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28 de setembro de 2007

VIAGENS DA PALAVRA



Viajo neste sábado, dia 29, para um encontro em Porto Alegre no evento Porto Poesia , que já está rolando desde quinta-feira, envolvendo um grande de número de poetas. Vou a convite dos poetas Marco Celso Viola e Mario Pirata. A conversa será das 17 às 17h45, na sala Barbosa Lessa, quarto Andar do Centro Cultural Erico Veríssimo, rua dos Andradas 1223. A viagem à cidade da cultura tem o apoio de Clovis e Lais Heberle, anfitriões de primeira água, que me cercam de atenção e gentileza quando viajo para lá. E de Daniel e Carla Duclós, filho e nora, que também foram providenciais. E de meu irmão Elo Ortiz Duclós Filho, com sua força de sempre.

No encontro, vou dizer alguns poemas e falar sobre escritores que se foram e deixaram marca, como Caio Fernando Abreu e Dedé Ferlauto. Um livro inteiro de Dedé foi colocado no blog de Clovis Heberle, o Correcaminos. Este é o segundo blog de Clovis, em que ele reporta as inúmeras viagens que fez pelo mundo.

Também participo de um novo projeto da Livraria Roma e o Jornal Vaia. Junto com meu amigo eterno e múltiplo talento Claudio Levitan, estarei no sábado a partir das 18h30 no programa cultural "Duas vozes – música e literatura" . O objetivo é divulgar e debater a produção musical e literária brasileira contemporânea. O evento terá duração de aproximadamente uma hora e meia e será dividido em três etapas: comentários sobre a obra dos convidados e breve entrevista; leituras e comentários dos artistas sobre seus trabalhos e participação do público; pocket show com o músico/compositor convidado. A livraria Nova Roma está localizada na rua Gen.Câmara, 394(telefone 30134535), em Porto Alegre. E a entrada é grátis.

Ontem recebi enfim alguns exemplares de Diogo&Diana, pois a greve dos Correios tinha me deixado na mão, a ver navios, enquanto meu irmão Elo e meu filho Daniel já tinham comprado e comentado. A edição ficou primorosa e espero que os leitores se agradem dessa aventura que Tabajara Ruas e eu inventamos pela ilha de Santa Catarina afora.

No dia 4 de outubro vou autografar na Feira Intermunicipal do Livro de São José, aqui perto, no Continente, uma promoção da Câmara Catarinense do Livro, que na inauguração vai me outorgar a medalha do Mérito Escritor "Cruz e Souza". O presidente da CCL, José Vilmar da Silva, explica que essa é uma distinção "oferecida por ocasião das nossas Feiras do Livro, que destaca contribuições pessoais importantes em atividades de valorização e difusão do livro e da leitura ou formulação de políticas relacionadas com a educação". Será no Shopping Itaguaçu às 10h30 (cerimônia de abertura e medalha) e às 13 horas (autógrafos).

No dia oito de novembro vou participar de evento internacional na Feira do Livro de Porto Alegre, junto com Tabajara Ruas e o romancista mexicano David Toscana. No dia seguinte, dia nove, estarei em três eventos: mesa redonda sobre escritores fronteiristas, convidado que fui pelo escritor e professor Cícero Galeno Lopes; outra mesa redonda com Marco Celso Viola sobre poesia; e ainda um horário de autógrafos junto com o Taba.

É a vida de escritor que recomeça pelos eventos, divulgando nosso trabalho, criado aqui no isolamento, mas sintonizado com tudo o que há mundo.

27 de setembro de 2007

A DITADURA EM PLENA FORMA


Quando falo em ditadura, acham que uso uma metáfora. Chegaram a me dizer que existe sim uma ditadura financeira, mas não política. Que temos liberdade e por aí afora. Contra-argumento o seguinte: se há uma ditadura financeira, estamos então em pleno regime de exceção. A política oficial é apenas instrumento desse sistema e se fundamenta na lógica da tirania para dar as cartas, em qualquer lado do balcão. Por exemplo: medida provisória. É um instrumento criado no auge da ditadura. É contestada? Não. Só aparece quando o Senado derruba a medida provisória que criou 660 cargos numa secretaria especial para o Mangabeira Unger.

O episódio é revelador. Mangabeira Unger abandonou sua cátedra em Harvard para assumir o cargo no governo Lula, contrariando assim toda sua biografia. Assumiu com pompa e circunstância, proferindo suas falas explicativas com aquele sotaque esmerado de gringo, que para mim, a exemplo de Harry Sobel, é treinado diante do espelho. E foi jogado no lixo pela ratatuia da política, essa súcia que domina verbas e cargos. Era ver ontem no noticiário da televisão a cara de deboche dos responsáveis pela travessura. Dizem os jornalistas bem informados que tudo foi obra do Renan Calheiros, que assim mandou um recado para o governo de que está vivo e que é preciso completar o serviço, ou seja, não basta poupá-lo da cassação, é preciso mantê-lo no cargo.

