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31 de agosto de 2020

TUA ARTE

 Nei Duclós


És feita de unhas roxas e arranjo de flores

Mas essa não é tua arte

Feita de amores variados e amizades drásticas

Todas fantásticas

Mas essa não é  tua arte

 

És feita de pele mediterrânea e cabelo de ouro

Cultivada em viagens pelo mundo

Jerusalém Mar Morto Monte Carlo

Jamais Paris que em ti não cabe

 

Pesas na maquiagem para ir à ópera

mas essa não é tua arte

 

Tua arte é quando sou o alvo

Ao te querer sem desconfiar

Que entre tantas de ti és única

Com teu jeito de touro ariano

O que chega primeiro em Pamplona

E rasga o ventre do infeliz palhaço

 

Mas sou resistente

E aguardo que canses, açúcar demerara

Disfarçada em mulher má e impaciente

Sei onde pousa teu pé no sofá da sala

Lá permaneço em guarda, miserável gato

 


É COMPLICADO

 Nei Duclós

 

Parece simples a flor que te ofereço

E mostro sem pensar em seu defeito

De ser singela como num país o povo

Sem sofisticação ou classe

 

Entendo pois não há segredo

Em algo que é  pétala e haste

E serve para enfeitar a saia

Ou alegrar a festa em bouquet ou jarro

Flores que fenecem num desmaio

 

Mas a que te dou tem outra natureza

É complicada como no divã o gênio

Colho do teu corpo, amargo e azedo

Vibro com o espinho que penetro

 

Não por ser bruto mas ameno

De um ira fecunda como as feras

Que arrancam gritos mas te defendem

Porque o amor é  humano, não bonito

 


FINAL

Nei Duclós 

 

Agora que falei senti remorso

Não pelo mau uso da palavra

Ou por expor o que estava oculto

Mas pelo vazio que isso provoca

É como o êxtase inoportuno

 

Conseguir no momento errado

Entregar-se sem nenhum futuro

Abandonar o local do crime

Devastado pelo arrependimento

 

É isso o que sinto

No final de um poema

que não faz mais sentido

 


DESAPEGO

 Nei Duclós


 Tudo em mim é  desleixo

A biografia, a aparência

Nada me importa e tenho dito

Nesse desapego que me joga fora

 

Se queres vencer faça bom proveito

Ou fracassar, da tudo no mesmo

Também não sirvo como exemplo

Não vendo transgressão pelo bom preço

 

O que tenho então que valha a pena

se nada me define ou contenta?

Sei lá, amor que jamais chega

Enquanto observo a vida sem sossego

 


PONTO DE APOIO

 Nei Duclós

 

O poema é  meu ponto de apoio

Quando a palavra balança e caio

Ele não deixa que eu desmorone

No chão ainda posso levantar-me

O verso me puxa, balde no poço

Água que banha o corpo pobre

 

Assim me recomponho

Acompanho a pé o comboio

Canto a vida contra a morte

 


LENÇOS

 

Nei Duclós

 

Agora sabemos como somos, está na rede

Algumas cadeiras, um sofá

Mesa com utensílios, louça para almoço e café

Um jarro no canto, estantes

A cama sob um pôster de amor

O criado mudo, um chuveiro com cortina

E janelas para quintais ou varandas

Salas sóbrias, cozinhas pequenas

Piso varrido e luminárias

 

Casas e apartamentos com nossa cara

E o isolamento, a solidão, a memória

E este aceno permanente no convés do destino

Para lenços vibrantes

Molhados de vontade e suor

 

ATENÇÃO

 

Nei Duclós

 

Coração de flor

boca de batom

Vontade de dizer

Mesmo sem saber

da tua atenção

que tento atrair

em vão

 


FÓRMULA

 Nei Duclós

 

Amor machuca, dura ao doer

Se for só flor murcha de vez

Amor é  ser

humano, quer ver?

