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27 de janeiro de 2023

BRISA NOTURNA

 Nei Duclós 


Brisa é vento mulher

Não sopra, como um vento qualquer 

Assoma, em forma de flor


Frescor de noturno andar

Quando o verão está de matar


Estrelas forram seu vestido

Rosto de olhar comprido

Tira o mais medroso

Para dançar 


Nei Duclós

26 de janeiro de 2023

EM GUARDA

 Nei Duclós 


Não luto mais pelo que é seguro

Nem acredito em lendas do passado

Planto no presente o fruto maduro

O que procuro sem nenhum cuidado


Ingênuo, direis, isto está previsto

A falsa isenção dos derrotados

Fujo da determinação do que está escrito

Sujam meu nome e invadem minha casa


Pois passem ao largo, inconscientes pálidos  Verdugos de uma operação datada 

Tenho o tirocínio contra o certo errado

Cumpro o que ninguém decide em desacato 


Não há heroísmo no cidadão à parte

O que denuncia a voragem dos esbirros

Anotações de punições falsas


Cultivo apenas uma  convicção, a coragem

Faço da linguagem minha secreta arma

O poema que esqueces mas te põe em guarda


Nei Duclós

25 de janeiro de 2023

AOS PEDAÇOS

 Nei Duclós 


Tu me afasta 

E não é por palavras ou gestos

Por fora chega a ser simpática 

Mas é por tuas florestas, tuas feras

As mágicas que aprontas quieta

Teu olhar que se desvia

Toda vez que me aproximo


Não era preciso tanto esforço em ser avessa

Eu já entendi

Flor que me espedaça 


Nei Duclós

CONVÍVIO

 Nei Duclós 


Estendi a mão sem nenhum castigo

Porque essa é a vocação, sair do umbigo

Depois não me queixei quando fui mordido

Estava previsto, faz parte da confusao que compartilho


Conviver é não entender o sentido

Apenas deixar levar, barco a deriva

No fim dá no mesmo, vamos para o abismo

E nenhuma geração fará a coisa certa


Estamos na solidão e aprendemos

Que existe além de nós algo mais fundo


Quando batemos no chão aí acordamos


Nei Duclós

23 de janeiro de 2023

SERVIDÃO

 Nei Duclós 


O alvo da tua fúria está fora da mira

Situa-se dentro de ti, ira sem rumo

Atinges um inimigo   complicado 

Teu gesto onde a razão se perde


Não precisa perdoar quem merece tua atenção 

Basta ver onde a flecha se aloja

Tua  mão de tacape em punho

A surrar-te achando que bates


Pergunte a suas cicatrizes

Se venceste ou não

Elas lhe dirão, servo do cárcere 


Nei Duclós

CENA

 Nei Duclós 


A roupa não  esconde

Antes mostra o que o corpo sonha

Nós dois no entardecer do Sena


Ou de qualquer outra pintura

Desde que haja nudez em porções de seda

Ou de algodão, o tecido assina 

A obra que és tu, divina criatura


Nei Duclós

ATIRADO

 Nei Duclós 


Não vou insistir, ganhaste o jogo

Nem vou mandar recado para ter esperança 

Ou enviar mensagem por antigos endereços 

Você me conhece, tenho meu preço 

Que é do amor não aceitar conserto 


O que estragou fica para semente

Que sirva de lição para o verbo amante 

Gastei meu latim e não ocupei o trono

ao mesmo tempo abandonei o reino


Hoje é ruína, casca e caroço

E uns objetos atirados a esmo

Não preciso de ti, amor que não confesso


Nei Duclós

21 de janeiro de 2023

AGORA

 Nei Duclós 


Agora que ninguém está vendo

A não ser você e seu olho grande

Quando até a lua se recusa a dizer aonde

meu olhar te encontra nua de um tudo

