticado, preparando o desfecho trágico. Cada frase atinge o máximo de precisão e intensidade, cruzando o ambiente (uma Londres enlameada, escura, úmida) com perfis psicológicos. Os personagens são identificados por tipos, mas não por caricaturas. O autor fisga o leitor, levando-o poderosamente para nuances, brutalidades, superfícies, falas e silêncios.

Na nota introdutória, Conrad conta como foi atropelado pelo tema numa conversa de rua. A partir desse encontro, fez inúmeras fontes confluírem para compor sua galeria humana, teve o cuidado de não permitir a interferência nociva de vivências e memórias, limpou o texto original até o osso para que funcionasse e “encarnou” suas criaturas para que elas ganhassem vida.

Uma delas, o Professor, o especialista em explosivos que desprezava a humanidade, mantém a atualidade do seu carisma sinistro impulsionado pela força de uma literatura exemplar.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 17 de março de 2009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: Joseph Conrad, o Mestre absoluto. É ler e aprender.

15 de março de 2009

O PRÍNCIPE DO CARIMBÓ

O Sr. Charles, reconhecido como príncipe da monarquia inglesa, usando seu chapéu branco de explorador da África, deixou a consorte Camila Bowles, não-sei-o-quê da Cornualha (que ficou aturando a bateção de lata de crianças amazônicas numa sala fechada) e aproveitou para dançar o carimbó com uma brasileira de saiote e soutien. No encontro dos presidentes americano e brasileiro, Obama disse que tinha vontade de visitar a Amazônia, lugar onde seus adversários gostariam que fosse se alojar, segundo uma das inúmeras piadas que contou ao lado de Lula diante da imprensa.

Numa conferência muito conceituada, o eminente economista Paul Singer, uma das raras inteligências do Brasil, disse que o País esteve na vanguarda em 1932 (não citou Vargas), pois interviu na economia para acabar com o ciclo perverso da recessão. Hoje, disse Singer, o Brasil está de novo na vanguarda graças ao PAC. Ou seja, é como disse uma vez Borges sobre os escritores: costumamos inventar nossos precursores. Quer dizer que Vargas (que não foi citado) serviu apenas de escada para Singer elogiar o atual governo entreguista?

O Sr. Charles (que nasceu exatamente no mesmo dia em que nasci, mas não para ser rei) quer reunir bilhões de dólares para preservar a mata. Existem algumas coisas que os gringos precisam aprender. Primeiro, se existe devastação da mata é porque a mata ainda existe. E ela existe porque tivemos estadistas, como Dom Pedro II e Vargas, que mantiveram a soberania da região. Segundo, que o Brasil não faz parte do planeta. O que faz parte do planeta é o alto mar e os pólos. O Brasil é uma construção humana, histórica, econômica, reconhecida internacionalmente. Então, se os estrangeiros quiserem preservar alguma coisa, sugiro que preservem as próprias vovós deles.Terceiro, quem são os ingleses ou os americanos para vir preservar a mata, depois que eles destruíram tudo e sugaram as riquezas do mundo inteiro?

Estou sendo anacrônico, claro. Os ingleses de ontem não são os mesmos de hoje. Temos agora ecologistas na coroa. Temos politicamente corretos na presidência das potências. Então, os errados continuam sendo nós. Antes, porque éramos muito fracos e nos deixamos sugar como bananas maduras. Hoje, porque somos bananas maduras e não conseguimos nem gerar políticas públicas que impeçam a devastação que continua sendo promovida pelos países estrangeiros, com o apoio da canalha interna.

A não-sei-o-quê-da Cornualha veio como uma sombrinha que o Macaco Simão disse que era de dançar frevo. O casal fez um safári. O Brasil é a Índia, a África ou o planeta. A idéia, o conceito de Brasil não entra na cabeça dessa troupe. Ele acham que moramos em árvores e nos comunicamos batendo com os punhos fechados no peito. E que vivemos exoticamente nas favelas cheirando, matando e mostrando o buzanfan para os turistas. E que o pouco que temos de bom se deve à imigração estrangeira. Todos esses preconceitos que não enxergam populações de cidadãos vivendo, criando, produzindo no Sul, Sudeste, Norte e Nordeste, nas periferias, nos campos e vilas.