 

Tente viver sem cair

Amor é andar, sucumbir

E não planar na platitude

É uma atitude: vamos dançar?

Posso pisar teu pé

Mas estou de olho em você

 

Essa é  a fórmula: perder

Única chance de sonhar

Ou queres a ciência de descobrir a pólvora

Depois que tudo explodir?

 


 

 

28 de agosto de 2020

ALDEIA

Nei Duclós

 

A maioria desistiu, foram embora

O que partiu de vez, foi tua história

O que foste perdeu -se em  confusão

E permaneces em ti, tua pior companhia

Convives apenas com os cães de rua

Que invadem as casas em busca dos donos

 

És o último carteiro, teu uniforme puido

A bicicleta  troncha, o boné  sujo

E essa pilha de envelopes selados

Contendo pétalas secas que ela te enviou

de uma aldeia perdida

Nos montes Urais

 


VIDRO

 

Nei Duclós

 

Quem está perdido grita por socorro

É o que acontece comigo com a poesia

Você que me desconhece não escuta

O verso não chega a Java Escócia Cuba

Sentes um ruído mas é  estranho

Quem adivinha a rota do pelicano

 

Jogo ao mar a mensagem no vidro

Estou por pouco, digo no pergaminho

Não precisa me buscar

Basta que saibas de quem é  o grito

 


 

21 de agosto de 2020

AGRADECIMENTO

 Nei Duclós


Somos instrumentos do prazer profundo

Nossos corpos são mensageiros do êxtase

Não devemos ter vaidade por sermos amantes

Apenas agradecimento


TEU OLHAR

 Nei Duclós


Qual dessas pessoas é você?

A que está na frente, ao lado

Ou a que mal aparece?

Talvez seja quem tirou a foto

Nesse caso, o teu olhar é  o meu

E não te enxergo


COURAÇA

Nei Duclós


 

Tem quem me ama e se afasta

Quem nunca vi e gosta à distância

Os que não me suportam

A maioria indiferente

 

Sou um cacto  no deserto

Orgulhoso da solidão como se fosse um prêmio

Com sua couraça de espinhos e carne amarga

Longe do oásis, providencio minha própria água

Que recolho em cântaros de barro

 

Recebo os peregrinos com piedade

Pois sei que sairão feridos

Pela decepção e o assombro

De existir alguém que de perto bate

Tendo a aparência de um milagre

A origem dessa situação é obscura

Pois sendo cacto nada enxergo

Mas desconfio que é  o meu coração

Que te dei em vão, beduína sem disfarce

Que eu não soube amar por ser confuso

 

Imaginei que poderias perdoar-me

Mas a chuva que não vem secou-me a alma

 


 

RESSACA DO AMOR

 Nei Duclós


Ressaca do amor quando me afasto

E tenho dúvidas que contigo não divido

Sumo de vista e me pergunto

Pode a paixão ser só um vício?

 

Aplacamos a sede e depois partimos

Há um poço em cada duna do deserto

Será você minha verdade sublime

Serei eu o teu sonho soberano?

 

Amor nasce fortuna mas logo cansa

Melhor é  ser avulso e não aflito

Levanto da cama e dás um grito

Acordas com cara de bandida

 


15 de agosto de 2020

DERRAMA

 Nei Duclós


 

É suave quando transborda

E roça  da cabeça aos pés

Derramando-se sinuosa

Rodeando cada acidente

Uma curva, um monte, o mato ralo em frente

As colunas do templo mais abaixo

Que sustentam as mãos

Em sérios procedimentos

 

Assim grudamos 

Para passar a noite

Terminamos expandindo o expediente

Durante o dia também  somos amantes

 


 

PERDIDO

 Nei Duclós


 

Você está por toda parte

Nos filmes e exposições  de arte

Na plateia dos desfiles de moda

e nas passarelas

 

Usas farda, toga, camisola

Atendes no comércio e advogas

 