Aloísio Mercadante, tão majestoso e auto-suficiente, é o bobalhão eterno. Certamente apoiou a sessão secreta para não expulsar Renan, com a promessa de que ele deixaria de ser presidente da Casa. Pois foi traído, a ver pela cara contrariada que exibe diante das câmaras. Caiu em desgraça desde o segundo turno das eleições presidenciais que elegeu Lula. Não haveria segundo turno, mas aí Mercadante se meteu numa embrulhada. Continua sendo punido. É um fantasma político.

Lembro quando ele, com seu peito de pomba (põe o peito para frente, a sugerir grandeza) , contava às gargalhadas no aeroporto aqui de Florianópolis como ele e sua gang tinham abordado o Brizola derrotado em 1989. Pediram-lhe apoio, prepotentes. Brizola, claro, estava uma fera, e isso era motivo de alto deboche coletivo. Vi tudo e não entendia a cena, pois desconhecia o bigodinho que manobrava a conversa. Depois soube que era o Mercadante, tão cheio de si e agora enterrado pelos parceiros que escolheu para ajudar a enterrar o trabalhismo.

Mercadante e Mangabeira são alfabetizado brutalizados pela política dos grotões. Fizeram o jogo e agora roem o osso, enquanto os coronelões do PMDB et alli se locupletam. Estão apenas batalhando por cargos na Petrobrás. E essa história de privatizar a selva? Deram concessões de 40 anos para grandes empresas explorar “de maneira sustentável” a mata que Dom Pedro II preservou para nós. Vai restar o deserto, claro. Aí vão querer dar o alarme. Tarde piaste.

Enquanto falam da vida que melhora, dos milhões que saem da pobreza e não sei quantas mentiras mais, o crime cresce no país inteiro. Os assassinatos se multiplicam, com cada vez mais crueldade. É a ditadura em plena forma. O país está à mercê da bandidagem, que gargalha em todos os nichos da República.

RETORNO - Imagem de hoje: Futebol enlatado, por Helcio Toth. O tapume colorido tenta esconder, mas revela, o país abandonado.

26 de setembro de 2007

A IDEOLOGIA DO PITACO


Pitaco é aquela cereja por cima do bolo da notícia. Significa que a matéria jornalística foi confeccionada de modo “isento” e , portanto, há espaço para o pitaco, que é fruto do “convite à reflexão”, como se reflexão precisasse de convite. É diferente do jornalismo opinativo, que toma posição. O pitaco é a opinião ligeira que pretende ter a última palavra, assenhorando-se tanto da reportagem quanto do editorial. Para que reine, é imprescindível que a redação esteja totalmente submetida aos seus desígnios. Traduzindo: que fique de boca calada e mãos amarradas sobre o que realmente interessa.

É óbvio que o raciocínio está imbricado na reportagem, senão seria impossível concretizá-la. Só que essa produção de pensamento foi mascarada e jogada numa espécie de limbo. Visto de perto, esse limbo, esse não-lugar da razão impura, é uma agonia do real, é o Falso Bem num baile de máscaras promovido pela ideologia.

O que é uma reportagem? É o resultado de uma pesquisa, de uma abordagem dos fatos, encadeados por uma lógica, para que sejam percebidos, entendidos, digeridos, consumidos. Não se jogam dados aleatoriamente numa reportagem. Há uma confecção, uma espinha dorsal, um começo, meio e fim. Há, portanto, exercício da razão, o que implica reflexão.

É impossível trabalhar cegamente em jornalismo, servir de burro de carga das versões dos fatos e das fontes, amparar-se em muletas das expressões recorrentes. Para fazer sentido, a reportagem precisa mergulhar na lógica do que aborda, pois cada detalhe tem também sua porção racional. A não ser que o repórter caia no vício de implantar falas nos entrevistados, como vemos a toda hora na televisão, fazendo com que o interlocutor repita o que foi sugerido pelo jornalista.

O trabalho jornalístico é produção de pensamento o tempo todo, com todas as cargas possíveis de ideologia, fruto do encaminhamento da pauta, das posições dos chefes, da conhecida “filosofia da empresa”, além das orientações rígidas dos manuais. Se por acaso houver um deslize, ou seja, se algum pingo de oposição salpicar na vidraça colorida da ideologia, existe o limpa pára-brisas, o flanelinha, o vapor providencial. Pronto, tudo está claro agora?

Assim embalada, a reportagem chega ao telespectador com todo o seu peso tendencioso, mas precisa ser apresentada como algo isento, ou seja, que faça parte do destino natural das coisas. Para isso existe a figura do Outro Lado, que é uma espécie de assombração no sinistro castelo da manipulação dos fatos. O Outro Lado é o álibi perfeito que abre as comportas para o pitaco. Já que você, em tese, deu voz a quem seria prejudicado pela matéria, então você entra com a reflexão pós-parto, para mascarar a dor gerada pelo fórceps.

É por isso que vemos a repetição monótona de jargões, que serve apenas para acumular o capital simbólico do pitaqueiro, mas não fede nem cheira na massa gigantesca e hegemônica de ideologia embutida nas reportagens. O que manobra com a opinião pública é o que vem antes do pitaco. Este, serve apenas para dourar a pílula. Vemos isso toda hora: a cara de boi compungido dos arautos da moral e dos bons costumes, os eternos conscientes democratas que pontificam em tom didático sobre a culpa que todos carregam de não serem tão conscientes quanto eles.

