Páginas

27 de outubro de 2018

PLENA DE AMOR


Nei Duclós


Quando acordas como o sol a leste me ilumina
Abrindo o dia que brotou no escuro
Plena de amor sobre a pele nua
Descubro o motivo de ter vindo à terra
Ser tua companhia na cama da vontade


25 de outubro de 2018

VERBO CLARO

Nei Duclós


É penoso o ofício do poema
Evitar os truques do sentimento
Pensar em soluções não redundantes
Manter o verbo claro na penumbra

Criar é sombra para sair do espelho
Não entregar o segredo que faz vento
Mergulhar quando tudo é superfície
Voar se for nuvem, pousar se me convences

Sair inteiro do naufrágio
Desistir para que todos vençam
Entregar-se à correnteza, colar de pedras
Emergir no barro antes do Gênesis



FORA DO EIXO

Nei Duclós


Nada do que se diz terá efeito
 A palavra é contorcionista do Direito
A injustiça é contrapor cada verdade
 com o lixo de um acervo violento

Serve para nós, para todo mundo
Vale a poesia se ela for
como se diz  da amizade, do peito

O amor é a base no piso do entendimento
 Desde que não se esvazie o conceito
Não diga que concorda só para tirar proveito
A boa palavra ocupa lugar fora do eixo



LIBERTA PELO VOO

Nei Duclós


Quem te representa
são as palavras da calúnia
As que usas para atingir o alvo
Não quem ganha teu apoio
Pois a ira é maior do que a concordância

Não é o amor tua bússola
Dela só tens a agulha
rodopiando como a biruta
Pois os ventos, inúmeros
contribuem para a fúria insana

Quer jogar? Ponha a bola no chão
Não em favor do lance rasteiro
Mas sim colocar a longa distância
Tua palavra liberta pelo voo
Servindo na cabeça do atacante

Vamos vencer, disse Didi na Suécia
Recolhendo o revés do fundo da rede
E repondo no centro do gramado
a vontade de empunhar a taça



23 de outubro de 2018

FORA DO MAPA

Nei Duclós


Éramos poucos no largo espaço do deserto
O único poço ficava fora do mapa
Imploramos um milagre e veio a chuva
Descobrimos depois que não fora a divindade
Que escutou nossa sede no feirão das graças

Mas sim a terra, exausta da secura
Da vingança que o Destino, louco milionário
Aprontara num jogo de pôquer com a Fortuna

Foi um sonho, eu sei, tenho sentido
falta de razão nesses embates
Farei o dever de casa em causa própria
Para deixá-los à vontade no areal da caça



MORO NO MAR

Nei Duclós


Moro no mar
Junto com as águas
Que um dia foram rio
E hoje são sal

Cardumes provisórios
Passam em direção ao cais
Viajo nos ventos vindos da costa
Vou para não voltar

Navego sem intenção de chegar
Sou o que o sonho me faz
Acordo o que vive fundo
O amor feito de corais



22 de outubro de 2018

DIFERENTE

Nei Duclós


Se você fosse diferente
Eu poderia forçar a barra
Te convidar para a poesia
Em vez de cultivar a guerra

Eu deveria também mudar o rumo
E me tornar ativo em tuas obras
Distribuir o pão, cuidar dos doentes
E na tua mão deixar de ser bizarro

Mas fico esperando tua iniciativa
Fechado no milésimo apartamento
No condomínio já condenado
Por projeto de futuro saneamento

Bates na porta. Carregas uma cesta
Finges me alimentar, musa travessa
Vestindo essa roupa de faltar à escola



CORRENTES

Nei Duclós


Não foi o tempo que arruinou nossa amizade
Dias perdidos já fazem parte
dessa porção de vida que nos cabe
Nem as ideologias ou as distâncias
Somos craques em ficar longe e pensar bobagens
Ou tampouco as palavras, de uso tão escasso
Ou os silêncios, de péssimo hábito

Foi a infelicidade que cultivamos sem alarde
Somando barro às tristezas da tarde
A desistência de resistir ao destino
Que traçaram para nós, pobres soldados

Em frangalhos revistamos as sobras
De uma devastação que não nos pertence
Mas compartilhamos com as correntes da solidão de arrasto