Não para provar capacidades do teu gênero

Assunto retórico

Que de tão  óbvio já deu para bola

Mas porque só  tenho olhos para ti

 

Nas mulheres que perdi

Em minhas histórias

 


TUDO ISSO

 

Nei Duclós

 

Tem quem crie galinhas

E os que inventam palavras

Colecionadores de vinhos

Os pintores de paisagens

Gente que guarda amores

Caroneiros de estradas

Escritores de memórias

Cultivadores de fadas

Observadores de pássaros

Cozinheiros de pousadas

Navegadores de mares

Os  que azeitam as armas

Os que definem compassos

Os que vivem em silêncio

Os que publicam na praça

Os amantes da alegria

Os dramáticos palhaços

 

Eu prefiro a poesia

Que é  tudo isso

E mais nada

 


14 de agosto de 2020

SUJEITOS E OBJETOS

 Nei Duclós


Sujeitos são objetivos

Objetos são subjetivos

 

O par de meias vive brigando

e a toda hora um deles some.

O fone  de ouvido não  larga os óculos.

Toalha que precisa entrar na fila para ser lavada

sente  ciúme das que ficam limpinhas.

Temperos se atiram no chão

toda vez que procuro outra coisa .

 

Enquanto  isso

o motorista do táxi me informa:

São dez real.

 


RÁPIDA

 Nei Duclós

 

É rápida a minha fantasia

Arranjo histórias com final feliz

É volto a jato ao início

O que perco me fascina

Recupero nas planícies da alma

Ganho só  solidão

 


POENTE

 

Nei Duclós

 

Atinjo o drama sem apoio do poema

A dor sem o testemunho

A lágrima não diz na hora incerta

Quando desisto de encher com pompa

A mala da literatura

 

Invento amores brinco de roda

Primeiro  na calçada no ritmo das meninas

Depois nos bailes de terno azul escuro

 

Sangra o peito do homem sem assunto

Porque prefere sofrer em silêncio

Até ouvir o que está  na frente

A mulher que o destino não  esconde

 

Mostre o que ficou no fundo

O amor que se acabou como um poente

 


RODIZIO

 

Nei Duclós

 

Planto milho onde colhi trigo

Verduras entre plantas vadias

Substituo folhagens por arbustos

E rosas junto às  margaridas

 

A terra é  generosa

nas margens do Nilo

Aguardo que as águas voltem ao rio

e os pássaros migrem

para que o clima, meu amigo

seja o verdadeiro agricultor

 

Quando os silos estiverem cheios

surgirão nas nuvens

e nos paredões de granito

os evidentes sinais do amor

 


TALVEZ

Nei Duclós 

 

Ninguém que me ama está acordada

Talvez não exista, página virada

E o silêncio seja a rotina

da eternidade

 


CONVÍVIO

 Nei Duclós


Tornas impossível o convívio

Quem te outorgou fazer tantos reparos?

Esqueces de onde vim e quem sempre fui

Arranje um funcionário

 


 

 

GUERRA

 

Nei Duclós

 

Tempo de remorsos e desculpas

Fonte deprê de um tempo mau

Em que a coragem virou pregação de moral

E ação é  cobrar bom comportamento

 

Há um enjoo sacerdotal

Uma revoada de falsos anjos

na porta principal

 

Na guerra ninguém  pede licença

 


CONSULTA

 Nei Duclós


 Repito o que fiz há pouco

Por puro esquecimento

Checo a porta já fechada

Tomo de novo o remédio

Custo a descer do táxi

Adio o tratamento

Não saio, posso voltar

para outro endereço

 

O que eu tenho agora, doutor?

pergunto alarmado

Idade, disse o esculápio

Com menos 30 anos você melhora

 


ABSTINÊNCIA

Nei Duclós

 

Quem te trata bem esnoba

Quem xinga te considera

Irmão dispensa provas

Quem conhece não faz teste

 