Além da matéria em si, existe a ordem de apresentação no noticiário, o que reforça as intenções originais. “O Brasil cresceu”, diz a manchete, “diminuiu a miséria”, segue o noticiário, “Renan Calheiros não será punido”, diz a nota sem muito destaque. “A sociedade está revoltada”, mostra o pitaco contrabandeado em forma de reflexão. É uma tranqüilidade: há revolta, inócua, mas em compensação há crescimento, “real”. Viva a democracia.

O pitaco é uma adaptação brasileira do noticiário da televisão americana, com uma brutal diferença. Lá, o apresentador deixou de ser um rostinho simpático para se transformar numa espécie de monstro sagrado do jornalismo, que ao editar e ditar as matérias assumiu a identidade total do que é considerado um produto de comunicação. Aqui, veio a calhar.

Como era preciso se livrar da fama dos repórteres, ou não deixar que ela aflorasse, colocaram todos os ovos numa cesta só. É uma distorção que nos Estados Unidos não escapou da crítica e do deboche. “Eu sou Chevy Chase e você não” dizia o comediante imitando os âncoras.

O individualismo no jornalismo vem carregado pela maré alta do capitalismo. Nada se faz sem o esforço de equipes, mas é importante que a versão seja outra. Há tempos, descobriram pessoas iludidas de que Cid Moreira era quem sabia todas aquelas notícias. É importante concentrar ideologia numa figura só, fica mais fácil de manipular. Paga-se uma fortuna para o sujeito e arrocha-se o resto.

Mas existe também compartilhamento. O correspondente internacional goza de alguns privilégios, mais do que o responsável pelo link na estrada em véspera de feriadão. Ele pode dar pitacos, desde que jamais deixe de se deslumbrar com a derrota do socialismo, e mostre diariamente como aqueles países comunistas são impregnados da idéia do lucro e da ascensão social.

Pois no fundo é isso o que importa: o capitalismo como parte da natureza, como denunciaram Marx e Engels no livro obrigatório, “A Ideologia Alemã”. Abafe o conflito, faça triunfar a idéia do lucro, cacife algumas Ongs para mostrar o lado bom das coisas e depois dê um pitaco. Pega bem.

RETORNO - Imagem de hoje: "Tempo", foto de Regina Agrella. Arte e reportagem: criação e pensamento. Quem faz, pensa. Quem reporta, sabe.

25 de setembro de 2007

A SÍNDROME DO ÚLTIMO



Nei Duclós (*)

Existem soluções de linguagem que jamais perdem a utilidade, sendo infinitamente reproduzidas. Ainda não nos livramos, por exemplo, da influência de “O último dos moicanos”, título do romance de James Fenimore Cooper sobre a amizade entre um índio e um branco, numa guerra do século 18 na América. Talvez o motivo seja a força da proparoxítana, amparada na última vogal, e instaurada como lei em épocas terminais – fim dos séculos ou dos tempos. No mais recente apocalipse, pautado pela curiosidade sobre as profecias, “último” virou endemia. Um massacre reforçado pelo famoso fim da História.

Ainda hoje, nesta primeira década, quando se deveria falar em início de alguma coisa, sobrevive o hábito de fechar o boteco em qualquer atividade, como se a humanidade fosse uma eterna despedida. O tom parece saudoso da grandeza épica, mas pode ser apenas a vontade de se livrar das chateações, e ir enfim para casa assistir um bom filme. Só que os últimos grandes cineastas estão morrendo.

Jean-Luc Godard dizia que precisou duvidar da certeza de que tudo já tinha sido feito para começar a dirigir suas obras. É uma espécie de assombração. O que fazer se os últimos já se despediram? Ficou um tremendo vazio, apesar da quilometragem de vida pela frente. Para piorar, já somos craques em décadas perdidas, palavra que também teve sua fase. Ou será que continuamos nela?

A moçada custa a entender que esse é um truque dos mais velhos. Como já viveram suas loucuras, os veteranos definem o fim de tudo para evitar concorrência (e assim se recolher para o sofá sem sentimento de culpa). Enquanto isso, os garotos ficam desesperados tentando arrebentar alguma coisa. Para quê? Para nada. Os últimos anarquistas e revolucionários também já se foram.

Não se concebe a resistência da síndrome do último em início de milênio, outra palavra que emergiu poderosa, mas não por muito tempo. Há uma exaustão de milênio, que perdeu a resistência e talvez desapareça do imaginário. Tentaram explorar ao máximo a cambalhota mortal do calendário, anunciada com promessas de catástrofes definitivas.

Anunciar de cara um fato monstruoso é pura criação literária, notadamente na Metamorfose, de Kafka, quando, na primeira frase, um pobre coitado descobre que virou inseto. Essa quebra de suspense tem seu charme. Foi imitado por Garcia Marques em “Crônica de uma morte anunciada”, expressão repetida até a insânia nas mais variadas formas.