Pode confessar, formosa nomade

Que este encontro está escrito desde o início do tempo


Foi o Poema que nos deu

Esse rosto de amor sem nenhuma garantia

Apenas tu e eu, palavra que nunca se perdeu


Nei Duclós

CRIATURA

 Nei Duclós 


Pelo tato você enxerga o corpo de quem ama

Mais do que a visão ou o cheiro

E percorre seus acidentes geográficos

O tórax, os ombros, a curva do pescoço

E a ligação entre a coxa e os ossos

OS joelhos que se articulam em pobres movimentos

A planície do dorso, a chuva dos cabelos

E as serpentes que molejam os braços


Tudo isso longe do fazer sexo

Apenas a investigação suprema

Do teu amor humano que não se engana a toa

E sabe que a mão chegará à  essência

Mesmo que não queira

O veneno da atração sem nada que a retenha

Quando então você se atira, faisca no lombo

Lança quebradiça, vitrine de aço 


És um painel preciso de diamantes foscos

Mulher natural sem retoques

Direto do Criador,  vagalume, monstra


Nei Duclós

19 de janeiro de 2023

QUIMERA

 Nei Duclós 


Corpo gasto, desafeto

Só a palavra sobrevive ao massacre

Como estou não mostro

Sou o monstro do que eu era


Mas imagino, quimera

Do desejo como oficina do amor

Dá-me tua mão, maneira

De manter-se vivo

De paixão 


Nei Duclós

BANHO

 Nei Duclós 


Lavou-te o mar, beldade urbana

cultivada na acidez do trânsito

o banho moldou-te o mármore

gotas na taça do champagne


Umbigo que prova o sal, vândala

vinda de fomes e jogo de ânsias

teu gesto endurecido cede à onda

e o corpo ganha ritmo no balanço


Estás pronta, como noiva do Oriente

que busca no olhar a face lânguida

e ondula os braços como serpentes


Desça da carruagem e descalça alcance

o que te dou de graça, neste recanto

de pedra e fendas que sem dó afundo


Nei Duclós

17 de janeiro de 2023

COMPOSIÇÃO

 Nei Duclós 


Procuras a palavra ainda viva

Que se refugia, vítima, na loja de consertos

Nenhuma medicina te mostra o esconderijo

Ela soluça, como um sapato no frio


Teu pé não cabe no calçado

Não alcança a ponta do casaco

Que cobre a fugitiva sem retoques


Tudo é  um disfarce com nenhum sentido

Danças ao som da  confusão

 

Palavra viva, quem me garante 

Que tenho chance, prefiro o lance

De compor sem verso uma canção  


Nei Duclós

FREIO

 Nei Duclós 


É como se o tempo puxasse o freio de mão 

A quarta vira terça 

Ontem é depois de amanhã


A blasfêmia antes da palavra dada

A solução embutida na charada

A confissão que precede o crime

O amor que desiste sem provar o estímulo 

A prisão que condena o tribunal 

A flor do mal devorando a poesia

A vocação inútil , tudo já está feito 

O principio como era no fim


È como se voltasses sem ter ido embora

Prazer que adivinha a hora 

Cama no lugar do portão 

Onde namoro o que só Deus decide


Para que a emoção dure

No tempo certo

Sem previsão pois tudo está perfeito


Nei Duclós

15 de janeiro de 2023

PROGRAMA

 Nei Duclós 


Você é paga para ser feliz

Sorrir é seu melhor trabalho

Fingir surpresa no flagrante

Usar roupa  curta para que perguntem

Encostar-se no sofá fazendo pose

Com as pernas para o ar a sugerir escândalo 


Depois vem para mim, fora do alcance

A pedir comida e só tenho espanto

Como podes ser de todos enquanto minha amante

Por que me escondes, poeira de estrelas?