A distinção é armadilha

 consideração um álibi

Potro selvagem não se enreda

Só uma dose embriaga

Abstenha-se do néctar nobre

 


AS FERAS

Nei Duclós


Tenha cuidado  com as palavras

Não  é  conselho do bem, é técnica

Na prosa ou poesia elas podem zoar contigo

Parece que dizes algo

Mas elas te traem

Distorcendo os sentidos

 transbordando o sentimento

Lambuzando tua intenção com remendos ,

Te fazendo de bobo, tu tão sensível

Mas que não domina o tranco

das meliantes

 

São criminosas porque não servem

para os serviços legais

Vieram de outro tempo e vivem à  margem

Não se submetem como os animais

 

Entre em acordo com as feras

Elas ficam de tocaia

Devoram quem se arrisca do mar

pisando cegamente no cais

 


REBENTO

Nei Duclós

 

Rebento é a prova das juras de amor eterno

Em carne, sangue e herança

Jamais se afasta para sempre

Cresce diante do nós como planta

E nos acompanha até o desfecho

Quando nos encomenda a Deus

Com suas mãos cheias de doçura

 



AO REDOR

Nei Duclós

 

Permita que eu fique a teu redor

Mesmo à distância

Com meu amor obsoleto, romântico

E provoque riso quando apontam

O sujeito subjugado pelo sentimento

 

Permita que eu te faça a corte

Mesmo em silêncio

E digam que sou inoportuno

Cão sem dono

 

Ninguém tem o que eu tenho

Essa presença de flor dentro da gente

Esse vento numa praia vazia

Onde reina uma estrela do mar

Teu rosto moldado pelo espanto

O corpo que dispensa o defeito

E tua alma, linguagem que jamais decifro

 


NOTURNO

 

Nei Duclós

 

Cansei de dizer amei quando deveria calar-me

Palavras devem ser mantidas em segredo

E só dizê-las quando estiver perto

E estiver mudo como um bicho noturno

Que no escuro vibra em silêncio

 

Cansei de falar à toa

Flor da falta de sossego

 


PRENDA

 


 

Fiquei sozinho na cidade sem almas

Saio à  rua dominada pelos cães

Todos abandonados

 

Eu também fui solto da coleira

Sem treinamento

Fui buscar a prenda que jogaste longe

Coloquei na boca e corri de volta

 

Mas já  não  estavas

 

Nei Duclós

PERTINHA

 Nei Duclós

 

Você me acompanha

Tão próxima como a lua na montanha

Que finge ser sua

Mas é    poesia

Esse único  amor possível

Na pandemia

 


12 de agosto de 2020

 RENASÇO, NOVO EBOOK DE POEMAS


Nei Duclós


Segundo ebook de 2020, RENASÇO reúne poemas escritos e publicados entre maio e agosto de 2020 nas redes sociais e no meu blog.,  quando a maioria das pessoas estavam confinadas devido à pandemia. São poemas muitas vezes crus, mas sem crueldade, de amor, ma sem romantismo, contundentes, mas sem violência, esperançosos mas sem ilusões. Uma seleta do meu ofício nesse período,, exercido diariamente, como faço por toda vida e com mais intensidade nos últimos anos. Um livro sem aconselhamentos, mensagens ou profecias, mas feito com o espírito habitado sem apelar para espiritualidades. A poesia em plena forma, meu trabalho e meu legado. O que é criado com fé e suor, fica.

 

Edição do Autor em PDF

189 pgs.  R$20




11 de agosto de 2020

A PELE

 

Nei Duclós

 

Desmancho perto da tua pele

Que pulsa mesmo à distância

Como então  ser próximo, minha bela

Se não  grudas o corpo físico?

