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30 de novembro de 2020

ENTREGA

 Nei  Duclós 


Falta em ti algo que ainda não preenches

E que em vao procuras com as antenas

Eu tenho a cura mas temo

Não ficar a altura de tão abissal desejo


Por isso viciei na tocaia

Estou sempre onde não devo

Você  com sua gruta na saia

Eu adivinhando o vento


Talvez consiga tua entrega

E eu entre com o fogo aceso

Não é para vencer o escuro

Mas cumprir a lei da natureza


Meu corpo bate nas paredes

Da tua pele intacta

Berras para a lua, inclemente



DIVERSOS

 Nei Ducl ós  


Temos em comum as plataformas

Os formatos digitais, a família de letras

O mesmo tipo de relação aos pés dos posts

Os liike e as indiferenças


Mas não somos iguais

E sim de outra natureza

Sou bicho do mato

E tu da realeza 

Convivemos em diversos planetas

Saio cedo para plantar

Enquanto ficas em casa

Volto para cear

E ainda estás dormindo, princesa

Faço o jantar

E te beijo com o poema

És a melhor porção da colheita

Mulher que me deita

E fecha meu perfil suspeito

Abrindo os olhos de açucena 



29 de novembro de 2020

FABULA SONORA

 Nei Duclós 


Ele comecou a cantar depois de um acidente grave

Eram orações de voz espichada e alta

Com distorções que reverberavam em templos


Orações desconhecidas que alcançavam estradas sonoras acima das nuvens

Unindo religiões e dispondo a paz em cada canto conflagrado

na Terra em estado terminal


Começaram a adorá-lo como profeta

até  que tudo passou


Ele acordou em Jerusalém e quis ir para Roma ao lado de Sara

que o contemplava desde os primeiros acordes da sua fase sagrada



28 de novembro de 2020

A ÚLTIMA PÉTALA

 Nei Duclós 


Para o mundo ficar mais autêntico

Era preciso separar flor e mulher

Deixar de falar em sorriso de criança

Rir do crepúsculo 

Esquecer Deus

Denunciar as boas maneiras

E garantir que ninguém é inocente


Quando hoje vejo moças, mulheres, idosos e menores de idade sendo espancados pela truculência armada

Descubro que era para isso, chegar a esse nível

Que nos convenceram a deixar de ser humanos

Destruindo todos os sinais da gentileza e admiração pela beleza alheia


Cultivaram o terreno com espinhos e plantas carnívoras 

Gargalhando por sermos românticos

E. nos chamando de alienados


Agora a flor ficou inviável 

A não ser que você  ainda guarde a última pétala entre teus seios de amor


26 de novembro de 2020

CICLONE

Nei Duclós 


Mulher é  admirável porque tem um corpo

Presença de chegar, pipoco, assombro 

Arrasa quarteirão, vulcão, ciclone 

Ser lhe basta para afluir  coadjuvantes


Homem é  visto em porções, não gera vento

Ninguém nota o galante como um terremoto

Que a mulher provoca, Ava Gardner, Sophia Loren

Lady Di ou Eva Mendes 


Mulher é  um sufoco quando anda 

Ou simplesmente assume qualquer trono

Tem majestade de berço, estrondo de gênero 

Inimitável por ser criação estupenda 

Não precisa de nada, dirão: dinheiro!

