Nei Duclós
Em vez do sonho, te passo a biografia. Vida palmilhada em
barreiras sem fim. Calçadas rotas, ruas de ruído, ar de fuligem. O poema como
perspectiva.
Não tenho mais memória, liberdade é esquecimento. Faço como
os pássaros, que voam o momento.
Cultivei muitos rostos, adaptados às
arestas. Por isso tenho ângulos e florestas.
Fazer o que não gosta acrescenta.
Fazer o que gosta melhora. Nesta gangorra compomos a obra.
Não é álibi, é contingência. Somos
soldados rasos do tempo.
Em algum lugar te precisam. Só te
acham se estiveres em movimento.
Vieste me buscar, flor selvagem.
Perfume bárbaro, de mato cerrado.
Fui buscar poemas na despensa. A
porta estava trancada. Risquei então na porta um verso a faca: o que fica na
frente jamais passa.
Quando tudo te falta, te socorre a
palavra. Habita teu coração exausto.
Pisei no pampa molhado. Barulho de
flor amassada. Perdizes fogem ao largo. Nuvens espiam os pássaros.
Fazemos
parte da natureza. Sou água, és correnteza
Os fatos nada tem a ver com a
previsões
Perdemos o poder de sedução. Tudo
está claro demais para os enredos. Nos resta a decisão de continuar querendo o
que nem sempre vale a pena.
Não me escondo, floração da serra.
Faço a trilha orientado pelo andar do vento.
Aos vinte, não estamos prontos. Aos
oitenta, passamos o ponto.
RETORNO - Imagem desta edição: foto de Margareth M. Ju.