O planeta sofre de morte anunciada. Será que chegaremos aos últimos ecologistas, coincidindo com o fim da vida humana na terra? Do jeito que vai, o último livro será escrito para absolutamente ninguém. Analfabetas, as traças cumprem seu ofício de devorar tudo, até a última enciclopédia, para que a vida possa entrar em novo ciclo.

Seria bom se chegássemos ao último “último”. Assim todos poderiam parar de se chatear e ir assistir a um filmaço, daqueles que não se fazem mais. O filmaço sumiu, junto com bigas romanas se estraçalhando na arena, travellings majestosos sobre multidões de feridos, além de gritos de “Eu sou Spartacus”, que arrancavam lágrimas de espectadores ainda inconformados com a escravidão.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada neta terça-feira, dia 25 de setembro de 2007, no caderno Variedades do Diário Catarinense. 2. Cena em que os companheiros do líder tentam poupá-lo dos tiranos se identificando como Spartacus. Filmaço de Stanley Kubrick e Kirk Douglas, produtor e principal ator.

24 de setembro de 2007

DONA BOVARY E SEUS TRÊS MARIDOS


“Dona Flor e seus dois maridos” é uma adaptação de “Madame Bovary”, de Flaubert. Jorge Amado casou Ema Bovary com o farmacêutico Homais (no romance francês, um vizinho muito presente) e colocou seus dois amantes (Randolphe e Leon) num só personagem, o fantasma libertino do primeiro cônjuge. Dona Flor assim vira uma Ema sem culpa, pois pula a cerca (em termos, já que trai o atual marido com o marido morto) mantendo as aparências sem se arruinar ou cometer suicídio. Como Dona Flor, também Capitu, de Machado de Assis, bebe da mesma fonte: a senhora distinta, casada, que enjoa dos laços matrimoniais e precisa resolver seu tesão, um tema que envolveu os escritores depois que Flaubert matou a charada de como abordar o tema maldito sem cair em desgraça.

Madame Bovary foi lançado há 150 anos e é considerado “o romance dos romances” pela acurada carpintaria da linguagem, a estrutura impecável da narrativa, a complexidade social e psicológica dos personagens e a grande influência que exerceu em todo mundo, com os russos à frente, como confessaram Tchecov e Tolstoi, entre muitos outros.

Na edição que eu li, da Nova Alexandria, com tradução de Fulvia Moretto, temos direito a making of, ou seja, um anexo com os autos do processo que o governo moveu contra o autor por ter atentado contra a moral, os bons costumes e a religião e por ter feito um hino à a lascívia e ao adultério feminino. A defesa é surpreendente. O advogado Sénard usa uma argumentação extravagante, totalmente confirmada pelo autor que ficou ao seu lado nas audiências. Sénard diz que o livro foi escrito por um homem rico e viajado,de família com grandes serviços prestados à sociedade (era filho de famoso cirurgião). A obra, um exemplo da mais alta moral, servia para alertar sobre os perigos de as mulheres serem educadas nos princípios que existiam apenas fora da sua classe social.

Ou seja, mulher pobre não tem nada que ficar aprendendo coisas que não lhe dizem respeito. Se freqüentarem estabelecimentos educacionais reservados aos mais abastados vão aspirar ao que jamais terão. Vejam que perigo! No lugar de receberem uma formação forte (viril, no mínimo, pelo que eu entendi), um conjunto de valores férreos que vão ajudá-las no momento de fraqueza, elas acabam sendo levadas para a ilusão e a perdição. Estaria aí a essência da obra, segundo a defesa. Funcionou. Todo mundo foi absolvido: o autor, o editor e até mesmo impressor.

Para que as moças pobres, no futuro, mantenham a retidão, o casamento, seus deveres de esposa e mãe, devem ser treinadas para o lar, o trabalho, o sacrifício, a devoção. Nada de saírem de suas fazendolas, sítios, quintas para irem às cidades receberem a educação reservadas às ricas. O pobre pai de Ema queria que ela casasse bem, por isso não a encaminhou para as lides campeiras, mas para as prendas da alta classe. Ema viu-se assim frustrada, execrando o casamento com um pobre profissional da saúde que nem tinha título de doutor. Acabou sendo fisgada pelos devaneios, tornando-se presa fácil dos rapazes endinheirados ou jovens alpinistas sociais que buscavam aventura com mulheres casadas.

Madame Bovary seria assim uma espécie de manual de conduta para as senhoras, que veriam as punições que acarretariam o pulo da cerca. Ou seja, Flaubert jogou pesado e inverteu a arma contra seu próprio adversário, o governo imperial (a monarquia restaurada, depois dos insucessos de Napoleão). Saiu-se como um campeão moral, mas seu romance extrapola essas picuinhas da época. É, claro, uma obra-prima, uma lição de mestre de como se deve construir um romance, que extrapola todo o tipo de gênero. É realista e romântico, é psicológico e de costumes, é profundo e superficial. Foi vendido inicialmente como folhetim na Revue du Paris e se transformou num golpe contra a hipocrisia, os jogos de cena que amarravam as pessoas a duras relações baseadas nas aparências, no tédio e na mesmice.
Mas o livro fica imune ao jogo de forças entre tradição e ruptura, entre religião e ateísmo, entre ciência e ignorância. Trata das contradições de classe (e isso lhe empresta permanência): a esposa de classe média que aspira à riqueza e por isso se entrega a amantes ricos ou mais jovens do que ela; o farmacêutico que usa o exercício da sua profissão e textos publicados em jornais da província para conseguir a Legião de Honra; o agiota que explora as fantasias da senhora para arrancar-lhe o patrimônio; o cego que invade a carruagem para conseguir alguns trocos dos viajantes; o funcionário que precisa abrir mão de suas aventuras amorosas para não prejudicar a carreira; os camponeses explorados que são bajulados por um poder tirano e usurpador.

