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3 de outubro de 2008

POESIA É CULTURA DE MASSA


Começa segunda-feira, dia seis, e vai até o domingo seguinte, dia 12, um dos maiores festivais de poesia do país, o 2º Portopoesia. Por que é um espanto? Porque é fruto da união de inúmeros poetas de Porto Alegre, que resolveram colocar mãos à obra, sair da casca e fazer acontecer um evento totalmente dedicado a essa arte, tão exercida quanto sumida. Pois enquanto qualquer merdinha de rap faz estrago em espaços públicos e privados, a poesia fica sendo encarada como ocupação de uns poucos. Poesia é cultura de massa. Está sendo criada por milhões de pessoas, todos os dias. E divulgada de maneira espantosa, não apenas na internet, mas pela avalanche de livros que revelam a gigantesca participação humana no acervo do verso.

Tenho recebido uma quantidade enorme de livros de poesia, que vou lendo aos poucos e pretendo comentar todos aqui. São os poetas de agora e sempre, a maioria absolutamente ocultos ou restritos a seus ambientes geográficos. Você vai ao Recife, a Fortaleza, a Belo Horizonte, a todos os lugares do Brasil, e encontra não apenas dezenas, mas centenas de poetas, com movimentos estruturados, acordos coletivos de gente saindo pelo ladrão, poetando sem parar. É nesse clima que nasce e renasce a grande poesia. Há poucos anos, o nosso clássico maior, Mario Chamie, dizia assim de poetas travados, no seu imprescindível livro Horizonte de Esgrimas (Funpec, 2002): “É o poeta marca-passo, que se alimenta e se contempla, no santo e sonso repasto de sua neutra morta letra.”

Chamie denunciava esses redutos da poesia engessada, que domina ainda alguns círculos, uma situação que está cedendo diante da grande pressão que a poesia emergente (dos novos e antigos) está fazendo. O Portopoesia é um exemplo claro dessa pressão. Chamie aposta na diversidade: “Flor neutra ou flor isenta, voz caprina ou voz Cabrália, vamos poetizar o poema contra o não da pedra árida”. É o que está acontecendo, cumprindo o manifesto/profecia de Chamie. Certa vez, num lançamento, comentei com Mario Chamie como a internet estava disseminando minha poesia, depois de eu amargar décadas de exílio. Ele celebrou e me disse: deixa correr, não interfira, deixa andar. Foi o que fiz. Hoje, meus poemas ilustram os ”about me” de inúmeros orkuteiros e meus poemas, acompanhados das mais variadas fotos, estão nos fotologs, sites e blogs, daqui e de além mar. Portugal descobre minha poesia, e quando Portugal me enxerga, não resisto, e choro. Porque é da língua mãe que estamos falando, é dela, a língua onde vivemos.

O Portopoesia é um movimento coletivo, mas deve-se dar o crédito ao grande poeta (não mais oculto, como eu costumava me referir a ele aqui) Marco Celso Viola. Ele é o idealizador e coordenador do evento. Tive a sorte de acompanhar todo o processo que deságua agora na cidade da cultura. Primeiro, participei como braço direito dele no primeiro movimento cultural desencadeado por Celso em 1969, quando fomos para a praça mostrar nossos poemas. Aquilo foi uma revolução, gerou um movimento que se estendeu por dez anos, no auge do arbítrio político e cultural. Hoje, vejo com orgulho Celso saindo da casca. Foi nessa casca que o reencontrei na Feira do Livro de Porto Alegre em 2004, cheio de idéias e vontade, mas amarrado pelo longo tempo de exílio interno.

Celso estava na época lançando seu belo livro Poemas para ler em voz alta, numa edição de autor, confinado, enquanto o resto dos autores cacifados vinham no bem bom mostrar suas obras. Eu era um deles. Vinha a convite da Feira e da editora Francis lançar meu romance Universo Baldio, com despesas de estadia pagas e me colocaram no centro da roda. Fiquei 40 minutos no ar na TVE junto com Paulo Markun. Levei junto Marco Celso Viola. No mesmo momento, publiquei uma página inteira sobre seu livro no caderno Cultura do Diário Catarinense.

A partir daí, Celso mostrou a que veio, deslanchou. Lutou por uma editora, continuou colocando suas obras nas livrarias (depois vieram Viver a Paixão de Cada Passo e o Livro Negro dos Bardos), se uniu aos outros poetas e hoje colhe os frutos desse esforço, pois o Portopoesia começa a ter algum apoio, como pode ser visto no site oficial. Eu já tive o privilégio, em 2007, de dispor de imensa sala e uma hora inteira para falar e recitar meus poemas no primeiro Portopoesia. Neste, o destaque é para Celso e sua erudição sobre o tema poesia, além de seus belos poemas. E a presença também de Luiz de Miranda, o poeta festejado e importante que terá seu espaço para que todos ouçam sua poesia épica, lírica, contundente, profunda.

Celso e Miranda, e mais todos, Pirata, Schneider, Starosta, José Antonio Silva, todos, força e sucesso e mandem ver. Poesia é o biscoito fino da cultura de massa. Sem poesia não há nada.

RETORNO - Vai votar dia 5? Dia 5 porque é domingo, senão você votaria hoje, na data certa, na tradicional: 3 de outubro, quando se comemora a Revolução de 1930. Aquela que "não houve" e que mudou o Brasil para sempre, revelando sucessivas gerações de gênios. A revolução que não cansam de desmoralizar e desconstruir. Mas que resiste, como o grande épico do Brasil em armas. Nunca é demais lembrar: só no Rio Grande do Sul, cem mil voluntários civis se alistaram. Cem mil há quase 80 anos. Elites, certamente, como costumam dizer. A História confirma: era povo mesmo, massa. E correu bala. Meu pai lutou nessa guerra e me contou do tiroteio e da mortandade. Pai não mente para o filho, pai diz a verdade.

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