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30 de novembro de 2012

ÚLTIMA LINHA

Nei Duclós

Olhar de imã, lábios armadilha. Mel de seda
fina no cabelo caído em pura neblina.
Privilégio de quem te beija, sucumbindo.
Sonho de quem não tem tamanho encanto.

Pose de convite, pele de conquistas.
Te beijo mesmo que não consintas
porque transgrido a vez de ser teu colo.
Mântra que complica, salmo de gemidos.

Me quero dentro de ti, vento de perigos.
Conte para as fadas que te vi sem roupa,
deixa que eu te mostre a força do que sinto.

Não diga não para quem já tens na rede.
Mata minha sede, fêmea em solo firme.
Para sermos um, basta a última linha



RETORNO - Imagem desta edição: Ava Gardner.

SOLO



Nei Duclós
 
Procuro a nota exata, vinda de um sopro
o evento morto por ter passado o tempo
e que se impõe num bordado de talento
moeda emprestada de deuses bêbados

Toco primeiro o estilhaço, música ambiente
depois saio para a rua onde está o conflito
e sintonizo o saxofone no canto de um beco
quando roça o corpo em queda do garoto

e se somam vozes de insurgência boquirrota
todas dentro do que faço como partitura
e palmilha a repressão, a dor e a loucura
e também a doce confusão do amor na ronda

Aos poucos volto para o torno de suspeita fonte
que acompanha a orquestra dando rasteira
músicos sem nome, cantoras de estribilhos
compartilham o reduto impregnado de neblina

Não curto o clima, na prontidão de olho bruto
a rebentar o tímpano interno de outras rotas
viajo na mente de quem me escuta, carreira solo
trovador a pé no céu encilhado de um cavalo   


RETORNO - Imagem desta edição: Veronica Lake.

DURMO COM AS PALAVRAS


Nei Duclós

Fiz um verso para teu caderno. Copiaste em caligrafia de pétalas.

Durmo com as palavras, que sopram imagens. Acordo e todas viraram cinema.

Verão é quando a verdade extrapola. Primavera é quando a verdade vem antes. Inverno é quando a verdade hiberna. Outono é quando não há verdade.

Somos um a tampa do outro, caixinha de jóias.

É justo que seja em camadas. Cada fase acusa o estrago. O suspiro, por mais fundo, não expressa a dimensão do rastro.

O que dizes de doçura está guardado. Quando vier o adeus eu solto como último recurso.

Lua cheia existe só para dizer quem manda.

Te trouxe flores vermelhas, da cor do teu desejo. Abraça-me forte. Quero sentir como te desmanchas.

Contraímos o verão precocemente. Mas isso passa quando chegarem ás águas de janeiro.

Éramos diferentes. Sonhávamos um com o outro sem ainda os corpos terem chegado a um acordo.

Ponho as mãos em teu rosto só para ver como fechas os olhos.

Chegas no campo isolado pela mágica da Criação. Teu coração fica exausto de tanto querer.

Teu lábio tem a consistência do delírio, se delírio fosse mensurável em fibras e não apenas vento.

Estamos perto, mas algo nos leva. Vemos se afastar o que nos torna mágicos. Grude essa cena no mural da memória

As montanhas verdes meditam o amanhecer tranquilo. Alma que nos habita, irmã de eternidades.

O leste irrompeu em luz clara, jogando pedaços de nuvens para encantar o azul sem mácula.

Estive perdido no deserto. Me achaste, nômade de jade.

Bebo o que tens de sobra para que não falte o alimento da tua pele.

Todos os dias tiro do poço o balde cheio da tua sede.
 
Agora que pedi perdão aceito que voltes.

Falei saudade para não dizer a verdade: a falta que faz a profundeza da tua entrega.



RETORNO - Imagem desta edição:  Megan Fox.



29 de novembro de 2012

CATIVO



Nei Duclós
  
Amanheceste, fim da primavera
depois de uma louca Lua cheia
vórtice da estação, seios de seda
morna criação entre alfazemas

Nem dás bom dia, criatura plena
tudo em ti é encontro e açucena
também não sorris, te mexe apenas
com sons baixinhos de delicadeza

O dia espia seu longo olhar sedento
querendo ver o que tanto tenho
uma réstia de luz beija o tornozelo

E te contorces, tal qual um bicho
desses que despertam a floresta
és o amor do meu coração cativo


RETORNO – Imagem desta edição:  Marilyn Monroe.