21 de outubro de 2018

SINAL

Nei Duclós


Foi só o sinal do sentimento
Brilho do olhar, tosco desenho
de um coração vermelho

Não é para responder, basta que vejas
E saiba que uma vida é pouco
para tanta espera

Meu beijo aguarda o melhor momento
Quando virás, não importa como
Nada separa os corpos nascidos um para o outro
Nem a distância evita as almas 
que juntas se atiram no abismo
do amor sem conserto



UMA SÓ PESSOA

Nei Duclós


O tempo pune e perdoa
Pune com a fome de hoje
Perdoa depois ou antes

A Trindade é amanhã
(o Espírito Santo)
o filho presente
e o pai que se foi

Passado, Presente e Futuro
Uma só pessoa
É verde quando está maduro
(nunca o sumo alcança o ponto)
E podre quando cai da árvore
(tudo é inútil se não há flagrante)

Aprendo quando passo adiante
Nada retorna como nas fábulas
Somos de outra natureza
O tempo nos ameaça



20 de outubro de 2018

CAMPO MINADO

Nei Duclós


A vaidade dos velhos
À altura dos seus crimes
A longevidade é uma folha corrida
Único documento que a mentira
Gravou em mármore e granito

Medalhas no teu peito, prêmios
E o discurso sobre o que não aprende
Longe do espelho, ilusão permanente
O rosto é um deboche do tempo

A flor possível é contar a verdade
Chance para o perfeito drible
No campo minado de falsidades
Passo terminal que apressa o paraíso



19 de outubro de 2018

INCERTO

Nei Duclós


Insetos tem vida curta
Não sobrevivem ao outono
Quando lhe sonegam flores
E os jogam como folhas soltas

Andam às cegas, como rebanhos
Voam para perto das cercas
Devoram colheitas, depois somem
Deixam restos de asas dos seus abdômens

Inseto sou, parte do povo
Ando de ônibus, viajo pouco
Só me resta zunir, supersônico
É o poema, motor do meu sonho



18 de outubro de 2018

ÁGUA DA MONTANHA

Nei Duclós


Tudo apontava para a doçura
A vida em comum, o amor em obras
Ficamos amargos na cinza dos minutos
A suspeita, os entraves, rupturas

Tudo conflui para o desfecho
Este sol que devorou a lua
Esse vento sobre as dunas
Esse impossível recomeço

Nada perdura. É como as poças de chuva
O que fica é a passagem sem retorno
E o teu rosto, água da montanha
Que alimenta o tempo
Para que nos surpreenda

Tudo está conforme o vento
Invisível, rastro de espuma
A carne provisória e o eterno espírito
Nossa inteligência, única alegria



17 de outubro de 2018

SOU OUTRA PESSOA

Nei Duclós


Sou outra pessoa, a que ganhou o mundo
E o perdeu, por ter ficado à toa
Não entendeu que a fase boa
É uma só, como um quarto de lua

Hoje estou só por não saber ao certo
Se sou o mesmo, o que faz o verso
Ou o mendigo, que escolheu a rua

Gêmeo de um sonho, sou minha memória
Risquei a página que ficou em branco
Tenho uma prenda no corpo ainda vivo
Pedra brilhante que escolhi ser tua



16 de outubro de 2018

O RISCO DA DIÁSPORA


Nei Duclós


És proibida, eu sei, de chegar mais perto
Assim mesmo arriscas, flor rude do cacto
A censura não impede o ferimento
que mostras para mim, decisiva prova

Não prestas atenção, me dizes, pura lágrima
Ficas na sombra porque o sol se posta
Entre a criatura que ficou de fora
E coração como biruta em tempestade

Mas conservas a vontade, como um pecado
Que a virtude adoça na intensa espera
Bastará um gesto, talvez no acaso
Para romper o selo de tamanha diáspora


SONHO DE SALTIMBANCO


Nei Duclós

Tão ocupada. O dia pleno de detalhes
Retalhos do tempo, flor dilacerada
entre pedra e vento
Enquanto entorno
a luz dos teus momentos
Afiando a voz cada vez mais longe

Meu canto está em outra freguesia
Na feira livre da estação vizinha
Precisas de um trem no próximo horário
Para chegar sem fôlego no meu expediente