Ema Bovary é uma heroína cheia de contradições, que tem a ousadia de tentar romper com o cerco e acaba sendo vítima de sua própria determinação (não consegue se desvencilhar de sua situação de classe). Por se situar na fronteira entre a classe média e os ricos que usufruem de castelos, perfumes, roupas caras e teatros, ela mantém uma conduta ambígua o tempo todo. Sua fragilidade é confundida com sua força, seus encantos parecem ser sua redenção, sua inteligência acena, em vão, para algo maior do que a vidinha restrita de um casamento arranjado e medíocre. Ela reconhece seu erro (a impossibilidade de ascender socialmente), por descobrir a repetição das rotinas do casamento no fogo apagado dos escondidos encontros amorosos. Os amantes tornam-se tão insípidos quanto o marido.

Mas pouco podemos dizer dessa obra depois de tanto tempo e tantos gênios que se debruçaram sobre ela. O importante é ver como Flaubert compôs o drama, tantas vezes levado à tela e tantas vezes imitado.

A protagonista surge por acaso no início da história e aos poucos vai tomando conta de tudo. Aparentemente o livro é sobre o marido dela, Charles, que acaba ocupando papel secundário, mas ao mesmo tempo fundamental. Charles é a âncora desprezada pela mulher, o enamorado esposo que a tudo suporta e jamais a condena (vimos esse personagem mais tarde em Tchecov). O que vale a pena ver é como Flaubert jorra na criação de um universo riquíssimo em detalhes, a quantidade de palavras que usa, uma verdadeira enciclopédia, sem jamais cair na pieguice, no mau gosto ou nos excessos de estilo. Ele fazia cinema antes de ser inventado. Suas cenas são vivas, as paisagens saltam na cara, os protagonistas jamais nos abandonam.

Jorge Amado poderia ter escolhido outro tipo de marido monótono, mas optou exatamente pela figura do farmacêutico, o vizinho do casal Charles-Emma, que acaba ocupando uma posição central na história. Pernóstico, sério, interesseiro, pseudo intelectual, tudo do farmacêutico de Flaubert foi adotado pelo de Jorge Amado, que não se livrou do personagem depois da leitura e acabou se entregando a ele. Identificar os amantes de Ema com o marido libertino que assombra Dona Flor com suas tentações é perfeito, pois os amantes de Ema eram também fantasmas na vida pacata provinciana. Eles agiam de uma forma que só a mulher percebia.

Flaubert nos ensina como entrelaçar cenas e personagens sem cair nas armadilhas que acabam desmascarando o enredo perante o leitor. Algo cruza em determinado capítulo: isso vai se desdobrar mais adiante. Nada está fora do lugar, nada está forçado, nenhuma linha jogada fora. É de babar. Mais do que Ema Bovary, o que fica é a maestria do autor, um gênio da narrativa, insuperável. Podem tentar toda espécie de ruptura, o romance de Flaubert se manterá, intacto, como obra obrigatória. Proust, Barthes, Sartre e todos os outros grandes autores visitaram essas páginas importais e lhe renderam a atenção merecida.

Jorge Amado também. O que fez muito bem, pois seu modelo, seu paradigma, é o livro que surgiu como um terremoto e agora está sendo celebrado no seu sesquicentenário.
RETORNO - Imagem de hoje: pintura de John William.

23 de setembro de 2007

PARA LÁ DO CACARÉU


Os conterrâneos vão ficar escandalizados, mas nunca soube exatamente onde fica o Cacaréu. Só sei que é muito longe. Talvez descendo o rio, perto dos Navais, num charco, imagino. Deve ficar perto dos fuzileiros, para justificar a frase “carioca do Cacaréu, baixa as calças e tira o chapéu”, que servia para desmoralizar quem inventasse de falar chiado. Conheci guris bem gauchinhos que depois de entrar para a Marinha (lá em Uruguaiana é lugar de águas de fronteira) falavam como se tivessem vivido o tempo todo no Rio de Janeiro. Pois nada sei do Cacaréu, mas sei alguma coisa sobre um senhor muito distinto e grandalhão conhecido como o sr. Lapitz, nome que era traduzido como Lápis, tanto para facilitar como para buchinchear com ele.