28 de novembro de 2012

VIAJO NO ESPLENDOR



Nei Duclós

Chegaste em boa hora, presença de silêncios
Perfume que encanta sem impor cobranças
Começo de uma dúzia de flores ainda tenras
Carícia no pescoço, olhar sem ter segredo

Nuvens estendidas nas montanhas verdes
meditas na manhã, quintal de ouro intenso
corpo sem remorso no relacionamento
Alma que me habita, irmã de eternidades

Nenhuma pose ao fazer um gesto apenas
a mão estendida para o alto do Supremo
conectas a divina condição da tua coragem

És única, oculta gravura sem retoques
coração retido em mim sem passaporte
viajo no esplendor , véspera do milagre


RETORNO - Imagem desta edição: Keira Knightely.

OLHOS ABERTOS



Nei Duclós

Tentação é o amor que não planeja o remorso.

Estou inteiro aos pés do que não conseguimos evitar. Me beije de olhos abertos.

Achas bobagem, desconfiada. Mas basta eu virar as costas para espiares meu caderno.

Joguei pesado. Providenciei uns versos cheios de água, para que te banhes com teu perfume de fada.

Rede social é buraco sem fundo. Lanço um poema e ele viaja contigo.

Vou dizer como funciona: o sol a pino faz vibrar o sino que tens quando mergulho.

Não pegue tudo para si. Abra mão das sementes.

Não te observo à traição, mas de frente. Quero que saibas o tamanho da encrenca.

Não deixas, mas para mim dá no mesmo. Não tenho pressa, açucena.

O sol, já sabes, não fica no meio do caminho. Ele vai fundo inaugurando o dia e mergulhando depois no escuro poço de desejos que tens entre as estrelas.

Cada uma é uma flor em seu próprio bouquet de amor.

Sou predador, top da cadeia alimentar. Recolha as iscas e preste atenção na despensa.

A mais bonita é a que eu escolho, à revelia do que diz o cânone. Beldade é a que te beija todo o tempo com o teu consentimento.

Será que virá de novo? Ou foi só um pico qualquer de vontade, que passou lotada?

Pronto, passou o dia, mormacento, interminável. Agora abra a gaveta da tua noite.

Mataste a tua saudade e foste embora. A minha sobreviveu.

Agora estás em mim. Não abandone o que nos fez amantes.

Minha melhor frase é quando te canto, mesmo que não haja verso.

És a surpresa que me reinventa, meu recomeço. Não te agradeço com medo que vás embora.

Toda pronta para a balada. Me arrancas uma espécie de rosnado.

Um ângulo de todos os graus separou por instantes o que juntavas andando. Foi suficiente para entrar voando.

Pele de pêssego, consistência de alabastro, roças a umidade no fio da minha garra.

Fazes parte de mim depois de tão longo tempo. Encaixe no colo é uma extensão de corpos.

Tão feminina e distante que tua volta é meu maior presente.

Você volta para matar a saudade que me mata de vontade.

Cheia é quando a Crescente capricha.

Jogas pesado, flor do cerrado. Ao te colher finges que desmaias.

Assim não vale, carangueja. Recuas em todos os beijos.

Amor quando se cala está consultando as cartas.

O mais doce do entardecer é que te entregas como nunca.

Sumo no ar quando me calo. Deixo a marca, o verso apaixonado

Amor é programa de índio. Cupido usa arco e flecha.

Precisava me ocupar de outras coisas, mas não permites, desperdício de formas.

Finges ser minha quando me afasto, para negar tudo quando retorno.

Visitei o quarto de badulaques. Lá estavas, jóia de marfim, lembrança de uma tarde, pegando poeira.

Pode espernear. Estás na armadilha. Só sai daqui perdida.

Fiquei de ressaca de tanto te dizer. Agora vou medir as palavras com teus dedos de seda.

 
RETORNO - Imagem desta edição: Marilyn Monroe.

