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24 de março de 2009
AMOR ESTRANHO
Nei Duclós (*)
O amor à Pátria é um sentimento estranho. Não faz sentido amarmos algo que não tocamos, já que nação é mais do que paisagem geográfica, é um pedaço inacessível de pano, longe, ao vento. É um começo de hino, um sotaque, um andar, um reclame. Não implica rebento, não faz parte do mundo animal, não tem ligações de sangue. País é como um parente distante, sobre o qual desconhecemos a origem, não reconhecemos laços, desconfiamos. Não está incluído na natural proteção que damos ao objeto amado, quando agarramos, beijamos, suamos, lambemos o que gruda e arranha .
Pátria não tem corpo, é mais um acordo, uma idéia, no máximo duas cores (as outras são coadjuvantes). Então, que estranha compulsão é essa que nos inunda quando abraçamos a bandeira e gritamos o nome do país que imaginávamos não amar mais? Talvez porque o amor à Pátria, ao contrário do egoísmo dos amantes, seja aberto, amplo, generoso, que se espraia pelo tempo, praias, horizontes. E volte, sempre que houver motivo ou o dever nos chame.
Chegamos até a admirar os outros, que por suas pátrias possuem um amor sem dúvidas, já que vivem batendo no peito as heranças, como se o sentimento fosse invisível e precisasse, a cada momento, confirmá-lo diante de todos. Nós somos diferentes. Nosso amor à Pátria é muito mais estranho. Perdemos a pista de suas fontes. Não há o que amar, pensamos, num país tão próximo e distante. Por isso, talvez, emigramos. Queremos esquecer a exclusão, a violência, o vexame.
Mas algo maior nos chama. Finalmente a perdiz, entocada pelo cachorro, levanta vôo no pampa. O caçador segue o vôo com a mira. O cano obedece a ondulação suave da ave em fuga. O tiro seco então ecoa no campo. O baque surdo do pássaro no chão desencadeia a trilha nas patas afiadas de Pingo, o cão ensinado. Meu pai acertou em pleno vôo. Dentro do carro, de olhar cruzando o vidro, meu coração fica aos pulos.
Meu pai volta seu olhar profundo em minha direção. Ele sorri. Uma grande nuvem azul, chumbada pela luz do entardecer, toma conta da paisagem. O carro fica estacionado no acostamento, na curva da carreteira. Pingo late para Deus, que está a cavalo.
Pátria, pai, bandeira: somos um país. E damos o assunto por encerrado.
RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 24 de março de 2009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: Brasileiros, foto de Juliana Duclós, na praia de Ingeses. 3. Trechos de textos amarrados a eventos costumam se perder no mar de posts do Diário da Fonte. É bom reuni-los numa nova composição, para que ganhem o destaque merecido.
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