Essa relação não vinga porque tens vergonha

Medo de perder teu belo  sustento

Se souberem que és mulher de um sujeito tosco

Com a idade errada e aspecto de meliante 


Fatalmente te jogariam longe

Pois teu segredo deve  ser um charme

E não um pobre bicho que te espera à noite

Com uma refeição de lençol que arranha

E um bruto cobertor para me enrolar sem jeito

A me conversar que precisas do dinheiro

Mas que és minha, e morres se me mando


Nei Duclós

7 de janeiro de 2023

FOGO

 Nei Duclós 


Você incendeia a  criatura

Põe fogo onde era água 

Depois não segura


Não tente apagar

Com tua geleira

És pedra e metal

Bizarro bombeiro


Fuja antes de tocar

Para evitar o problema

Pense no que vai fazer

Enquanto é  tempo


Guarde o isqueiro

Até ter certeza

Ela é palha só no começo 

Depois é madeira de lei

Queima para sempre


Nei DuclósFOGO


Você incendeia a criatura

Põe fogo onde era água 

Depois não segura


Não tente apagar

Com tua geleira

És pedra e metal

Bizarro bombeiro


Fuja antes de tocar

Para evitar o problema

Pense no que vai fazer

Enquanto é tempo


Guarde o isqueiro

Até ter certeza

Ela é palha só no começo 

Depois é madeira de lei

Queima para sempre


Nei Duclós

BAGAGEM

 Nei Duclós 


Tudo comigo fica para sempre

Bilhetes de amor, chapéus de feltro

O quintal que grudava no rio

Os acampamentos


Tudo permanece apesar do tempo  

As perdas, estudos, amizades


Guardo bagagem para embarcar um dia

No navio onde serei capitão 

Na direção do destino, o vento.


Nei Duclós

6 de janeiro de 2023

CATEQUESE

 Nei Duclós 


Não devo me aproximar pois estou exausto

Quando querem me ensinar como a vida funciona

Catequese de um verbo em queda livre

Como se eu fosse uma alma sem orientação 


Nada tenho a aprender de tanta autoajuda

Filosofia ao portador em permanente exposição 


Nasci antes de Deus quando Deus desistiu

Do modelo que saiu quando o barro se formou 

Ele partiu para longe em outra direção 

E soprou a alma imortal que perdi no Paraíso 


Vim ao mundo sozinho, um mísero cão 

E nego a caridade desse aprendizado

Do dessemelhante e sábio professor


Vá ler os filósofos que fizeram antes

Mais e melhor do que a vigarice atuante

Seja sacerdote das tuas certezas

Que eu sou de outra criação 


A que sobreviveu escutando os anjos


Nei Duclós

NO AEROPORTO

 Nei Duclós 


Até comprei roupa nova para te conhecer

Banho de loja na véspera da emoção 


Mas você não se impressionou, sonho de mulher

Procurou em meus olhos a essência do que sou 

Mesmo mendigo eu faria melhor

Se soubesse o que vês com tua intima flor 


Riste do meu esforço de aparecer

Como um príncipe de shopping e cabelo de jogador

Preferiste as palavras que enviei a teu dispor

Teclas de veludo e versos de amor


Ao me revelar ao vivo foi encantador

O modo como demonstraste tua decepção 

Então eu atirei toda a roupa ao  chão 

E  voei no aeroporto mais do que um avião 


Nei Duclós

2 de janeiro de 2023

PERIGO

Nei Duclós 


Posto nas redes o que ao vivo não me escutas

Foges de mim quando me aproximo

Porque achas já sabido o que eu não disse

Como se fosses sábia pitonisa egípcia 

E eu oráculo de uma Creta de subúrbio


Então me fecho e guardo para o éter 

O que deveria enriquecer na tua consulta

Pelo fato de existirmos no concreto

E não essa assombração de esconde esconde


Um beijo então  

nem se discute 

Por isso fantasio com as estrelas 

Elas me amam só que ainda não sabem

Saberão quando eu conseguir chegar bem perto


A poesia é expediente perigoso

É a única que as sereias temem

As musas se protegem, saem correndo

Na hora em que chego com meu verso


Prometo que ainda sou inocente

Mas mulher não acredita e fica atenta


Volte, digo

Mas é inútil meu apelo


Nei Duclós