27 de novembro de 2012

ARRANJO

Nei Duclós

Colho palavras sérias
brotos em jardim hilário
bouquê de flores vermelhas
em clara manhã dourada


Não é poema, nem prosa
é o jeito do teu arranjo
dobrado em papel de seda
tua vida ao sabor do anjo

Me abasteço do absinto
destilado de ervas nobres
que geras em teu acervo

Viajamos por uma noite
meu corpo tão maltratado
ganha amor por pura sorte


RETORNO - Imagem desta edição: Anouk Aimée.

PREDADOR CIGANO



Nei Duclós
   
Adicionei literatura ao teu contorno
Parecias Pandora, caixa de surpresas
mas era tu mesma, sem embustes
álacre, agridoce, séria, friorenta

Ficou parecendo texto de vanguarda
pus um charuto em tua boca pálida
e adivinhei blusas creme rendilhadas
Estavas um estouro, ancestral e pop

Foi a maneira de te botar na cama
fingir que sou do ramo de concertos
quando não passo de predador cigano

Prefiro te enganar com minhas artes
do que sucumbir às tuas verdades
te capto na cintura, asa azul de Pégaso


RETORNO – Imagem desta edição: obra de Goya.

26 de novembro de 2012

O AMBIENTE TERMINAL DO MITO



Nei Duclós
  
Padre Julian, interpretado por Ricardo Darin, se submete a exames médicos que diagnosticam a fase terminal de um tumor. Líder pastoral de uma favela de Buenos Aires, ele precisa encontrar um substituto para sua obra. Por isso vai até a Amazônia resgatar Nicolás (interpretado por Jérémie Renier), um padre canadense vítima dos paramilitares e o traz para o miolo do drama. No grande favelão, a miséria enfrenta a burocracia dos poderes - governo, política e até mesmo a Igreja, que acaba fazendo parte da corrupção. A ideia é fazer acontecer enfim na região o chamado Elefante Branco, um projeto socialista argentino dos anos 1930 que gerou um enorme edifício sem serventia e em ruínas. Tudo está desenhado para o desfecho trágico.

O que está em pauta neste filme Elefante branco, de Pablo Trapero, 2012, e lançado este mês no Brasil, é a sobrevivência do mito, encarnado no desprendimento, no heroísmo e no idealismo. Os protagonistas que tentam apoiar os pobres se enchem de dúvidas e acabam contaminando a própria fé. Procuram ser tão pragmáticos quanto os algozes e acabam rodando na espiral de mortes, das guerras entre traficantes, da juventude armada e perdida se dando tiros, das famílias destruídas, da falta de saneamento e comida. Dá vontade de mandá-los a puta que pariu, diz Julian num momento de fraqueza. Ele perde a fé,mas morre de vergonha quando a reencontra numa sobrevivente da periferia, que confessa ter sido salva exatamente pelos ensinamentos de Julian sobre a necessidade de ter esperança.

O padre canadense é mais lúcido dos seus limites e fraquezas. Se sente culpado por não ter interferido na matança na Amazônia e quando confessa para o Padre Julian, temos a mais intensa, melhor e mais bela cena do filme. Ele se apaixona pela assistente social (Martina Gusman), cede à pressão dos traficantes, mete os pés pelas mãos e acaba participando de uma enrascada fatal para a liderança católica . O mito, herdado do santo popular Padre Mujica, assassinado pela ditadura argentina em 1973, tem a linhagem mantida por Julian, que não queria ser herói e acabou sendo. Renova-se o mito na medida em que a obra social fracassa. O filme mostra assim a derrocada como fonte da ilusão que permanece de um mundo melhor.

Mas sabemos que a situação está cada vez pior. Na Argentina, há ainda essa ligação com a tradição religiosa e dos conceitos. Lá não existe, ou o filme não mostra, a intensificação cruel de todo esse processo, ou seja, a existência das facções, que trabalham junto aos poderes da República. Aqui, o crime organizado governa, como vemos pela soltura da bandidagem e as negociações forçadas das autoridades com o terrorismo. Lá, ainda existe essa oposição entre os bons sentimentos e a maldade institucional. Aqui a crueldade tomou conta de todo o processo. A mocidade perdida das favelas perde suas chances de encontrar um rumo, está armada e funciona como um exército de incendiários, segura de sua impunidade judicial até os 18 anos.

