Nei Duclós
Dois documentários dirigidos por Liz Garbus traçam o perfil
de duas artistas de gênio: What Happened, Miss Simone? (2015), e Love, Marilyn (2012). Ambas com codinome: Nina
Simone (o segundo nome tirado da atriz Sinome Signoret) é a menina sonhadora que
queria ser a primeira pianista clássica negra dos EUA e virou superstar do
blues e do soul com músicas decisivas dos direitos civis nos anos 1960. Marilyn
Monroe (nascida Norma Jean e que escolheu seu novo nome em comum
acordo com um produtor de Hollywood) é a órfã que deu duro para se tornar uma
atriz e explodiu não apenas como estrela maior mas como símbolo de um tempo de
mudanças profundas.
Elas aparecem inteiras a partir de seus diários íntimos, em
que dividem confissões, poemas, relatos, denunciando em seus redutos
indevassáveis o jogo bruto a que foram submetidas pela indústria do espetáculo
e pelo machismo hegemônico, sem falsas inocências mas inteiras como pessoas de
gênio em luta por uma lugar à altura do próprio talento. E de como foram entregues
à sanha devoradora das massas, o público que procuraram conquistar, e que as
envolveram em espirais de fuga e loucura. Ambas enfrentaram poderes do dinheiro e
impuseram suas vontades, mas pagaram caro por isso.
Nina Simone viu que os líderes da luta pela libertação dos
negros americanos tinham sido assassinados. Viu como suas músicas insurgentes
tornaram-se difíceis de ser digeridas pelos rankings comerciais e pelos
organizadores de shows. Sofreu horrores na mão do seu marido e empresário, um
ex-sargentão a polícia que batia nela. Exilou-se na Africa, obedecendo o
racismo que queria a pele escura fora da América e lá ficou por sete anos
gastando sua fortuna. Acabou pobre em Paris onde morava numapocilga. Foi
resgatada já avançada nos anos por amigos que impuseram uma rotina de
antidepressivos e de shows. Mas a sorte estava lançada e ela jamais recuperou seu
lugar de destaque.
De Marilyn todos sabem, ou acham que sabem O bom deste documentário sobre ela é
que não tem os chatos dos Kennedys priápicos e poderosos e as falas de Marilyn (e
de seus biógrafos) são interpretadas por grandes atores e atrizes como Adrien
Brody, Ellen Burstyn, Glenn Close, Viola Davis. É sutil, é delicado, é
respeitoso. Coloca Marilyn no seu ligar de gênio do cinema, que criou uma
persona imortal a partir de seus exercícios, estudos e leituras. Explica como
ela formatou seu andar inesquecível, que matou de inveja atrizes como Lauren Bacall
e seduziu toda a população masculina do planeta.
Conta como Marilyn tentou ascender ao grand monde dos
intelectuais via casamento com o cretino do Arthur Miller, e dos interpretes de
primeira linha, como o bandido do Lawrence Olivier, que tentou humilhá-la
depois que notou ter sido devorado em cena pelo gênio loiro. Seu esforço no
Actor´s Studio, onde foi esnobada, mas não pelo casal dirigente da grande
escola de atores, os Strasberg, que a adotou. Ninguém suporta o carisma de uma
personalidade que se impõe pelo talento que transborda, pela coragem que falta
à maioria das pessoas, ao destino manifesto de carreiras brilhantes, à
predestinação de ocupar um lugar permanente no pódio dos artistas mais
representativos de sua época.
Liz Garbus, jovem, bela e brilhante diretora de cinema,
arrasa com essas duas obras
absolutamente obrigatórias. Vi no Netflix.
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