Mas esse não é o foco 

E sim uma performance

Calcanhar, cabelo, gesto ao largo

Fazendo sinal ao Supremo que llhe deu talento

Habite a Terra, disse Ele, mostre a que veio

Que todo o resto lhe fará a corte 

Mesmo não sendo rainha apenas o que disseram existir

O ser humano


25 de novembro de 2020

GATA

 Nei Duclós 


Você é  gata

Mas nada te define

Chamo assim por admiração e hábito

Adoto a imagem comum que não representa

Mas serve para eu dizer o que dá gana


Nem gosto de felinas porque arranham

Mas são graciosas vistas a distância

Se pões uma seda com ombros à mostra

Dá vontade de latir mas me conformo


No fundo sou eu o animal doméstico

Pet da preguiça, perseguidor escasso

Minha ração é esse corpo em curvas

Olhar lânguido e cérebro de fera


Quem me dera avançar no pedaço

Mas tua prudência impede, pescoço de guizos

Evito o escândalo e ouço baixinho

O ronronar que emites no canto da sala


Ou sobre a cama, pele de camurça 

Dentes de amianto, pernas que me captam

Lanças um  beijo e eu corro na frente

E trago a teus pés, delicia de saias



23 de novembro de 2020

VIAGEM NO TEMPO

 Nei Duclós 


O tempo não volta atrás porque não lembra

Acha que nasceu torto, um parafuso a menos

Que é  essa mania de seguir em frente

Falha no mecanismo, flecha em céu redondo


Ele pede socorro no eterno presente

Precisa de segurança para viver muito antes


Mas como herdeiro do trono não tem esse direito

Seu poder está limitado à dura linhagem

Não pode ter esperança na viagem

Que o leve ao paraíso, sonho que demora


Por isso não tenho chance, minha pastora

Jamais terei de volta teu sopro eterno

Fico ao redor do teu rosto e tua imagem

Vives no estrangeiro, a Lua ou Marte


19 de novembro de 2020

DIFERENÇA

 Nei Duclós 


Mulher  é  fraca, não se defende

Homem é  bruto e se arrepende

Mulher é  forte, sabe por onde

Homem é frágil, um pé de vento


Pode mudar o perfil do gênero

Porque a diferença não mais depende

Das capacidades ou do fôlego

Mas do que está dentro da alma errante


Ofereço a flor sem parecer pedante

E tu decide se me aceitas

Eu te quero e por isso aprendo

A viver como tu no limite extremo

Apenas mortal no amor eterno



O ANJO

 Nei Duclós 


Escapa-me a vocação 

Com tanta força

Que as palavras ficam órfãs 

Da poesia

E o que era conforto se confina

No pânico do vazio

De uma escritura


O dom em fuga perde a fibra

E o que foi companhia hoje é rua

Ao relento teço  no cortiço 

O último som da epifania


Não sabia que tudo vem do anjo

Que sopra do acervo do divino

Achava que era eu o sonho humano

E não o que mora muito acima


Escalo novamente a montanha

Para poder vislumbrar a planície

Chego ao topo e o poema

Bate asas no retorno de uma esfinge



BARRA

 Nei Duclós 


Amor é o que se espera 

No coração desta hora

Não palavras de amor

Com sentimento de perda

Mas ganho de corpo em flor

Perfume do bom concerto

Sinfônico realejo

Num papelzinho da sorte


Amor que chega do Norte

E no sul o sonho instala 

Rosa dos ventos, mandala

Diáspora do rosto deserto

Concentração de um conceito

O ser sem nenhum freio

A não ser o beijo alheio

Que na noite alta trava


Amor feito um cocheiro

Cego que inventa a estrada

E pega em bruto rodeio

A cintura de uma fada


Amor que dança uma valsa

E sussurra num bolero

Que arrasa em pequena orquestra

E cai em qualquer conversa


Amor que bem cedo venha

De manhã ou logo à tarde

Desde que eu fique no meio

A segurar sua barra 


18 de novembro de 2020

COROA MAL ASSOMBRADA

 The Crown 4 

COROA MAL ASSOMBRADA


Nei Duclós 

Num filme, história baseada em fatos reais é, como qualquer outra, cinema. A quarta temporada de The Crown se baseia em folmes clássicos para contar a maldição da família real britânica. Como em As regras do jogo, de Jean Renoir (1939) apresenta a nobreza britânica selecionando os adventicios, como Margaret Thacher ou Diana Spencer, por meio de testes que são armadilhas. O confronto entre os nobres e o resto é  uma véspera de desastres como notou Renoir ao comentar seu clássico ambientado no clima sinistro da segunda guerra iminente.


O que conta são roteiros, cenas, interpretações e cenários que funcionam como cinema. Só assim haverá chance para a História. Por isso The Crown lança mão de outro tema clássico, abordado por Giuseppe Tornatore em Estamos todos bem (1990), baseado em Era um vez em Tokio, de Yazujiro Ozu ( 1953), em que pais visitam os filhos para ver como estão e sofrem ao descobrir a realidade.


Finalmente, a série mostra como uma comédia romântica vira um pesadelo bergmaniano de cenas de um casamento.


Vemos então Lady Di entrando em parafuso na maldição da coroa, Thatcher enfrentando o vazio de uma aristocracia criminosa, e a rainha enfentado seus terrores tentando se manter firme no trono que precisou eliminar parentes indesejados acometidos de doenças mentais, entre outras situações.


Vemos como a princesa é  ameaçada pelo sogro e como é  deixada de lado depois de gerar o futuro rei.


Informações técnicas pela internet. Aqui abordamos a obra na minha perspectiva de Todo filme é sobre cinema.