No dia em que eu assumir o trono, vou mostrar aos gringos como a coisa funciona. Vou criar uma ONG para preservar o Grand Canyon . Vou investir bilhões nos besouros cascudos que estão em via de extinção no Central Park. Vou exportar, de graça, todas as tartarugas que conseguimos multiplicar em anos de projetos milionários. Vou colocar um capoeirista em cada cidade estrangeira para poder, sob o pretexto de ensinar a luta, dar uns pontapés nas fuças da gringaiada. E vou mandar colocar um saiote em cada cornualhense para que a bagacerada brasileira dance um carimbó com elas. Será que Charles vai chegar legal? Talvez ache, isso é que é o pior.

RETORNO - Imagem de hoje: saia, ele só usa lá. Aqui ele usa calça comprida para dançar com as nativas.

14 de março de 2009

MERGULHOS NA SUPERFÍCIE


Nei Duclós

O universo é uma infinita superfície lisa onde deslizam os corpos celestes – planetas, estrelas, cometas. Estes, são como navios navegando no mar ou uma bola de plástico que anda ao sabor do vento na piscina cheia. Ou seja, não é a gravidade que segura essas criaturas. Elas não bóiam pelas forças de atração e repulsão existentes nos astros, como se acreditava. Mas pelas forças de atração e repulsão provocadas por esse deslizamento. Não se trata do velho éter. Mas de matéria invisível, densa, que paradoxalmente se comporta como superfície, mas funciona em três dimensões. Talvez ela seja a quarta dimensão tão imaginada.

Percebi essas coisas vendo como a brisa da tarde brincava com a bola na pequena piscina de plástico do quintal. Aconteceu logo depois de ver mais um filme (Blue Dhalia, 1946) com Veronica Lake, a estrela que dominou a cena nos anos 40. Ela costumava interpretar sempre o mesmo papel. A moça mínima, em tamanho e gestos, encantadora sem mexer uma linha do rosto, assedia o príncipe solitário em fuga. Normalmente, o cara é casado (Joel McCrea, Allan Ladd). A situação provoca o desencanto de uma aparente despedida que ela manifesta como a última cartada. “Ok, você está comprometido, mas posso voltar de vez em quando e te empurrar da piscina? Certo, você tem esposa, mas podemos dar uma última volta na praia?”

“Sei que você não é o assassino e eu poderia te ajudar”, diz, cercando seu objeto de desejo de todas as formas. Ela personificava assim a chance de existirem novos casais em plena época da guerra, quando a viuvez e os desentendimentos jogavam na rua pessoas solitárias. Sua determinação significa o fim da solidão para quem já tinha perdido a esperança. O assassino que é caçado pela polícia encontra nela o apoio e a compreensão que lhe faltaram desde a infância. O cineasta excêntrico que tenta partir sozinho para uma viagem de pesquisa para seu próximo filme acaba tendo Verônica Lake como companhia inseparável. O suspeito que tenta resolver as coisas sozinho só consegue escapar com sua ajuda.

Ela não é, portanto, a mulher fatal, como Bette Davis. Fatal quer dizer mortal. Mulheres que matam são fatais. Verônica é a doçura num tempo amargo, a força da concentração por um objetivo em tempos de dispersão. É também a completa inexistência de culpa por preferir o luxo e a relação estável. Sua autoconfiança extrapola a tela e conquista os espectadores. Nos diálogos, era exímia esgrimista. Ela rebatia as falas como se as tivesse realmente inventado.

O que tem a ver isso com a superfície por onde deslizam os astros? Acho que talentos minimalistas como Verônica Lake, que conseguiam criar uma marca só com o ondulado de seu cabelo sobre os olhos, são estrelas que contam com as misteriosas forças que colocam corpos e mentes em movimento. Você jura que é a gravidade, ou uma soma de detalhes superficiais, mas pode ser algo desconhecido, estradas invisíveis por onde passam a graça, a beleza, o charme e o amor que transcende o tempo e impregna a vida de algo que vale a pena.

RETORNO - Imagem desta edição: Allan Ladd tenta escapar do cerco da encantadora Veronica Lake em Blue Dhalia. Em vão. Estrela e astro deslizam em direção um ao outro, inexoravelmente.