O sr. Lapitz era um portentoso carola e estava em todas as missas importantes, a das seis, do domingo, as da hora do Ângelus, todos os dias, e as das grandes datas. Puxava o coro com seu vozeirão e ajudava em tudo na igreja, como esses devotos tão bem retratados na literatura do século 19. Devia ser isso mesmo, o fervoroso Lapitz era um personagem saído de páginas ancestrais e divertia a macacada da cidade, pois exibia uma presença gigantesca, obesa, alta. Vestia-se com casacos que lhe sabiam escassos na cintura e na altura, e calças que subiam pelos tornozelos. Tudo era encimado por uma grande careca e um nariz proeminente.

O conjunto pessoal era brindado ainda por uma perna capenga, pois o sr. Lapitz tinha um defeito na perna, talvez num dos tendões, como o personagem do romance Madame Bovary, de Flaubert. Mas Lapitz teve a prudência de não se entregar a algum cirurgião de inexperiente para corrigir o defeito, como acontece na literatura, com péssimas conseqüências, como sabem os que leram a história. Pois ele puxava a perna enquanto carregava um gigantesco Cristo crucificado de metal, talvez de prata. Era uma cena e tanto ver o sr. Lapitz cantando aos berros pela rua (só sua voz se ouvia), puxando as procissões, bem na frente, com aquele Cristo que tocava as nuvens.

Como a fronteira é terra também de engraçadinhos, especialmente entre a garotada, era dito e feito. Saía a procissão para juntar a bagacerada ao redor do gigante. “Aí, véio Lápis”, diziam os guris, voejando como moscas, querendo puxar a aba do casaco ou dar-lhe uma rasteira. O sr. Lapitz ficava, logicamente uma fera, pois sua grandiosidade física e sua profundidade devota não eram escudos para a súcia de malfeitores atraídos por motivos óbvios: assim como existia carolice, existiam os debochados, os ateus, os anti-clericais ou simplesmente os moleques, que a tudo desprezavam com sua algaravia de pé descalço.

Um dia o sr. Latpitz estava de maus bofes e resolveu reagir. Estava pronto para a desforra. Acho que foi numa procissão importante, dessas de Corpus Christi, em que literalmente toda a cidade sai para rua, tanto para engrossar a procissão, quanto para ver as pessoas passar, especialmente as gurias, com seus véus sobre a cabeça, o que lhes emprestavam um charme irresistível aos seus rosto lindos e corpos deslizantes. Mas a gurizada não queria saber de namorar, mas de zoar com o velho devoto, tanto para garantir prestígio em relação às outras gangs quanto para se exibir simplesmente diante do enorme público.

Pois a um grito maior de “aí véio Lápis”, o santo homem levantou ainda mais alto seu talismã religioso, que carregava como a expiar culpas antigas e garantir seu lugar no céu. Ameaçando com aquela vara de metal pesada, com a mesma vozeirão, berrou:
- Sai da frente, moleque, senão te dou um Cristaço!

A história me foi contada por meu pai, ateu convicto, que gostava de zoar com os excessos da religião. Lágrimas saíam dos olhos do meu pai num almoço de domingo, em que ele chegou a se levantar para imitar o protagonista da cena. Tornou-se, para mim,um causo também clássico do humor ferino da fronteira, com toda sua carga de inocência, graça e crueldade coletiva.
RETORNO - Imagem de hoje: foto de Regina Agrella.

20 de setembro de 2007

CENAS GAÚCHAS


O falso humorismo entronizado na mídia funda-se nos estereótipos, nas caricaturas e nas imitações de velhas piadas do tempo da rádio, só que sem a graça original. Um dos crimes nefastos da picaretagem em cima dos telespectadores foi a exploração medíocre do gauchismo, o que é uma pena, pois se houvesse gente competente no ramo poderia usufruir do vasta anedotário sobre o Rio Grande do Sul criado e reproduzido pelos próprios gaúchos.

Costuma-se utilizar as idéias fixas para tentar desmoralizá-las. Se o gaúcho tem fama de macho, a obviedade reinante acha que pode fazer graça chamando-o de viado (ou fresco, como se dizia na campanha). Quando me anunciam uma piada sobre as pessoas da minha terra, costumo responder: “Conheço a piada, o gaúcho é viado, ha ha ha”. Já canto o mote junto com risada cretina. Dito e feito: é sempre isso. Haja.

Fui criado nas rodas de chimarrão onde a anedota ganhava contornos não apenas de grande comédia, como chegava às vezes ao nível da genialidade. Lembro que costumávamos chorar de rir com as histórias que passavam de geração a geração, e as outras, capturadas da realidade em cima do laço, graças à visão impiedosa que temos dos outros, pois num lugar onde há pampa, onde a paisagem é lisa, enxergamos de longe quem quer que seja. Não tem como se esconder: é tudo explícito e pronto. Não há morrete, nem jequitibá, nem baía mansa. É tudo no vento, na adaga e na lanterna na cara.

