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24 de junho de 2014

VOAR O MOMENTO



Nei Duclós

Em vez do sonho, te passo a biografia. Vida palmilhada em barreiras sem fim. Calçadas rotas, ruas de ruído, ar de fuligem. O poema como perspectiva.

Não tenho mais memória, liberdade é esquecimento. Faço como os pássaros, que voam o momento.

Cultivei muitos rostos, adaptados às arestas. Por isso tenho ângulos e florestas.

Fazer o que não gosta acrescenta. Fazer o que gosta melhora. Nesta gangorra compomos a obra.

Não é álibi, é contingência. Somos soldados rasos do tempo.

Em algum lugar te precisam. Só te acham se estiveres em movimento.

Vieste me buscar, flor selvagem. Perfume bárbaro, de mato cerrado.

Fui buscar poemas na despensa. A porta estava trancada. Risquei então na porta um verso a faca: o que fica na frente jamais passa.

Quando tudo te falta, te socorre a palavra. Habita teu coração exausto.

Pisei no pampa molhado. Barulho de flor amassada. Perdizes fogem ao largo. Nuvens espiam os pássaros.

Fazemos parte da natureza. Sou água, és correnteza

 Os fatos nada tem a ver com a previsões

Perdemos o poder de sedução. Tudo está claro demais para os enredos. Nos resta a decisão de continuar querendo o que nem sempre vale a pena.

Não me escondo, floração da serra. Faço a trilha orientado pelo andar do vento.

Aos vinte, não estamos prontos. Aos oitenta, passamos o ponto.



RETORNO - Imagem desta edição: foto de Margareth M. Ju.