EXTRA: DF PREVÊ AUTOCRÍTICA DO VATICANO

Há uma semana, escrevi aqui no Diário da Fonte, sobre a excomunhão em Olinda: "Esse episódio manchou o papado de Bento XVI, que terá de vir a público pedir perdão, revertendo a decisão." Hoje, a previsão confirmada. Vejam dois trechos, um do DF e outro do Globo.com

A PREVISÃO

“A fé não pode estar apartada da razão. Os dois pilares do templo seguram a abóboda dos princípios religiosos. Assumir uma posição obscurantista, sob o pretexto de que está defendendo a vida, é de uma limitação sem fim, tanto sob o ponto de vista intelectual quanto moral. É imoral achar que o estupro é menos grave do que o aborto. O estupro é crime, o aborto, neste caso específico, é uma solução médica para erradicar a conseqüência que colocava em risco a menina. Esse episódio manchou o papado de Bento XVI, que terá de vir a público pedir perdão, revertendo a decisão”.("A Igreja errou",
Diário da Fonte, 7 de março de 2009)

A CONFIRMAÇÃO

"Em artigo publicado pelo jornal da Santa Sé, o Osservatore Romano, neste sábado, o presidente da Academia Pontifícia para a Vida, Monsenhor Rino Fisichella, afirma que os médicos que praticaram o aborto na menina de 9 anos, grávida de gêmeos após ter sido estuprada pelo padrasto, não mereciam a excomunhão. "São outros que merecem a excomunhão e nosso perdão, não os que lhe permitiram viver e a ajudarão a recuperar a esperança e a confiança, apesar da presença do mal e da maldade de muitos", escreve Monsenhor Rino Fisichella, um dos mais próximos colaboradores do papa Bento 16 e maior autoridade do Vaticano em bioética."

"Segundo Monsenhor Fisichella, o anúncio da excomunhão por parte de D. Jose Cardoso Sobrinho colocou em risco a credibilidade da Igreja Católica. "Era mais urgente salvaguardar a vida inocente e trazê-la para um nível de humanidade, coisa em que nós, homens de igreja, devemos ser mestres. Assim não foi e infelizmente a credibilidade de nosso ensinamento está em risco, pois parece insensível e sem misericórdia", escreve o bispo."(
Globo.com, 14 de março de 2009)

13 de março de 2009

TABAJARA RUAS NA BARCA DOS LIVROS


Ligia Walper convida: "Às 20 horas desta sexta-feira, 13 de março, com lua cheia, Tabajara Ruas vai estar na Barca dos Livros. No Encontro com o Autor, vai ter um bate papo com Tabajara e sessão de autógrafos de seu novo romance O DETETIVE SENTIMENTAL. Venha tomar uma taça de vinho e conhecer O DETETIVE SENTIMENTAL, prefaciado por Fabrício Carpinejar.

A Barca dos Livros fica em frente aos trapiches das barcas para a Costa da Lagoa, na Rua Senador Ivo D’Aquino, 103 – Lagoa da Conceição, em Florianópolis. Fone 3879 3208. Esperamos você para um bate papo ao luar. "

No sites das livrarias: "Neste novo romance da Coleção Negra, o autor gaúcho cria toda uma galeria de personagens sentimentais, fantásticos e até mesmo delirantes, que viajam (tanto geográfica quanto psicologicamente) através das Américas, de Porto Alegre a Los Angeles." O lançamento é da Editora Record.

O ESCÂNDALO DAS PERDAS INTERNACIONAIS


O escândalo não é só o fato de o Brasil ter remetido 57,8 bilhões de dólares para o Exterior em 2008, conforme discriminação dos dados na seção Ponto de Vista da mais recente edição da ótima revista Retrato do Brasil, dirigida por Raimundo Rodrigues Pereira, o jornalista brasileiro que não veio ao mundo a passeio. Nem apenas o de essas perdas terem crescido exponencialmente desde FHC em1992, quando estávamos no patamar de dois bilhões de dólares ano. Mas sim o de a grande imprensa não denunciar essas veias abertas do país sem soberania. E também o fato de que Brizola (acima, junto com Getúlio, na foto tirada de um dos magníficos álbuns de Eduardo de Lucca de sua página no Orkut) falava em perdas internacionais e todos riam. Esse caudilho! exclamavam os novos e velhos donos do poder.

Essas são as evidências, segundo a revista mensal Retratos do Brasil, que entra em fase agressiva de ampliação e captura de assinaturas (86 reais por ano) neste link, telefones 11 3037 7316, e-mail vendas@retratodobrasil.com

O QUE MOSTRA A MATÉRIA?