Nei Duclós

14 de novembro de 2020

FÁBULA

 Nei Duclós 


O dia foi demais

Não sobrou energia

À noite, quando ela dormia

A lança mergulhou no mel


Nada mais natural

Para uma rainha

E seu súdito fiel



BRUTO AMOR

 Nei Duclós 


Não é o poema que pega

Caprichar em cada letra 

Extrapolar no soneto

Expor vanguarda de erudito


Tampouco fechar no sentimento 

Dotes de solidário espectro


Nada disso consta no que pega de jeito

No coração alheio 

Só sendo você mesmo sem disfarces

Poderá tocar na flor e assim mesmo

Remotamente

Para evitar o estrago e o medo 

Qúe pode provocar teu bruto amor



11 de novembro de 2020

VOLTEI

 Nei Duclós 


Já  tinha dito amei porém  esqueci

Lembrei quando voltei a ti

como se fosse a primeira vez 

E lá estavas tu, sorriso ainda em luz

A seduzir pelo tempo todo quem te vê 


Só amei mesmo quando não mais resisti

Ao fôlego da tua presença em flor

Fogo brando a me fazer sentir

O quanto perdi do teu amor

Que estava ali desde o inicio



10 de novembro de 2020

PAISAGENS

 Nei Duclós 


Todos sonham com a musa

Inventam encontros namoros

Ou simplesmente acompanham o esplendor da sua beleza


Ela e cada um de nós temos uma vida à  parte

Admirar a sua arte é pura transcendência

Cultivamos paixão de adolescência

Ou convívio em paisagem madura


Musa é  uma forma de não sermos sós

Por seu intermédio e a sua revelia

trocamos lances afetivos

Ficamos melhores

O amor real também é  uma fantasia


.

DESFILADEIRO

 Nei Duclós 


Não posso mais te amar

assim como tu me deixas

Pensamos diferente e pode sair briga

Você fica no pódio das noticias funestas

Baladas criminosas sob escudos de palha


Eu me recolho

Preciso assestar baterias contra tudo

Fiquei só no desfiladeiro

Bandidos tentam chegar até mim

Espero que não estejas entre eles

Porque meu alvo é amplo e a arma neutra

Aponto com este mortal instrumento

O poema



POEIRA

 Nei Duclós 


O que existe é involução


Fomos criados gigantes com vida longeva de mil anos

e colocados no paraiso


Hoje somos lagartos no pântano

e vamos virar amebas no caldo primordial


Depois seremos apenas espirro de estrelas


Será à  noite, meu bem

Cairei em poeira brilhante no teu colo azul de saudade


9 de novembro de 2020

AMIGOS

 Nei Duclós 


Tempo, o que você  fez com os amigos?

Mudaram eles e eu continuo o mesmo?

Ou será o contrário?


Tempo, cortaste o vínculo 

Ou amizade não passou de fantasia?


Nem sempre o que vivo

Vira poesia


8 de novembro de 2020

É FÁCIL DIZER

 Nei Duclós 


É fácil dizer eu te amo 

você sempre acredita

Mesmo sabendo que tiro o time de campo

Toda vez que tenho outro encontro


Gosto de ouvir que me amas

Mesmo sabendo que é um engano

Que se repete todo Natal ou Ano Novo 


Não trocamos ilusões 

Apenas momentos de sermos amantes

Mesmo sabendo que não dispomos

De nenhuma chance 



CALENDARIO

 Nei Duclós 


É bom saber que hoje é  domingo

E os dias continua assim batizados e divididos

Embora saibamos que nada mais é  o mesmo


Há um gosto permanente de segunda-feira

Os meses se embaralham sobre a mesa

Equanto a vida real permanece na geladeira

Junto com os alimentos  vindos em delivery


O que faremos no Natal e Ano Novo

A não ser assistir solitários  comédias românticas

Enviar e receber presentes pelo correio?

Ainda vale vestir roupa branca?

já que está proibido pular as sete ondas


A esperança é  que termine não apenas este ano

Mas o calendário de perdas e danos

Para revisitarmos a cidade da infância 

E viajar para paisagens imensas

Que  existem apesar de nós 

E longe do pesadelo


Os dias voltarão a ser iguais

mas com uma diferença 

Faremos balada na terça 

Iremos à missa na quinta

E jantaremos juntos em Paris

Ou no boteco da esquina



6 de novembro de 2020

AO AR LIVRE

 Nei Duclós


Fiquei triste. Um rictus marca o canto da boca. Aconteceu sem eu perceber. Achava que poderia resistir, que era inesgotável a fonte de esperança e alegria. Evitei o baque me iludindo mas o corpo expõe as cicatrizes.


Bastaria o sol não ficar mais escondido para eu encerrar este ciclo. No escuro fabrico a poesia, único reduto do amor que não se entrega.