Só o virtual, que inventas no espelho

Fazendo a pergunta da princesa

 

Sim, existe alguém com mais beleza

És tu, em minha fantasia

Musa de ar e espuma

Criatura da poesia

Que me arrasta

Até os  confins do mundo

Onde não  há barreiras, e tudo vibra

 


VAI E VOLTA

 Nei Duclós

 

Toda hora você se despede

Pedindo para eu ir embora

Colecionas motivos de sobra

Mas nenhum é  motivo nobre

 

Eu fico, teu sofá é minha casa

Até no portão eu finco as garras

Ou então volto quando usas a força

Com teus choros de mulher bondosa

 

Confesso que sou meio fraco

E por ti dobro minhas costas

Não corro nem levanto peso

Meu auge é  quando arrumo os óculos

Que é  para melhor te ver,

dona do castelo

 

Não  ouse meditar pela varanda

Descansando do meu louco assédio

Achando que estarei longe

 

Olhe para baixo

Estou plantado no jardim da tua sombra

 


ESTÁS ESTRANHA

 

Nei Duclós

 

Você ficou estranha

Qualquer coisa te emociona

Mudaste na quarentena

És outra mas pareces a mesma

 

Pergunto se sou eu que não reconheço

Se migrei para um lugar sem nome

É te vejo distorcida pelas lentes

 

Temos medo e essa é a doença

Que não tem cura por isso esse avesso

Você tão límpida e serena

Prática e firme em seu terreno

Agora és romântica,flor que desabrocha

 

Encontras no amor o que o tempo te nega

Não  tiras vantagem apenas te mostras

Debruçada sobre mim, louca primavera

 


RESPOSTAS

 

Nei Duclós

 

De todas as imagens, qual é a sua?

Das palavras ditas, qual te revela?

Quando me abordas, o que esperas?

Quando desistes, o que te devora?

 

E se retornas  sou eu que te agrada?

Ou não tens para viver o pão e a água?

Posso saber se sou teu conselho

Ou se simplesmente ficarei calado

 

Mesmo que não  tenhas qualquer resposta

Eu me conformo e sonho ao teu lado

Aprendo a amar,  como um bicho na soga

Que se alimenta

Do teu olhar

 


9 de agosto de 2020

O DESAPEGO

 Nei Duclós


 

Desapeguei

Jogando os móveis fora

Apaguei

De toda minha memória

Decidi

Viver sem dividir

Recomecei

Fechando à  chave a porta

Esculhambei

As roupas tão  vistosas

Me concentrei

Nas coisas que não vi

 

E nada aconteceu

No coração imóvel

Ainda estás aqui

Amor que não  morreu

 


AMOR É VENENO

Nei Duclós 

 

Amamos no desespero

Quando nada é suficiente

Nem o choro ou o remorso

O consolo, o conselho

Ou mesmo a mão que afaga

Na plena dor que apedreja

 

  vemos a artimanha

De Cupido, o deus travesso

Que oculto se aproveita

Da situação  sem sossego



O seu dardo envenenado

Serve de vinho

espumante

O efeito inebriante

Usa a lágrima candente

Para o coração delirante

Ter emoção benfazeja

 

Depois passa

E brigamos


6 de agosto de 2020

NA CAMA

Nei Duclós

 

Era tudo mentira

Nenhum amor se segura

O  convívio sepulta as juras

Te revelas por inteira

E cai minha máscara por camadas

 

Estamos errados

Falta a fábula, a odisseia

Não há futuro sem a narrativa

A lenda inaugura o fôlego

E cama é  literatura

 



OUTRO REINO

Nei Duclós

 

Nada tenho a exibir

Rebanho terra ou vinhedos

Diploma de excelência

Viagens roupas momentos

 

Sou um sujeito comum

Funcionário  de outro reino

Formado no mundo à  parte

Que não inclui aeroportos

Rotina é a minha riqueza

 

Passeio pelo canteiro

De plantas que desconheço

Colho frutas da estação

Quando não compro primeiro

Meu terno é de linho branco

Da primeira comunhão

 