Dinheiro mandado para o Exterior em

1993 – 2 bilhões de dólares
2002 – 5 bilhões de dólares
2008 - 57,8 bilhões de dólares, assim discriminados:

Lucros totais distribuídos e dividendos (lucros distribuídos parcialmente) - US$ 33,8 bilhões
Remessas de juros por conta de empréstimos – US$ 7,4 bilhões
Royalties e licenças pagos a estrangeiros pelo uso de marcas e patentes – US$ 2,1 bi
Pagamentos de serviços de computação e informações – US$ 2,6 bilhões
Aluguéis de equipamentos - US$ 7,8 bilhões
Contas de turismo e fretes - US$ 10 bilhões

Para pagar toda a conta de renda e de serviços, a balança comercial deveria ter sido 131 % maior. Entendeu agora porque, numa sociedade sem fundos, ninguém tem fundos? Porque nossa política é toda voltada para dar de mamar aos estrangeiros. Para isso fizeram 1964 e seu epígono, 1985. Para isso inflaram FHC, Lula e esvaziaram o trabalhismo autêntico. Foi só para isso.

O que significa? Que estamos ajudando a cobrir o rombo da crise provocada por eles, por meio de uma artifício bandido, o de desvincular as reservas financeiras reais dos totais virtuais investidos. “OS EUA são os principais responsáveis pela crise global”, diz a revista. “Criaram e jogaram nas costas de outros países, especialmente os mais fracos, diversas bolhas financeiras, até que a atual, a maior de todas, explodiu em seu colo.”

Vamos aprender enquanto tem jornalista de verdade vivo no país. Uma vez o Chico Anísio disse que Brasil é uma sigla que significa Bravos Rapazes Americanos Irão Levando.

"Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano."(da Carta Testamento de Getúlio Vargas)


BATE O BUMBO: FOTO, RECORDE, FRONT

Explodiu aqui em Florianópolis a descoberta do meu post do ano passado, quando divulguei uma foto dos jornalistas gaúchos que formaram a primeira equipe do Jornal de Santa Catarina, de Blumenau. Enviei o endereço para Mario Medaglia, que aparece na frente da foto e em poucas horas vários blogs reproduziam tanto a imagem quanto o meu texto. Como os dos jornalistas Sérgio Rubim e César Valente. A edição ganhou novos e significativos comentários. Memória: esse é o nosso patrimônio.

RECORDE

Neste dia 12 de março de 2009, o Diário da Fonte quebrou todos os recordes de visitas. Foram 345 visitas únicas e 513 page views. No topo da lista, os leitores que vieram originalmente do blog de César Valente, que comentou o post do DF (links acima) em que mostra a participação dos gaúchos na profissionalização do jornalismo em Santa Catarina. Um pionerismo que me inclui, como redator que fui de Nacional e Internacional naquela redação do JSC, onde aportei quando o jornal nem tinha ainda ido para as bancas. Mas o recorde se deve também às quase 1.600 edições deste jornal virtual e concreto, com destaque para os textos institucionais (com conceitos pelo avesso) sobre Esporte, Reportagem, Design, Consolidação da República etc.

CONDECORAÇÃO

O considerado Mestre Moacir Japiassu publicou no seu
Blogstraquis meu poema Cruz Branca na Lona. O jornalista Augusto Nunes, primus inter pares, escreveu o seguinte nos comentários: “O Nei é sempre nota 10.” Minha resposta: "Nota 10 do Augusto Nunes: isto é uma condecoração de guerra, daquelas que se ganham no meio do tiroteio, com a batalha ainda em curso. Agradecer é pouco, não faz justiça à comenda. O que vale é voltar para o front com o ânimo redobrado".

12 de março de 2009

O ELEFANTE QUEBRA A JAULA


Mais massacres na Alemanha e Estados Unidos. É sempre o mesmo tipo de delito, cometido pelo assassino que decide destruir o que lhe incomoda: família, escola, trabalho. É uma pessoa reservada, quieta, excluída, que vai à forra. Os colegas que o esnobam, o emprego que o demite, os parentes que o atordoam. O assassino procura destruir a própria jaula, pois não tem força, na vida normal, para se livrar dela. Faz parte do encarceramento, foi colocado lá e acaba se tornando conivente. A raiva contra a situação começa no delírio, no sonho, evolui para o planejamento e a ação.