Lá também as motocas reinam,mas podemos ver o filme Elefante Branco como um Cidade de Deus com alguma ética ( o personagem Monito, interpretado pelo garoto Federico Barga, trafega nesse limite entre a transgressão e a salvação). Enquanto nosso cinema abriu mão da esperança, como comprovam os dois Tropa de Elite, de José Padilha (em que o heroísmo migra para os matadores), a própria Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, ou mesmo Carandiru, de Hector Babenco. Não temos padres Julián, que aqui estão aparelhados pela falsidade de um governo que traiu as lutas populares.

No Brasil o mito já morreu. Na Argentina eles mantém viva essa chama antiga, mas que está também, como Julian, desenganada. O diagnóstico é cruel, mas é bom ver o cinema se ocupando da luta perdida do ideal contra o horror. Sinal que lá ainda existe nação, conceito que aqui perdemos, talvez para sempre.


RETORNO – Imagem desta edição: Darin, Barga e Renier em Elefante Branco.

CAMAROTE



Nei Duclós

Temos um limite, o infinito
derrubamos o biombo de vime
te toco em todos os sentidos
percorro a mais densa trilha

Entrega por completo, assunto
das nossas conversas avulsas
estou dentro do teu labirinto
no colo colar de corais e brilho

rimo pobremente no sarau antigo
para te arrancar fundos suspiros
mesmo fingidos, somos de teatro

Nosso ato é palco de sessão tardia
somos a única plateia, de camarote
assisto tua curva me dar o bote


RETORNO – Imagem desta edição: Monica Vitti.

25 de novembro de 2012

INSURGENTE



Nei Duclós
   
O poema é um animal selvagem
Você cria e ele foge para o mato
Morde quem lhe faz projetos
de vida confinada nas comportas

É vertedouro de usina, desperdício
de águas domésticas, causa choque
quando lhe  impõem a soga. É fera
que se livra da pata pela liberdade

Por isso não consola, não é arrimo
não providencia conforto na morte
prefere rugir, insurgente, inacessível

Nasceu para a vida que ainda nos resta
depois do enterro, antes da nossa hora
nos faz companhia com dentes à mostra


RETORNO – Imagem desta edição:  Vivien Leigh como Scarlet O´Hara.

24 de novembro de 2012

GUARDADOS



Nei Duclós

Me ensine a ser prudente. Não gastar tudo no primeiro aperto. Deixar um pouco para a eternidade.

Não perco nenhum verso. Ficam todos guardados em Vênus.

Protegi teu corpo dos insetos e te embrulhei em sedas diversas.

Não sabes o que fazer com teus excessos até que eu surja com dez mil mãos sedentas.

Pode espernear. Estás na armadilha. Só sai daqui perdida.

Já passa da noite alta. Não há mais chão para uma conversa. Só nos resta voar para o que interessa

És um espetáculo. Nervoso, perdi todos os ingressos e furei a lona par ver-te no trapézio

Foste a Paris mas deste falta do que eu poderia fazer naquela ponte.

Da próxima vez me inclua na bagagem. Prometo uma violenta dose de romance

Todas as estações são assédio. O frio congela o que deixas à mostra na primavera.

Voltamos ao banho de mar. Deite na areia os teus pecados.

 O amor é chato. Prefiro o beijo molhado, teu soutien jogado sobre o sapato.

Uiva o desejo, longe. Mas, pertinha, fazes cara de paisagem.

Cole sua pele de Lua no grude do meu espanto. Inaugure a noite. Jogue na cara o cabelo.

Olhei para a Lua. Crescente. Estavas nua, tremendo.

Me queres? ele perguntou. Desisto, ela comentou. Me queres, ele respondeu.


RETORNO – Imagem desta edição: Winona Ryder.

FIAÇÃO



Nei Duclós
  
Arrastada no chão pelo desejo
apagas as pistas com o vestido
sufoca o beijo, esconde o gemido
se contorce em busca de saída

Estás no papo mas não admites
não tenho culpa, eu fui seduzido
e não tu, absoluta no domínio
juíza sem pudor de uma virtude

Queres poder sem perder espaço
negaceando até o último suspiro
criaste um falso coração de pedra

Tua perdição é o toque do marujo
cevado em bruta fiação de espinho
Basta roçar e despencas no abismo


RETORNO – Imagem desta edição: Ava Gardner.