Ouvi e gosto de repetir uma das cenas antológicas protagonizada pelo Tibete. Para funcionar é preciso saber, primeiro, que pronuncia-se Tibete com todas as letras, com as consoantes e vogais bem acentuadas, igual a leite quente. Segundo, que Tibete fazia questão de ser autêntico, apesar de essencialmente urbano, como todos nós daquela época, em que os Centros de Tradição Gaúchas estavam ainda no início (e por isso foram criados, para espantar essa indiferença). Não sei a que altura da vida o Tibete, de família fazendeira em Uruguaiana, resolveu usar aquele grande chapéu de barbicacho, bombachas lavadas e passadas no capricho, botas sanfonadas com lustre conseguido na Borboleta, revistaria onde havia também serviços de engraxate.

Tibete acompanhava essas pilchas, que são as roupas típicas, com gestos largos, vozeirão forçado, pois seu timbre era normal, e pose de monarca das coxilhas. Correu pela cidade as suas esquisitices, pois não existia, na urbaníssima fronteira gaúcha dos anos 50, nada mais esdrúxulo do que um falso gaúcho, ou seja, um janota da cidade fazendo força para parecer do campo. Hoje é moda, pois o gauchismo venceu a parada (e felizmente que isso aconteceu, como notou Tabajara Ruas numa homenagem a Barbosa Lessa, o idealizador do movimento dos CTGs: imaginem, disse Taba, se o Rio Grande do Sul caísse na armadilha dos paulistas, que usam chapéu de cowboy e se acham country).

Mas voltemos ao Tibete (lembrem, pronuncia-se “Tí-bé-te”). Como era público e notório que ele levava a sério sua nova identidade, começaram a se manifestar os engraçadinhos, querendo explorar a conhecida verve do gauchão. Pois Tibete era boquirroto e tinha tiradas ótimas, todas embaladas pela inspiração gauchesca, mas com um toque original. Era um criador de frases memoráveis, cevado no convívio galponeiro com a xiruzada que cuida do gado.

Certa feita (como diria Oscar Mentira, célebre contador de causos da cidade), Tibete estava envolvido, em plena praça central, a Barão do Rio Branco, com o tradicional ofício de chavecar uma garota, derramando sobre a dita seus encantos e charmes oficializados em pilchas lustrosas, em lenços brancos ou colorados da melhor procedência e tudo encimado por aquele chapéu de cagar na sombra, como era costume se dizer sobre o estranho hábito de cobrir a cabeça (usávamos gomina no cabelo para segurar o topete, jamais iríamos colocar um troço de feltro que esquentava o cocoruto).

O engraçadinho passou em frente do esforçado rapaz pampeiro e endomingado, e não teve dúvidas, fez uma provocação:

-Ué, Tibete, o que tu está fazendo aí?

Arrancado de sua concentração, Tibete replicou no bate-pronto (ou no sobre-pique), à altura do susto e de sua determinação, com a voz cantada, como é costume na terra, bem na frente da moça:

- Mas não vê, tchê? Estou aqui, floreando o cu da gansa.

O "floreando" saiu como um solo de flauta, elaborado junto ao ondular da expressiva mão direita.

Lembrei essa cena para um paulistano da gema, morador no Cambuci, e exímio contador de histórias, André Falavigna. Ele decretou que “floreando o cu da gansa” é um clássico e merece ser difundido. Grande Tibete.


RETORNO - Claro que a edição de hoje é em homenagem ao 20 de setembro, data máxima da Revolução Farroupilha.

18 de setembro de 2007

CERCO SINGULAR



Nei Duclós (*)

Algumas palavras ditam a moda. Houve a época do consenso, depois da distensão, mais tarde da globalização, até chegarmos à convergência. Agora é a vez da singularidade, um estado (por enquanto teórico) incapaz de seguir qualquer regra conhecida. Já existem exemplos. Um deles fica bem no miolo do buraco negro, ponto da curvatura espaço-tempo com massa infinitamente densa. Outro é o ambiente isolado que originou o Big Bang.

A explosão original é um singularidade que desabrochou. Até hoje ouvimos seu arrastar de correntes pelo cosmo, pelo menos é o que os cientistas admitem. O Big Bang parece ser a contrapartida gerada pelo ciúme da ciência diante do bem elaborado texto do Gênesis. A teoria faz concorrência ao misterioso narrador do Gênesis (que não é Deus, já que se refere a Ele).

O autor bíblico, um intermediário da palavra divina, é o modelo dos cientistas ateus. Fartos de paradigmas, eles se expandem cada vez mais, atingindo a fábula, a ficção, a parábola, o mito ou pura e simplesmente a "boutade", aquela sacada que faz estrago e impressiona. O Big Bang, estrondoso "Faça-se a luz" multiuso, é um desses impactos.

A Teoria das Cordas, outro rebento científico, foi além, já que não admite contestação, segundo bolsões da imprensa. É proibido desconfiar das certezas geradas pelos objetos unidimensionais, semelhantes às cordas. Elas ameaçam a atenção excessiva às partículas, tão caras à nossa mentalidade leiga, impregnada de Einstein mas no fundo ainda newtoniana. Nossa formação não permite que a relatividade ocupe o lugar reservado à revolução de Newton. O cálculo infinitesimal já é um quebra-cabeça e tanto, imagine o tempo sendo modificado pela velocidade.

