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30 de junho de 2019

O MELHOR JORNAL DA REGIÃO


JACK O MARUJO NO BOM DIA FLORIPA

O melhor jornal da região dispara: há 200 anos jogamos esgoto no mar. E ainda falamos em qualidade de vida.

Na última página: Jack, O terraplanista do mar. Jack o Marujo implica e estoca quem se atreve a fazer perguntas.


POEMAS PARTIDOS

Nei Duclós


Esses poemas partidários
Cúmplices de tiranias
Cegos pela ideologia
Solidários com os crimes

Esses poemas datados aparelhados
Desperdiçam a grandeza do poeta
Que se foi antes que os verdugos
Aproveitassem sua obra para obter eterno poder

Esses poemas desamparados pela utopia traída
Moram em meu coração
Eu os recito levantando o punho

O sonho se realiza quando tudo estiver perdido




DIGO TANTO

Nei Duclós


Digo tanto que nem acredito
Desconfias que o principal eu guardo
Que economizo para o fim do inverno

Pode ser verdade
Costumo esquecer os melhores versos
Depois descubro que eles te cercam
Mas não escutas, feminina seda


DESLUMBRE

Nei Duclós


Desejo que extrapola gera desconforto
Ponha-se ao alcance do meu beijo
Vivo nos limites fisicos do querer-te
Mss só quando consentes invado o terreno

O prazer mantem-se no banco da espera
Navegue seus ombros para o deslumbre sincero


VI DEUS

Nei Duclós

Vi Deus, finalmente
Suas faces de ferro
Suas mãos de granito
Seu corpo de gelo

Ou foi apenas um deus
O Tempo


BRINCADEIRA


Nei Duclós 

Para você foi tudo uma brincadeira.
Nossos pés expulsando o inverno.
Beijo mais intenso
do que uma tempestade.
Os gritos de amor noite adentro.

Foste embora como lufada de vento
 que vibra a rede na varanda.
Nem viste a lua despencando
 no canteiro que cultivamos.




27 de junho de 2019

OSCURO OLIMPO


 Nei Duclós

 Te quiero, diosa
Como quiere un diós la más hermosa
En este Olimpo sin mitologia
Con todo amor
Y su oscura geografia

Quiero tu cuerpo
Que es la vida que jamás
tendré un dia



PITONISA, A LENDA

Nei Duclós


Um cavalo pasta a nuvem
E revela a lua
Monto na garupa
Tuas costas noturnas

Multidão de estrelas
Caem sobre o dorso
Em que habita o rosto
De selvageria

Inventei a lenda
Flor oferecida
Debruças o corpo
Sonho que adivinho




DEUSES INVISÍVEIS

Nei Duclós


Do nada fez-se o mundo, provam os cientistas
Deus providenciou tudo, acreditam os fiéis
O Acaso define-se pelo capricho, notam os curiosos
O Criador é o artista maior, basta ver o crepúsculo

Não resta ao poema senão dedicar-se a assuntos menores
Como a flor no quintal, o desagravo do herói
A multidão que cruza o mar por uma nova vida
O amor que tarda, o sonho impossível

O poema é o que ocupa o Tempo em sua odisséia
Rezando a deuses invisíveis
que se manifestam nos trovões
e no grito dos recém nascidos




PÉS DE BARRO

Nei Duclós


Tentei chegar na rua
Mas foi- se tempo
em que eu pisava estrelas
e me encantava com a surpresa
de encontrar a lua

Mantenho-me quieto
como adivinho à espera
de um anjo que trará escrita
a canção ainda não composta

Tudo é armadilha do poema
tua flor oculta
meus pés de barro



24 de junho de 2019

ZERO


Nei Duclós

O óbito zera tudo
Os diplomas, os salarios
Até mesmo a memória

O universo não sente falta do que devora

Fica apenas esse pio de pássaro no entardecer da eternidade

E as mãos do sol sumindo no abismo
Puxando a noite pela rede de estrelas
A única que te consola