Saio ao ar livre e a Lua me enxerga. Vivo abaixo das nuvens que ela manipula em suas fases. Sou um coração na terra nua. Não me aconselhe, já visitei o futuro. Sei o que jamais direi, amiga. Não se impressione, é  só poesia. Essa arte que nos une em pleno apocalipse.



DESAFIO

  Nei Duclós 


Pandemia é quando pomos pijama

E moramos na cama

Com intervalos de geladeira

Abandonamos os restaurantes

Os garçons são os motoqueiros 

Damos aula na  cozinha

Fazemos shows na sala

No celular demoramos

Nem vamos mais para a fila dos bancos


Todos aguardam a vacina

Mas o que vem é a segunda onda

O mundo deixou de ser humano

Somos apenas um bando

A errar mensagens e ler notícias pela metade

Tudo agora pertence ao passado

Nesta época em que diziam ser o futuro

Ganhamos o tempo embrulhado para presente 


Perdemos 

Só nos resta vencer o duro desafio da sobrevivência 


5 de novembro de 2020

BOITATÁ

 Nei Duclós 


Perdi a alma no acampamento

Voltamos para a cidade sem conseguir achá-la

Descarregamos a tralha e ela não estava

junto aos grumatãs na rede

Na caixa de anzóis

Na cartucheira

Na barraca verde sebosa


A alma teria se escondido só  por rebeldia?

Cansada do meu quarto, cadernos, escrivaninha?

Meu olhar no teto imaginando amores?


Queria ação, queria pesca

Continuar descendo o rio até as pedras

Onde moram os dourados


A alma ficou, livre no mato e no pampa   

Por isso sempre volto para visitá-la

Tire o barro dos pés, me diz 

Puxe um banco para o  chimarrão

Logo começa a escurecer, mazanza

E aí o boitatá vai aparecer

De olhos grandes


3 de novembro de 2020

PEDRAS

 Nei Duclós 


O que hoje são pedras

Que se amontoam em formas bizarras

A lembrar antigos templos

Paredões de catedrais sem santos

Altares soltos em trilhas detonadas

E faces de gigantes talhadas nas montanhas


Não foram pedras

Eram seres orgânicos

Mudavam de forma em caldeirões

Cercaram as águas para que jorrassem eternamente


Não foi a maldição que as imobilizou em esculturas disformes

Foi o próprio tempo

Que não conseguiu 

matá-las por serem feitas

À imagem e semelhança de um Deus enorme



2 de novembro de 2020

FADAS

 Nei Duclós 


Leio o verso sem vínculo

Ou raízes 

Como criatura unicelular

Verso sem sentido 

Madeira com verniz sobre nuvem que não existe 


Talvez essa poesia tão difundida 

Seja fruto da falta de tudo

Que assola as palavras

E portanto, a vida


O oposto é  o poema formiga

Seguido pelo olhar em decúbito dorsal

Negação do épico e do lírico

Ou arcádico 

Como se toda poesia já feita fosse perda de tempo

E curte tomar assento na baliza

Vanguardas de abismo 


Um só soneto antigo

Pode desbastar o mofo que medra na pose supimpa

Ou um verso mínimo 

Daqueles que derrubam

Por não ter frescura , apenas ofício duro

Forja que não dispensa a fagulha que alimenta as fadas


LIVROS

 Nei Duclós 


Tínhamos um livro debaixo do braço

Os Quatro Quartetos  de TS Eliot

Numa versão pequena em português do grande poema

Éramos amigos de algumas editoras

José Olympio que nos dava Drummond e outros maiores de bandeja

A Brasiliense, a Nova Fronteira, a Paz e Terra

A Abril com seus Pensadores

A Globo de Porto Alegre, com Proust e todo o cânone 


Éramos íntimos de tantos autores

Lorca Maiakovski Érico Verissimo e o mais proximo de todos

Monteiro Lobato, o da Chave do Tamanho


Hoje não somos insetos graças ao Visconde 

Que traiu a boneca de pano

E votou como povo para que não fôssemos

Devorados pelo gato gordo da fazenda 


Os livros são  nossos professores

Amigos do peito, familiares 

Aplaudimos no final de um romance

Escrevemos  poesia depois de uma antologia


Hoje continuamos a ser os livros que nos criaram

Andamos como folhas sendo lidas

Exibimos capas surradas na cara veterana 

Vivemos em capítulos, trágicos como Lord Jim de Conrad

Habitados como o autor do Pequeno Príncipe

Eruditos como historiadores do interior

Contamos histórias fazemos poemas


Somos a humanidade rumo ao desfecho

Quando a última página nos liberta da leitura

E nos leva para Deus, que gosta de ler

E tem uma biblioteca que é  um assombro