O cara se veste de preto, é um guerreiro ninja. Tem toda a indústria de entretenimento para o encorajar. Os comandos, todos de roupas colantes e armados com a mais alta tecnologia mortífera, escalam prédios, invadem países, resgatam prisioneiros, matam autoridades, caçam mafiosos na maior impunidade. Na Alemanha, o assassino (que chamam de adolescente; com 17 anos não é adolescente, é adulto; adolescente tem treze anos) era filho de um dono do clube do tiro. Tudo a ver. Anos atrás, os dois que atacaram uma escola americana tinham armas em casa compradas pelos pais. O arsenal ajuda, proporciona o ato, mas as fontes são essas: o medo de enfrentar a realidade, a vontade de destruir os grilhões, se libertar, o que só vem com a insânia e a morte.

Italo Svevo, autor italiano da virada do século 19 para o vinte, no seu livro Senilidade tem um trecho revelador sobre o protagonista que imagina o crime: “Tinha sonhado em sua vida até com o furto, o homicídio, o estupro. Sentira a coragem, a força e a perversidade do delinqüente, sonhara com o resultado dos delitos, a impunidade antes de tudo. Mas após, satisfeito com o sonho, encontrara imutáveis os objetos que quisera destruir, e se aquietava com a consciência tranqüila. Cometera o delito, mas não havia danos. No entanto, o sonho se fizera realidade, e ele, que antes o desejara, surpreendia-se agora e não o reconhecia porque antes tinha um aspecto totalmente diverso.”

O inferno desses matadores seriais é o entorno escolar, doméstico, profissional. Eles não se insurgem contra o sistema, a ideologia, o governo, a luta de classes. Eles atacam o que está mais próximo. Sinal que o inferno chegou próximo demais das pessoas e não lhes dá outra saída. Para que a vida de hoje dê certo, é preciso um monte de coisas: boa formação, oportunidades, apoio, orientação, fôlego. Não há lugar para o improviso, a falta de vontade, a fraqueza. Trata-se de uma máquina de produzir fracassados, perdedores.

O sujeito que não consegue namorar, que não sobe na vida, que tem pai, mãe, tia, avós seguindo cada um dos seus passos, esse é o enjaulado perigoso. Ele precisa se libertar, sair. Não se trata de justificar nada em crime hediondo, mas de tentar entender um fenômeno que está se repetindo demais. A sociedade de massas, que toma conta de todos os espaços, não deixando ninguém respirar, gera insatisfação em todos os níveis, inclusive nas pessoas consideradas bem sucedidas. Minha geração foi á rua, a atual resolve matar todo mundo.

No filme Elephant, Gus Van Sant compõe um quebra cabeças: intermináveis cenas que se passam dentro do colégio e como nelas se formam os ninhos de opressão, desconforto, exclusão, frustração, medo. O elefante do título é uma metáfora, se refere a à história dos cegos que tentam descobrir que bicho é aquele com grande tromba, orelhas enormes etc. Cada um, apalpando uma parte do animal, o descreve conforme sua percepção. Mas ninguém vê o conjunto.

Como não se nota mudanças à vista, com milhões de pessoas sendo despejadas de suas casas e trabalhos em todo o mundo, com os comportamentos sociais intensificando suas neuroses, a tendência é piorar. Mais massacres virão. Vai chegar uma hora em que cairá no vazio as caras de espanto e as lamentações. É preciso cair a ficha.

11 de março de 2009

A PAUTA, O POLEGAR E O BREQUE


Nei Duclós (*)

Pauta é o que está na cara de todo mundo e ninguém vê. “Quanto o Telê Santana ganha?” perguntou um dia Jorge Escosteguy, o Scotch, para o repórter. “Não sei, não perguntei?” respondeu o setorista. “Mas por quê?” quis saber Scotch. “Porque ele não ia me dizer mesmo”. Ao que o editor replicou: “Você precisa perguntar. Se ele não te responder, essa é a pauta”.

A partir do insight da pauta, parte-se para a apuração. Não precisa ser uma tortura, como na investigação policial. Ou um emaranhado de técnicas e expedientes, como na advocacia. Mas uma aventura, como nos melhores romances. Há mais chances de acertar no veio do assunto se o instinto ficar alerta. Seguir os trâmites consagrados leva sempre ao mesmo lugar: ao encalhe. Farejar a pauta e seguir o que ela aconselha conquista leitores.

