Nei Duclós (*)
Pauta é o que está na cara de todo mundo e ninguém vê. “Quanto o Telê Santana ganha?” perguntou um dia Jorge Escosteguy, o Scotch, para o repórter. “Não sei, não perguntei?” respondeu o setorista. “Mas por quê?” quis saber Scotch. “Porque ele não ia me dizer mesmo”. Ao que o editor replicou: “Você precisa perguntar. Se ele não te responder, essa é a pauta”.
A partir do insight da pauta, parte-se para a apuração. Não precisa ser uma tortura, como na investigação policial. Ou um emaranhado de técnicas e expedientes, como na advocacia. Mas uma aventura, como nos melhores romances. Há mais chances de acertar no veio do assunto se o instinto ficar alerta. Seguir os trâmites consagrados leva sempre ao mesmo lugar: ao encalhe. Farejar a pauta e seguir o que ela aconselha conquista leitores.
Isso não significa ir atrás de picuinhas, exotismos, bizarrices. O que é enfocado de maneira forçada como original acaba sempre na mesmice. Uma pauta pode estar nos classificados, como acontece na história escrita por Jerome Cady, que tinha 45 anos quando tomou uma dose excessiva de pílulas para dormir e morreu no seu iate em 1948, um pouco depois do lançamento de Call Nightside 777. Jerry Cady, como era conhecido, era um escritor de sucesso e este filme, dirigido por Henry Hathaway, conta como uma reportagem investigativa livra um prisioneiro de ficar a vida toda na cadeia.
Começa com uma pauta sugerida pelo editor, estrelado por Lee J. Cobb. O repórter, James Stewart, esnoba, acha fraco. O anúncio oferecia cinco mil dólares por uma informação que livrasse um condenado à prisão perpétua. Stewart o considerava culpado, mas foi atrás. Descobriu que anúncio tinha sido feito pela mãe do acusado, lavadora de chão e que economizara por 11 anos o dinheiro para remunerar quem soubesse de alguma coisa. O repórter fez uma matéria humana e deu por encerrado o assunto. O editor então levou-o até o presídio e lá aconteceu. A pauta era a inocência do presidiário. E não o amor da mãe extremosa e esforçada.
Hoje temos o jornalismo do polegar. Na televisão, o repórter fica de costas para uma cena e aponta com o polegar o que está atrás dele. Acontece em quase tudo que é matéria. O aquecimento do mercado de ventiladores, por exemplo. Os trabalhadores ficam ao fundo e o repórter joga o polegar para cima deles.
Ficou um pouco fora de moda, talvez pelo excesso de uso, o jornalismo de breque, mas ainda sobrevive. A passagem tem um ritmo quase frenético de frases que jorram para cima do espectador. A fala prepara algo surpreendente. No momento em que vai ser colocada a chave do enigma ele suspende a voz, fica mudo, olhando significativamente para a frente. Dura poucos segundos. É o breque. Logo em seguida, vem a revelação.
Todos esses artifícios tentam mascarar a pobreza da pauta. Não há investimentos para a reportagem, então o jornalista se vira como pode. É preciso uma grande massa de profissionais, com liberdade de ação, para poder gerar alguma coisa que preste. Não pode fazer de cada repórter massa de manobra para inúmeras passagens, suítes e repetições de assuntos. O que se faz hoje é seguir receitas, como se o noticiário fosse um cardápio de pratos feitos. Para dourar a pílula, existem as materinhas humanas, com repórteres especializados naquela voz de ninar o Papa.
Repórter é bicho arisco, bruto. Não que vá fazer rapel para mostrar como a coisa funciona ou comer alfafa com chocolate e dizer “hum, está muito bom”. Precisa de liberdade e de um editor que lhe coma os calcanhares. Como Jason Robards em “Todos os homens do presidente”. É um editor clássico. Mas o cinema é o melhor dos mundos para o jornalismo, pois dificilmente tem repórter na redação. O cara está na rua, correndo perigo. De repente o acaso, ou sua insistência, colhe o material que salva sua vida. Pelo menos, naquele dia.
Era a pauta, jogada fora como um toco de cigarro vagabundo.
RETORNO - 1.(*) Crônica publicada nesta quarta-feira na minha coluna semanal do Literário, do Comunique-se. 2. Imagem desta edição vespertina: o repórter James Stewart, sentado, e o editor/pauteiro Lee J. Cobb, em "Call Northside 777", de Henry Hattaway.