Tenho espaço nos intervalos
Para um encontro à beira da calçada
Isso é só um sonho pois o saltimbanco
É quem viaja por concessão da amada



15 de outubro de 2018

IMPULSO


Nei Duclós

Cada palavra conta
São como pedras
Que a infância colhe
E separa pela cor e a forma

Minha gaveta tinha tantas
Oferta do esforço em surpreender-te
Quando passavas precisando
De um colar de conchas, de um impulso

Meu tesouro daria o mesmo brilho
Que ostentam as estrelas

Joguei todas para o ar
Refletindo o néon da lua cheia
Leste então o que o céu apronta



12 de outubro de 2018

COLEÇÃO DE ESTRELAS

 Nei Duclós


Num só dia pinto as paredes do edifício
Abrigo os retirantes do deserto
Arrumo a estrutura dos andares
Abro todas as janelas para a Lua

Depois me retiro
Alguém que está por perto pergunta:
É seu endereço?

Só por dever de ofício, digo
Ainda falta bordar o céu noturno
Com minha coleção de estrelas


NO MEIO DA TORMENTA

Nei Duclós


Valei-nos Nossa Senhora Aparecida
Livrai-nos do vazio e dos corações de pedra
Da tentação do mal, que é a violência
Lembrai-nos do amor no meio da tormenta

Que tenhamos fé, contra todas as suspeitas
Que possamos transcender no livido sofrimento
E entender quem vive com diferente rosto
Que sejamos solidários em nossas solidões

Mãe de Deus, que tua presença
Em nosso espírito seja a tolerância
E possamos seguir sem que os ferimentos
Impeçam a formação de um tempo generoso



10 de outubro de 2018

POESIA


Nei Duclós


A poesia não está a serviço da política nem de nada ou de ninguém. Também não compactua com as posições de ter lado ou ser isenta. Ela é onívora, encarna tudo o que é humano. Está acima, abaixo, distante, próxima de tudo o que existe, nasce, morre. É feita de palavra, das suas origens e transformações, dos usos e abusos. Não pode ser enquadrada pela mediocridade dos interesses provisórios ou permanentes. Não combina com cartilhas nem palavras de ordem.

Sua força é a liberdade impulsionada pela sonoridade. É música, com e sem partitura. Tesouro de nações, perfil de espíritos intensos. Combativa e recolhida, explícita e no resguardo, cinza e de todas as cores. É preto no branco, é tranco e barranco. Não a esqueça na gaveta, não finja indiferença. Não é supérflua, comportada nem simples transgressão. Pode ser sóbria, assombrosa, leve, forte. Incorpore sua natureza selvagem, marca de uma civilização.

Poesia. Porção de eternidade no universo frio e de pedra. Forja de criaturas. Insanidade e lucidez. Dor e transcendência. Amor e conflito.


FATO É LINGUAGEM – O CASO OVNIS


Nei Duclós

INTRODUÇÃO - O fato existe como linguagem e importa pelo impacto que provoca na percepção coletiva. Isso o torna refém das versões. A solução é mapear a trajetória da linguagem para definir os contornos do fato sem entregá-lo para a dispersão e o desmentido. Portanto, nenhum fato que tenha sido rastreado pelas marcas que sua linguagem deixou no imaginário social perde sua veracidade. Ele é o que provoca no confronto entre seu movimento e a observação e vivência social. Ao curvar o espaço tempo do cenário coletivo ganha peso de realidade. Isolado é apenas um evento suspeito de não ter acontecido.Essa é uma Introdução ao estudo de fatos divididos entre a verossimilhança e a falsificação. Vamos pegar um exemplo:

OVNIS - É um assunto interessante por ser um fenômeno de massa exposto ao preconceito. Não importa se existem ou não, importa que esse evento pode ser dividido em tempo, lugar e protagonistas. O tempo são as fases em que o fato, a linguagem, provocou na percepção coletiva.

Vamos abordar no início do fenômeno, 1947 (a pré-história, a dos marcianos fica de fora aqui, não faz parte dos Ovnis, já que as naves e os seres vinham de Marte e não de qualquer lugar, com raras exceções). A primeira fase, nessa abordagem de tempo, é a surpresa, a descoberta. É a era Roswell, do provável acidente de naves no Novo México, com a polêmica captura de seres e os desmentidos militares.