O INCRIADO


Nei Duclós

Os antigos estavam mais perto de Deus
E O representavam em monumentos talhados nas montanhas
Seus altares ainda sobrevivem em forma de pedras maciças
Indecifráveis vestígios de uma civilização fundada na arte
Que é a fé exposta ao toque dos descendentes

Somos depositários do que não compreendemos
E por isso devemos ficar contritos diante do mistério
Que é o Incriado, fonte do que somos
Humanos de olhos em pânico
Voltados para o infinito



A FACA NA ÁGUA

Nei Duclós


A poesia não está na palavra
Mas não há outro caminho
A não ser o canto estilhaçado
De quem busca o voo no ventre da asa

Esses versos que se espalham
E se concentram sugerindo vozes
O som das vogais no verbo "sonora"
A vida consoante o silêncio

A infância autentica, que não mais lembramos
Mas que a poeta captura
Pelos vestígios
De uma arqueologia como cerração
Espessa para quem acorda
Linha de fio da faca na água
Para ver o que tem dentro

A dura liquidez pingando num livro aberto
Em que a linguagem passa e deixa nos espinhos da trilha
Um fiapo animado pelo vento
Uma confluência de inúmeros achados e perdas
Um reencontro sem as velhas vestimentas



RETORNO -Sobre o livro ÁGUA DURA, de Juliana Meira
( Artes & Ecos, 73 pgs.)

É SIMPLES

Nei Duclós

É simples ser mulher, ela me disse
Complico para evitar abuso
E nisso acabo acostumando
Fico triste só de implicante
Acho graça quando ninguém está vendo

Não quer subir? ela me disse
Na hora em que eu estava desistindo


MURALHA DE GELO

Nei Duclós


É um vício te fazer companhia
Eu poderia abandonar-te, como fizeste um dia comigo
Mas imagino que uma aventura não tem limite
Há terras além da muralha de gelo
Há mapas que mostram o desapego
Entre a lógica e o Tempo

Basta saber o que fazer
Com esses domingos de inverno
Em que caminhas em ruas tranquilas
Sob um céu de primeira missa




SINAIS DE PANDORA

Nei Duclós


Esses versos que visito
E nunca mais participo
São minha porção da desmemória

Algums ficam
Como as ruinas depois da tempestade
O vento não é o momento
Mas sua travessia

Escuto a poesia que foi embora
E recito os sinais que se soltam
Da caixa de Pandora




PELE ARISCA

Nei Duclós


Não há motivos para tanta poesia.
Guarde-se para os piores dias
Faça contas e veja
Quantas manhãs ainda te restam
Escreva sobre a dor, poeta
Já que perdemos o dom da alegria

É o que dizem
Quando passam a toda
Pela minha janela
Mas eu encontro só o que vibra
Desejo e sonho em tua pele arisca



20 de junho de 2019

NAVAJO

Nei Duclós


Não fugi para um rancho no México
Fiquei no desfiladeiro segurando o fogo
Todos os companheiros se salvaram
Menos eu
Mas levei para o buraco um batalhão de inimigos

Nunca fui índio
Mas me chamam de Navajo
Hoje meu corpo faz parte das pedras do deserto
e alimenta as ervas cultivadas pelos lagartos

Eu nada tinha a perder
depois que ela levou um tiro
e caiu dos meus braço




RETORNO - Imagem: Kody Dayish, ator e diretor de “Unbroken Code” em Santa Fe

10 de junho de 2019

ATLAS

Nei Duclós


O tempo é feito sem relógios
Mas com os dentes que formam as montanhas
O sol se põe depois das dez
Seus raios penetram a pedra na véspera da noite

Tudo é obra dos gigantes que sustentam a terra
Atlas tem ombros de mármore
O mundo está estacionado
Como navio imóvel em calmaria