Isso não significa ir atrás de picuinhas, exotismos, bizarrices. O que é enfocado de maneira forçada como original acaba sempre na mesmice. Uma pauta pode estar nos classificados, como acontece na história escrita por Jerome Cady, que tinha 45 anos quando tomou uma dose excessiva de pílulas para dormir e morreu no seu iate em 1948, um pouco depois do lançamento de Call Nightside 777. Jerry Cady, como era conhecido, era um escritor de sucesso e este filme, dirigido por Henry Hathaway, conta como uma reportagem investigativa livra um prisioneiro de ficar a vida toda na cadeia.

Começa com uma pauta sugerida pelo editor, estrelado por Lee J. Cobb. O repórter, James Stewart, esnoba, acha fraco. O anúncio oferecia cinco mil dólares por uma informação que livrasse um condenado à prisão perpétua. Stewart o considerava culpado, mas foi atrás. Descobriu que anúncio tinha sido feito pela mãe do acusado, lavadora de chão e que economizara por 11 anos o dinheiro para remunerar quem soubesse de alguma coisa. O repórter fez uma matéria humana e deu por encerrado o assunto. O editor então levou-o até o presídio e lá aconteceu. A pauta era a inocência do presidiário. E não o amor da mãe extremosa e esforçada.

Hoje temos o jornalismo do polegar. Na televisão, o repórter fica de costas para uma cena e aponta com o polegar o que está atrás dele. Acontece em quase tudo que é matéria. O aquecimento do mercado de ventiladores, por exemplo. Os trabalhadores ficam ao fundo e o repórter joga o polegar para cima deles.

Ficou um pouco fora de moda, talvez pelo excesso de uso, o jornalismo de breque, mas ainda sobrevive. A passagem tem um ritmo quase frenético de frases que jorram para cima do espectador. A fala prepara algo surpreendente. No momento em que vai ser colocada a chave do enigma ele suspende a voz, fica mudo, olhando significativamente para a frente. Dura poucos segundos. É o breque. Logo em seguida, vem a revelação.

Todos esses artifícios tentam mascarar a pobreza da pauta. Não há investimentos para a reportagem, então o jornalista se vira como pode. É preciso uma grande massa de profissionais, com liberdade de ação, para poder gerar alguma coisa que preste. Não pode fazer de cada repórter massa de manobra para inúmeras passagens, suítes e repetições de assuntos. O que se faz hoje é seguir receitas, como se o noticiário fosse um cardápio de pratos feitos. Para dourar a pílula, existem as materinhas humanas, com repórteres especializados naquela voz de ninar o Papa.

Repórter é bicho arisco, bruto. Não que vá fazer rapel para mostrar como a coisa funciona ou comer alfafa com chocolate e dizer “hum, está muito bom”. Precisa de liberdade e de um editor que lhe coma os calcanhares. Como Jason Robards em “Todos os homens do presidente”. É um editor clássico. Mas o cinema é o melhor dos mundos para o jornalismo, pois dificilmente tem repórter na redação. O cara está na rua, correndo perigo. De repente o acaso, ou sua insistência, colhe o material que salva sua vida. Pelo menos, naquele dia.

Era a pauta, jogada fora como um toco de cigarro vagabundo.

RETORNO - 1.(*) Crônica publicada nesta quarta-feira na minha coluna semanal do Literário, do Comunique-se. 2. Imagem desta edição vespertina: o repórter James Stewart, sentado, e o editor/pauteiro Lee J. Cobb, em "Call Northside 777", de Henry Hattaway.

CÂNCER É REAÇÃO AO FUNGO


O Dr. T. Simoncini (foto), de Roma, descobriu que o tumor cancerígeno é provocado por um sistema de defesa do organismo, que reage à contaminação do fungo Cândida, encontrado em 98% de todos os tipos de câncer (achavam que o fungo vinha depois de se manifestar a doença, mas, segundo o médico, é o contrário, ele é a causa). Não é, portanto, como se diz há cem anos, uma multiplicação de células provocado pela genética ou desequilíbrio molecular. Hoje, morre mais de 80 milhões de pessoas por ano devido à doença. A terapia é simples: basta usar bicarbonato de sódio, que mata o fungo. Claro que essa descoberta poderá destruir toda a indústria que se criou ao redor da doença. Por isso, vem sendo boicotada e tratada como teoria da conspiração. Não caia nesse erro!