Espero que seja breve

O espaço da tua ausência

E ponha a mão na consciência 

Não  sou homem de partir

Fico no lugar de sempre

Sonhando com tua volta

Até  o final dos tempos

 



A MESMA

Nei Duclós

 

Os mais antigos se foram

Os maduros despencaram

Os de meia idade se encolheram

Os moços  envelheceram

Os adolescentes ficaram imóveis

As crianças dobraram de tamanho

 

Só tu, florzinha, permaneceu a mesma

Com tuas asas emprestadas de um anjo

Corpo de estátua grega

Rosto de Vênus

E aquele sorriso que encerrou o pesadelo

E todos voltaram a ser o que eram antes

 



LUA ESCONDIDA

Nei Duclós

 

Para onde foi a lua?

Cobriu-se com o forro do céu  noturno

E seu vestido de estrelas

Está imune ao poema

Meu assédio, armadilha

Que amarro ao pé  da letra

 

Lua  cheia que menstrua

E se prepara minguante

Deixou na mão  seu amante

Ao perder parte do brilho

Porque assim é  seu destino

 

Não me importa se  está nua

Desde que de amor exista

 



4 de agosto de 2020

LUA ME DIGA

Nei Duclós

 

Lua me diga

Tens luz ou ela é refletida?

Não brilhas de carona, acredito

És a rainha

Da minha rua

Dona da noite

Que iluminas

 

Lua cheia pula o muro

Travessa e traquinas

Entras nas casas das famílias

Ninguém te confina

 


 

 


VENHA DO MAR

Nei Duclós

 

Desistes do amor

Mas para o amor foste feita

Destino é  flor que resiste na pedra

Dizes adeus ao que tens de bela

Maçã  dourada que me tenta

Não  pertences a esse clima estéril

Adubo tua vontade beijando tuas pétalas

 

Venha do mar, sereia

Estrela da areia, completa

És de mel, olhar que fere

Cumpra o que diz a profecia

 

Saia do limbo, eterna princesa

Mulher que o tempo precisa

 



EXAGERO DE DEUS


Nei Duclós


Deus não acredita em Deus

Acha exagero

Esse sistema que culpa de blasfêmia

Quem brinca de esconder com a Criação

 

Joga xadrez com os ateus

E não interrompe a sesta

Quando há  guerra

 

Deus tem pena, mais do que poder

E escreve pouco. Tateia na arte do poema

Não  tem tempo de ir à  igreja

Ouvir sermão

E pede para não  levar ao pé  da letra

O que disse na santa ceia

 

Era só  vinho e pão

Diz ele

Comunhão na hora da mesa

Fim da solidão

 

Deus quer voltar a jogar futebol

Depois da pandemia

 



ESBOÇO DE DEUSA

Nei Duclós


 Assim perco o medo

Quando viras este rosto

Para quem não te merece

Fica difícil Quem te adivinha esboço de deusa

Milagre alvoroço?

 


TUA FÉ

Nei Duclós

 

A fé não te torna especial

És mortal

E tua palavra vale igual

Ao que digo

Mendigo do cosmo

A cismar diante

Da face muda

De Deus

 


MULHER PERFEITA

Nei Duclós

 

Tudo o que é passado me emociona

Teu vestido barato

Tuas tranças

Pernas de palito

Rosto de Afrodite

 

Hoje gata com o dobro do tamanho

E mais elegante do que uma estrela de cinema

E corpo de rainha

Guardas a menina

Em teus olhos de pérolas

E coração de ouro

 

Nada estraga teu brilho

Que vem de longe

Do meu olhar convicto

 

Vi primeiro, digo

Para afastar a concorrência

Que se aglomera quando passas

Perfeita

 



TUA LÓGICA

Nei Duclós

 

Não  abasteça a lógica

Com tuas botas de sete léguas

Que levam mais rápido

Ao objetivo político

O convencimento compulsivo

A catequese bruta

 