Só o vento forjará o movimento
É quando a eternidade convoca os ponteiros



PALAVRAS

Nei Duclós


Tem palavra perigosa
Que marca data
Para o desencontro

Tem palavra que escorrega
Te deixa esperando

Tem palavra sem sentido
Um bilhete que se desmancha na chuva

Tem palavra que se entrega
Esse rosto que se cobre com tua lágrima

Tem palavra fina
Tem palavra bruta



MASSACRE


Nei Duclós

Estamos em guerra, dizem
Não é verdade
Na guerra há chance de sobrevivência
O inimigo é declarado
O objetivo é a vitória que estabelece a paz

Na guerra há barbárie mas termina num acordo
E há a memória de batalhas e heróis
Mesmo que haja injustiça

Nós, ao contrário, não estamos numa guerra
Estamos sendo massacrados
O noticiário é um funeral
O poder e sua oposição fazem parte das quadrilhas

A cidadania não está entre nós
Os virtuosos roubam
os derrotados se vingam
a mocidade morre

Somos uma sociedade terminal
Até quando vamos anunciar o pior?
Quando chegar a nossa vez



O ESTRANGEIRO

Nei Duclós


Vou embora porque fiquei louco
Deixo uma nação que inaugurei aos poucos
Lutei contra o mal disfarçado de anjo
Descubro que sou mortal, vinho no mangue

Fica o exemplo, quando comprei a cordilheira
Morada dos deuses que ninguém levou fé
Depois doei para que a cidadania
Tivesse orgulho de tão sólido presente

Pareço mendigo pois ando aos andrajos
Com ferrugem no elmo e magro Rocinante
Mas nasci para transformar o mundo
De moinho abandonado a próspero gigante

Fui seguido por todos os quadrantes
Nas aventuras que inventei em trilhas desertas
Repassei a promessa de ilhas e continente
Agora fico só, passageiro de Caronte

Coloquem as cores do meu lenço
Na portas e quintais como bandeira
Quem foi? perguntarão
Apenas um estranho
Mas a praça com multidões não ficarão em silêncio

Anunciarão em surdos tambores:
É o coração da terra, o que veio distante
E ficou dentro de nós, poeta do nosso tempo
Trecho de luz que se fez humano
O estrangeiro que acreditou no sonho


3 de junho de 2019

JOGUEI FORA

Nei Duclós


Joguei fora as silabas
Para ficar só com a palavra
Peixe sem embalagem
No balcão transparente da linguagem

Evitei assim gaguejar o sentido
Que cometemos ao retalhar a carne
Foi o jeito de preservar o todo
sem as partes que lhe atrapalham

Depois, deitei sobre o entulho
Observando as aves
Lá se vão as frases que flutuam
Sem a liga das letras em sua margem

O verbo sem a roupagem
Que o faz invisível no discurso
É voz de criaturas flagradas
Soprando nos ouvidos seus abusos



POETA DE RUA

Nei Duclós


Sou poeta de rua
Troco verso por comida
Uso paredes e muros
para a vil literatura

Aos mendigos me misturo
Nas exposições da praça
Mas prefiro a língua culta
Já estou exausto da gíria

Não aceito encomendas
Acróstico e outras frescuras
Não rimo por conveniência
Nem trovo galo de briga

Sou invocado e soberbo
Como um nobre da República
Bebo só quando convidam
Durmo com a luz da lua

Assino meus sentimentos
Com toda desenvoltura
Sou peça de outro tempo
Nas vitrines do subúrbio




HORA DECISIVA

Nei Duclós


Tua perda é plena, porque dela vieste
Mas essa origem não te condena
Te libertas com o poema
Que costuras de memória
E com amor, linhagem de uma vida

O adeus não cicatriza, ferida aberta
É teu passaporte para a ausência
Por tê-la, nos braços desde a infância
E ainda mais agora, hora decisiva

Escorre para o nada quem já foi tudo
Escapa no vazio que o destino arruma
Nele estão os momentos, a flor e a agonia
Mas dentro de ti ela se apruma

Mãe que te abraçou, glória da natura
Que em Deus habita e reza por sua filha