Duas observações. Primeiro, descobri porque odeio matéria de saúde. Porque é sempre para justificar a indústria médica e farmacêutica e para colocar a culpa no paciente. É de doer ver uma sucessão de babaquices catequistas de como a coisa funciona, quando eles não sabem nada, nem médicos nem jornalistas. Outra coisa, absolutamente de partir o coração: minha mãe morreu de câncer e se finou aos poucos, numa agonia que acabou conosco. Meu pai era siderado por bicarbonato de sódio, vivia tomando. E dizer que o remédio estava na prateleira!

Quem me repassou um e-mail com detalhes e links sobre o assunto foi o mestre Moacir Japiassu. E o Diário da Fonte, com sua porção serviço público, faz o mesmo. Atenção, o que vem a seguir está entre aspas, portanto, não é de minha lavra (e nem de Japiassu; ainda não descobri o autor do texto). Mas dou força para todas as informações aqui:

A CURA DO CÂNCER

"Um médico italiano descobriu algo simples que considera a causa do câncer. Inicialmente banido da comunidade médica italiana, foi aplaudido de pé na Associação Americana contra o Câncer quando apresentou sua terapia. O médico observou que todo paciente de câncer tem aftas. Isso já era sabido da comunidade médica, mas sempre foi tratada como uma infecção oportunista por fungos - Candida albicans. Esse médico achou muito estranho que todos os tipos de câncer tivessem essa característica, ou seja, vários são os tipos de tumores, mas têm em comum o aparecimento das famosas aftas no paciente. Então, pode estar ocorrendo o contrário - pensou ele. A causa do câncer pode ser o fungo. E, para tratar esse fungo, usa-se o medicamento mais simples que a humanidade conhece: bicarbonato de sódio."

"Assim ele começou a tratar seus pacientes com bicarbonado de sódio, não apenas ingerível, mas metódicamente controlado sobre os tumores. Resultados surpreendentes começaram a acontecer. Tumores de pulmão, próstata e intestino desapareciam como num passe de mágica, junto com as Aftas. Desta forma, muitíssimos pacientes de câncer foram curados e hoje comprovam com seus exames os resultados altamente positivos do tratamento."

"Para quem se interessar mais pelo assunto, siga o link (em inglês):não deixem de ver o video, no link abaixo. O médico fala em italiano, mas tem legenda em portugûes. Lá estão os métodos utilizados para aplicação do bicarbonado de sódio sobre os tumores. Quaisquer tumores podem ser curados com esse tratamento simples e barato. Parece brincadeira, né? Mas foi notícia nos EUA e nunca chegou por aqui. Bem que o livro de homeopatia recomenda tratar tumores com borax, que é o remédio homeopático para aftas. Afinal, uma boa notícia em meio a tantas ruins."

"De novo, a pergunta que não quer calar: por que a grande imprensa não dá a menor cobertura a isso? Nem na TV, nem nas rádios, nem nos grandes jornais... Absolutamente nada. Quem os proíbe de noticiar? O médico teve que construir um site, para divulgar o seu trabalho de curar o câncer (ou, pelo menos, várias das suas formas), usando apenas solução de bicarbonato de sódio a 20%. Imaginem! Bicarbonato de sódio, coisa que a gente encontra até no boteco da esquina. "

"Neste endereço, o vídeo, onde o médico italiano mostra a evolução do tratamento até a completa cura em 4 casos. Neste, o site em Português. Clicando-se nas bandeirinhas no alto da página, muda-se o idioma Repasse, gente. Milhares estão à beira da morte por causa dessa doença."

"Vai acabar a farra dos lucros dos laboratórios... - é por isto que a notícia está reservada aos pequenos círculos ?!?!?!? A ganância das multinacionais que lucram bilhões de dólares com medicamentos em todo mundo, faz que governos e a grande imprensa que recebe milhões de dólares escondam esta cura tão simples????Cabe agora que organismos sérios formados por pesquisadores honestos e independentes prossigam nestas pesquisas, é possível que algumas formas de câncer provocadas por radiação solar, ou radiação atômica não sejas tão fáceis de curar assim, contudo outras centenas de tipos de câncer poderão ser curadas com métodos tão simples e baratos como esse! Bicarbonato de sódio!"

RETORNO - E a Paula Oliveira, hem? Silêncio total e absoluto sobre o caso. Quando uma vítima de sequestradores mostrou, no Rio, suas cicatrizes na pele, falei: "Ora, isso foi você que provocou!" Não pude resistir.