Pauta é o que está na cara de todo mundo e ninguém vê. “Quanto o Telê Santana ganha?” perguntou um dia Jorge Escosteguy, o Scotch, para o repórter. “Não sei, não perguntei?” respondeu o setorista. “Mas por quê?” quis saber Scotch. “Porque ele não ia me dizer mesmo”. Ao que o editor replicou: “Você precisa perguntar. Se ele não te responder, essa é a pauta”.
A partir do insight da pauta, parte-se para a apuração. Não precisa ser uma tortura, como na investigação policial. Ou um emaranhado de técnicas e expedientes, como na advocacia. Mas uma aventura, como nos melhores romances. Há mais chances de acertar no veio do assunto se o instinto ficar alerta. Seguir os trâmites consagrados leva sempre ao mesmo lugar: ao encalhe. Farejar a pauta e seguir o que ela aconselha conquista leitores.
Isso não significa ir atrás de picuinhas, exotismos, bizarrices. O que é enfocado de maneira forçada como original acaba sempre na mesmice. Uma pauta pode estar nos classificados, como acontece na história escrita por Jerome Cady, que tinha 45 anos quando tomou uma dose excessiva de pílulas para dormir e morreu no seu iate em 1948, um pouco depois do lançamento de Call Nightside 777. Jerry Cady, como era conhecido, era um escritor de sucesso e este filme, dirigido por Henry Hathaway, conta como uma reportagem investigativa livra um prisioneiro de ficar a vida toda na cadeia.
Começa com uma pauta sugerida pelo editor, estrelado por Lee J. Cobb. O repórter, James Stewart, esnoba, acha fraco. O anúncio oferecia cinco mil dólares por uma informação que livrasse um condenado à prisão perpétua. Stewart o considerava culpado, mas foi atrás. Descobriu que anúncio tinha sido feito pela mãe do acusado, lavadora de chão e que economizara por 11 anos o dinheiro para remunerar quem soubesse de alguma coisa. O repórter fez uma matéria humana e deu por encerrado o assunto. O editor então levou-o até o presídio e lá aconteceu. A pauta era a inocência do presidiário. E não o amor da mãe extremosa e esforçada.
Hoje temos o jornalismo do polegar. Na televisão, o repórter fica de costas para uma cena e aponta com o polegar o que está atrás dele. Acontece em quase tudo que é matéria. O aquecimento do mercado de ventiladores, por exemplo. Os trabalhadores ficam ao fundo e o repórter joga o polegar para cima deles.
Ficou um pouco fora de moda, talvez pelo excesso de uso, o jornalismo de breque, mas ainda sobrevive. A passagem tem um ritmo quase frenético de frases que jorram para cima do espectador. A fala prepara algo surpreendente. No momento em que vai ser colocada a chave do enigma ele suspende a voz, fica mudo, olhando significativamente para a frente. Dura poucos segundos. É o breque. Logo em seguida, vem a revelação.
Todos esses artifícios tentam mascarar a pobreza da pauta. Não há investimentos para a reportagem, então o jornalista se vira como pode. É preciso uma grande massa de profissionais, com liberdade de ação, para poder gerar alguma coisa que preste. Não pode fazer de cada repórter massa de manobra para inúmeras passagens, suítes e repetições de assuntos. O que se faz hoje é seguir receitas, como se o noticiário fosse um cardápio de pratos feitos. Para dourar a pílula, existem as materinhas humanas, com repórteres especializados naquela voz de ninar o Papa.
Repórter é bicho arisco, bruto. Não que vá fazer rapel para mostrar como a coisa funciona ou comer alfafa com chocolate e dizer “hum, está muito bom”. Precisa de liberdade e de um editor que lhe coma os calcanhares. Como Jason Robards em “Todos os homens do presidente”. É um editor clássico. Mas o cinema é o melhor dos mundos para o jornalismo, pois dificilmente tem repórter na redação. O cara está na rua, correndo perigo. De repente o acaso, ou sua insistência, colhe o material que salva sua vida. Pelo menos, naquele dia.
Era a pauta, jogada fora como um toco de cigarro vagabundo.
RETORNO - 1.(*) Crônica publicada nesta quarta-feira na minha coluna semanal do Literário, do Comunique-se. 2. Imagem desta edição vespertina: o repórter James Stewart, sentado, e o editor/pauteiro Lee J. Cobb, em "Call Northside 777", de Henry Hattaway.
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