Segue-se a intensificação do mistério, das interrogações e da ocultação das visualizações e abduções, que coincide não por acaso com a Guerra Fria. Dos anos 60 aos 80 é a época de Aquarius, a lenda dos seres que vinham para anunciar a paz e a concórdia e uma nova idade de ouro para a humanidade, o que gerou a inocência do filme ET ou a esperança dos Contatos Imediatos de III Grau, de Spielberg. É o tempo por excelência dos planetas de outras dimensões e dos gurus virtuais que falam por telepatia. Essa época foi substituída pelo fim de século, apocalíptico, em que os OVNIss eram ameaças de guerra e os aliens, monstruosos.

Chegamos enfim a este século, em que há vários vetores em destaque. Um deles é a abertura dos arquivos secretos, que coincide com a abertura dos papéis da segurança da CIA via Edward Snowden, mesmo que não haja ligação direta. A Nasa e outras agências oficiais admitem a existência dos OVNIs e os avistamentos se multiplicam graças aos celulares e suas câmaras fotográficas e de vídeo, oferecendo vasto espectro de casos por canais do You Tube.

Esses são os impactos de tempo. Nos de lugar, e seus respectivos protagonistas, temos os avistamentos primeiro das agência espaciais, ainda com escassas informações mas com registros importantes; a dos pilotos das forças armadas ou dos aviões comerciais, com testemunhos e perseguições e até mesmo acidentes e capturas de seres de outros mundos; depois temos os acontecimentos em terra. Primeiro no interior, onde a cultura inocente dos protagonistas entra em contato com a sofisticação dos extraterrenos. No interior sobram exemplos de viagens espaciais inspirados em literatura de ficção de segunda, com líquidos protetores para cruzar o espaço nas naves, cidades utópicas e perfeitas em constelações distantes, seres amigáveis etc. Nas cidades a barra é mais pesada. Os ETs se metamorfoseiam para conviver entre nós, coincidindo com uma literatura de ficção mais sofisiticada. E há os avistamentos no mar e na montanha, com naves mergulhando ou se estabelecendo em lugares remotos.

Temos então um fato suspeito – a existência de inteligências de outros planetas – e seus impactos sobre nós. O fato é linguagem que impacta o imaginário. Existem de fato? O que importa é que sim, existem nessa interação com o imaginário coletivo.

Nei Duclós

PROVA DOS NOVE

Nei Duclós


Voou teu anjo, voou
Bem no alto precisaram dele
Você perdeu tudo
Eras uma porção de quem se foi

Sim ao remorso e ao desespero
Mas não reprove
Neste teste final
Só passamos se formos humanos
A vontade de Deus
é sua prova dos nove



6 de outubro de 2018

TÁBUA

Nei Duclós


Estavas suada como um animal exausto
Eu te pus numa tábua do mar revolto
Navegamos orientados pelas três de Órion
Balançavas com perigo em direção ao fundo
Ferida de paixão, rasgo sobre a espuma



RISCOS NO DESERTO

Nei Duclós

Trilhas do tempo na pele do braço,
riscos no deserto,
expostos nas dobras dos gestos.

De onde vieste,
peregrino de outro mundo?
Água é insuficiente.

Só o respeito à sede de Deus
nos mantém acesos

4 de outubro de 2018

CRUEL CICLONE

Nei Duclós


Mar é onde mora o vento
Vela ao relento
Naufrágio de monstros

Praia sem sossego
Corais afiados
Ondas do medo

Céu é só o que não vejo
Mísseis de Zeus
Nuvens avessas

Primavera, cruel ciclone
Vulcões, tsunami
Flor é só o que não tenho



TODA PERDIÇÃO


Nei Duclós


Sou tua perdição
No dia seguinte sentes remorso
Mas em vão

Nada apaga o fogo
que arde por vocação

Basta uma nota
para extrair todo o roquenrol
Uma letra para a versão integral
da Marília de Dirceu


2 de outubro de 2018

ÚMIDO VOO

Nei Duclós


No cenário seco da minha história
trouxeste uma flor no bico
para depositar em minhas garras

Para preservá-la
caprichei nos cuidados com tuas águas

Foi assim que sobrevivi,
arrulho de raizes úmidas