Mal começas e já  adivinho

Queres me jogar na vala comum

Do Mesmo

Não  minta para você

Que me economiza

 



CORRENTES


 Nei Duclós


Somos escravos

Que inventaram datas de libertação

Amarramos os pulsos às  bandeiras

As correntes  aos tiranos

É lutamos por uma nova escravidão

 



TODA POESIA É DE AMOR

Nei Duclós

 

Toda poesia é  de amor

Quando te encontro

Quando me deixas

Quando me enrolo em bandeiras

Quando me atiro no front

 

Toda poesia é  de amor

Menino, soldado ou cantor

Escrevo para ti, perfil de flor

Que me devolve versos de mel e dor

Poemas mútuos no calor do inverno

Sintonia no miolo do temporal

 



1 de agosto de 2020

A SOBERANA


Nei Duclós

Fui dispensado
Acontece sempre
Excesso de  contingente
Falta de vagas
Perfil inadequado
Decisões  tortas
Formação  sem brilho
Erro de status

Ou simplesmente porque não  te mereço
Dona da minha alma
Do meu coração
Soberana



ÍNTIMO BALANÇO

Nei Duclós


Foi tudo uma perda de tempo

Mas não lamento, é  proibido falar a verdade, mesmo em foro íntimo. É  preciso ser campeão  em tudo, como dizia o poeta, e guardar a porrada para as confissões  no travesseiro.

O fato é  que deixei os anos passar sem minha interferência.  Fui coadjuvante,  caroneiro da vida alheia. Sobreviver apenas .

Hoje moro nos lugares que não  visitei. Estão  vazios. Lá  ocupo casas e passeio nas praças.  Tenho esperança  de te encontrar, anjo que passou por mim  como lufada de vento. Perfeita, o sonho verdadeiro que chamamos vida.

Deixo de lado quem exibe existência  plena. Mas rezo por eles. Sou de um planeta distante, a Poesia.



TURISMO


Nei Duclós

Acabou o turismo
Agora viajo por tuas ruas
diante das tuas janelas
Aporto em teus litorais
Subo tuas serras
Faço  trilhas em teu corpo
E durmo em teus lençóis

Vou aos concertos dos teus lábios
Compareça aos recitais de teus olhos
Assisto o teatro de tuas mãos
Ando de trem em teus desertos
Cruzo de barco tuas florestas
E subo no balão  do nosso êxtase

Quando voltar o turismo
E todos se aglomerarem
em festas e museus
Ficaremos em casa



ESCASSA CHANCE


Nei Duclós

Arrisco o novo poema
Sabendo que é  escassa
A chance de acerto

  disse o que deveria
Melhor seria calar-me
Ou cuidar de outras coisas

Mas o dia é  selvagem
É não  se adapta ao acervo
Chuta o balde, rosna
Vai para a rua e não  volta

Insubmisso, travesso
O dia que nasce é  o louco tempo
Parece idêntico a ontem
Pronto para a obediência
Mas ele grita por socorro
À  sua pastora de ventos

Mesmo sem brilho
O verso atende
Pela mão do poeta ao relento
E do leitor ainda verde



ASPIRAR


Nei Duclós

Deus moldou o barro
 e soprou-lhe uma alma imortal. 
Depois aspirou de  volta
deixando apenas o barro petrificado
 em monumentos e esculturas
megalíticos



INSONES


Nei Duclós

 A vida não era mansa
Por isso aqueles assombros
Poemas como catedrais
Noites insones
Manhãs  de fome

Hoje a vida é  pequena
Aos pés de gigantes
As palavras farejam
As estrofes se fecham

Arte é  da sobrevivência
Dividimos o pão
Sonhos na sombra

Assim mesmo mandamos
Papiros com rabiscos
O que é  humano nos compensa
Mudança  é  nossa natureza
Somos outros
Melhores ou não
Isso não interessa.