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17 de agosto de 2009
O BRASIL NÃO É UM JEQUITIBÁ
Nei Duclós
O Brasil é uma construção histórica. Portanto, como dizia Marx em relação ao capitalismo, não faz parte da natureza. Ou seja, não está aí “desde que mundo é mundo”. O Brasil não é nem nunca foi o verde das matas, o amarelo do ouro, o azul do céu. É um Estado soberano, com território reconhecido internacionalmente, instituições seculares, um passado de lutas e uma população de 191 milhões de pessoas. Não pode ser confundido com um jequitibá, que tem o destino traçado pela espécie a qual pertence, por suas sementes, caules e folhas. É como um prédio, que foi construído e pode ser derrubado. O que existe no Brasil não é obra do acaso nem obedece aos caprichos dos duendes da floresta. Fui claro?
Quando dizem “Isto é Brasil”, o que significa essa frase? Significa exatamente o contrário do que disse acima. Que o Brasil tem uma natureza, é assim porque assim nasceu. E, claro, nasceu torto. “Se estamos na atual situação, de corrupção e violência disseminadas por todo o tecido nacional, é porque estava escrito. Não tem jeito mesmo. Fazer o quê? Só separando. Só entregando para os americanos. Também, com um povinho desses. A culpa é nossa, que não nos revoltamos. Somos apáticos. Ou bestializados. Gostamos dos grilhões. Elegemos os algozes. Em suma, fazemos parte da natureza. Somos o país que brota no campo depois da chuva, como cogumelo. Um jequitibá na selva bruta.”
Essa teoria também não nasceu por acaso nem é fungo que medra na parede do conhecimento. É como uma pá, uma ferramenta. Serve para enterrar o país. É perversa e tem origem na política, que define a cultura e a economia. Quando a Itabira Iron decidiu, no início do século 20, que teria acesso ao minério de Minas Gerais até o ano de 2010, podendo fazer ferrovias para escoar a riqueza do nosso subsolo, com direito a expropriar terras por onde os trilhos passariam, o Brasil estava na mão dos entreguistas. Vargas nacionalizou essa empresa do arquibilionário americano Percival Farquar e isso foi a base da Vale do Rio Doce, que no governo FHC foi entregue de volta aos imperiais, por um preço de três bilhões de dólares, quando valia 90. É assim que funciona.
Quando os Estados Unidos precisaram do Brasil para impedir o avanço nazista na África, os gringos estava desconversando sobre a instalação da siderurgia para o Brasil. Vargas então acenou com a Krupp, alemã. Os americanos rapidinho concederam e assim o Brasil construiu a Usina de Volta Redonda, base da indústria brasileira. Vargas,na época, colocou à disposição dos Aliados todos os portos e aeroportos do país. Assim age um estadista. Roosevelt teve que vir, de cadeira de rodas, aqui no Brasil para conversar com o presidente. Vargas não foi lá para raspar a roupa nos palácios deles.
Quando Vargas parou de pagar a divida externa no Estado Novo, depois de anos (a partir de 1930) fazendo auditoria de nossas contas externas, só para equilibrar o orçamento e colocar ordem na bagunça, viabilizou, nesse processo, a situação futura de credor que usufruíamos no fim da guerra. Os americanos nos deviam dinheiro não porque chegou a primavera, mas porque Vargas agiu politicamente para que isso acontecesse.
Quando Vargas foi derrubado por um golpe militar, em 29 de outubro de 1945, ele já tinha instalado todas as bases para as eleições gerais, a futura assembléia constituinte, os novos partidos etc. Ele estava já fazendo esse trabalho e o Brasil emergia como grande potência, pois tinha lutado com os aliados nos campos ensangüentados da Europa. Com a queda de Roosevelt em 1943, a política gringa mudou e tudo foi feito para derrubar o presidente. Ele então se recolheu a São Borja, e os corvos tomaram conta do país. Teve de voltar, nos braços do povo, em 1950, eleito por esmagadora maioria. Houve então o falso atentado da rua Toneleiros, em que os bandidos mataram um jovem major da Aeronáutica, desencadeando a crise que culminou com o suicídio de Vargas.
Veio depois o apocalipse, o abril de 1964, quando começou a se enterrar a Era Vargas, o Brasil soberano, cantado em prosa e verso e admirado pelo mundo inteiro. O Brasil da Era Vargas estava consolidado, gigante, industrializado, com salários de trabalhadores de Primeiro Mundo. Mas isso era um perigo, era preciso destruir tudo. Foi o que fizeram. Para tanto, contaram não apenas com a truculência armada, a bandidagem política, mas a conivência e atuação da “cultura” e, como dizia Manuel Bandeira sobre os bobalhões da República Velha, suas “coelhas mijadas”. .
Nos tempos de Vargas, quando Gustavo Capanema era ministro do recém criado Ministério da Educação e Saúde, sobrava gênio por todo lado. Claro, o critério era a meritocracia. No ambiente cultural da Era Vargas, os gênios se destacavam: Portinari, Guignard nas artes plásticas (hoje temos o lixo das Bienais), Manuel Bandeira. Mario de Andrade na poesia e na crítica (hoje temos o que sabemos), Villa Lobos, Caymi na música (hoje temos eguinha pocotó, sertanojos e baticuns). O que aconteceu? O país sério foi assassinado e no seu lugar foi entronizada a chamada carnavalização do Brasil. Trata-se da representação, no teatro, no cinema e na música, de uma nação nascida para o desfrute, ou seja, um território livre destinado ao usufruto internacional.
O ódio à Era Vargas é um aleijão ideológico. É como o homem elefante: sua caratonha está explícita em todos os momentos atuais da vida nacional. A face hedionda, as sobras de pelancas caindo sobre os olhos para não enxergar direito, a boca cavernosa que não profere palavras inteligíveis, a não ser grunhidos, o corpo retorcido de tanta brutalidade. Parece natural, mas não é. É uma construção, que serviu para destruir o país. Como fizeram isso e por quê?
Fizeram da seguinte maneira: tudo o que não presta eles atribuíram à Era Vargas, e tudo o que presta eles se assenhoraram. Sabe a Fundação Roberto Marinho, que pretensamente cuida do patrimônio nacional? É uma contrafação. O SPHAN, Serviço do Patrimônio Histórico e Nacional, foi criado em 1936, no governo constituinte de Vargas, eleito pela Assembléia Constituinte, por sua vez eleita pelo voto direto. A defesa do patrimônio histórico ficou a cargo do Ministério da Educação e Saúde, que não existia antes de Vargas.
Sabe a luta contra a ditadura? Vargas enfrentou os comunistas em 1935, que promoveram uma quartelada mal sucedida (fruto da agitação nos quartéis), os integralistas em 1938, que cercaram e espingardearam o Palácio do Catete, os nazistas alemães e os fascistas italianos em 1944 nos campos da Europa, via FEB – Força Expedicionária Brasileira. Por que falo tudo isso? Porque estamos em agosto e daqui a pouco vamos lembrar, no dia 24, o suicídio do grande presidente. Dói, coração soberano, que os chacais venceram e estão por toda a parte, tentando nos convencer que somos essa porcaria que eles fizeram de nós.
Nós, os cidadãos criados na Era Vargas, somos testemunhas. Fazemos parte da glória do país que deslumbrou o mundo. Por isso, nas próximas eleições, queremos um candidato trabalhista, de verdade, que retome a nação no ponto em que foi interrompida. Naquele medonho Primeiro de Abril de 1964. Precisamos, como diz o samba, de uma nova aquarela.
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