Os conceitos mudam, ameaçando carreiras e intrigando as massas. É lucrativo ficar atento e acatar a nova onda sem exibir perturbação. Quando a palavra pega, adotamos a moda como nossa segunda natureza. Se alguém se referir à singularidade poderemos expelir aquele som gutural, emitido de maneira bem espichada, que soa como um hãm hãm de concordância, mas é mais do que isso. É uma confirmação da nossa sabedoria e também uma exigência. O interlocutor precisa dizer algo que desconhecemos (o que é, claro, impossível).

Pois tudo pode existir ou acontecer no universo, menos a possibilidade de alguém nos informar sobre qualquer coisa. Nascemos com o código pronto e decifrado em nossos gens e estamos na terra apenas para providenciar a boa nova ao gentio. Somos singulares, ou seja, nosso conhecimento é tão vasto que não cabe nas leis da física (ou, pelo menos, não cabia, até este último grito da moda). Gostamos de fingir ignorância apenas quando fazemos piada com assunto sério. Ou quando nos identificamos com o chamado "povo" (também tratado por "essa gente"), para nos apartar dele.

Onde a nova palavra vai nos levar é possível prever: muito espaço na mídia e eventos caríssimos com cientistas multidisciplinares (que continuam na moda). Quem será convidado desta vez para definir a singularidade de um produto, assim como nos empanturraram de convergência de uma hora para outra?

Quanto mais fabuloso o vôo teórico, mais ficaremos cercados pelo modismo. Ou seja, continuaremos correndo o risco de ser cada vez menos singulares.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça feira, 18/09/2007, no caderno Variedades do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: Daniel Duclós fotografou o livro "Meu vizinho tem um rotweiller (e jura que ele é manso...)", da trilogia Diogo e Diana, bem exposto na vitrine da Fnac, em São Paulo. Segundo seu depoimento, tem pinta de best-seller. Vamos torcer.

CERCO SINGULAR



Nei Duclós (*)

Algumas palavras ditam a moda. Houve a época do consenso, depois da distensão, mais tarde da globalização, até chegarmos à convergência. Agora é a vez da singularidade, um estado (por enquanto teórico) incapaz de seguir qualquer regra conhecida. Já existem exemplos. Um deles fica bem no miolo do buraco negro, ponto da curvatura espaço-tempo com massa infinitamente densa. Outro é o ambiente isolado que originou o Big Bang.

A explosão original é um singularidade que desabrochou. Até hoje ouvimos seu arrastar de correntes pelo cosmo, pelo menos é o que os cientistas admitem. O Big Bang parece ser a contrapartida gerada pelo ciúme da ciência diante do bem elaborado texto do Gênesis. A teoria faz concorrência ao misterioso narrador do Gênesis (que não é Deus, já que se refere a Ele).

O autor bíblico, um intermediário da palavra divina, é o modelo dos cientistas ateus. Fartos de paradigmas, eles se expandem cada vez mais, atingindo a fábula, a ficção, a parábola, o mito ou pura e simplesmente a "boutade", aquela sacada que faz estrago e impressiona. O Big Bang, estrondoso "Faça-se a luz" multiuso, é um desses impactos.

A Teoria das Cordas, outro rebento científico, foi além, já que não admite contestação, segundo bolsões da imprensa. É proibido desconfiar das certezas geradas pelos objetos unidimensionais, semelhantes às cordas. Elas ameaçam a atenção excessiva às partículas, tão caras à nossa mentalidade leiga, impregnada de Einstein mas no fundo ainda newtoniana. Nossa formação não permite que a relatividade ocupe o lugar reservado à revolução de Newton. O cálculo infinitesimal já é um quebra-cabeça e tanto, imagine o tempo sendo modificado pela velocidade.

Os conceitos mudam, ameaçando carreiras e intrigando as massas. É lucrativo ficar atento e acatar a nova onda sem exibir perturbação. Quando a palavra pega, adotamos a moda como nossa segunda natureza. Se alguém se referir à singularidade poderemos expelir aquele som gutural, emitido de maneira bem espichada, que soa como um hãm hãm de concordância, mas é mais do que isso. É uma confirmação da nossa sabedoria e também uma exigência. O interlocutor precisa dizer algo que desconhecemos (o que é, claro, impossível).

Pois tudo pode existir ou acontecer no universo, menos a possibilidade de alguém nos informar sobre qualquer coisa. Nascemos com o código pronto e decifrado em nossos gens e estamos na terra apenas para providenciar a boa nova ao gentio. Somos singulares, ou seja, nosso conhecimento é tão vasto que não cabe nas leis da física (ou, pelo menos, não cabia, até este último grito da moda). Gostamos de fingir ignorância apenas quando fazemos piada com assunto sério. Ou quando nos identificamos com o chamado "povo" (também tratado por "essa gente"), para nos apartar dele.

Onde a nova palavra vai nos levar é possível prever: muito espaço na mídia e eventos caríssimos com cientistas multidisciplinares (que continuam na moda). Quem será convidado desta vez para definir a singularidade de um produto, assim como nos empanturraram de convergência de uma hora para outra?

Quanto mais fabuloso o vôo teórico, mais ficaremos cercados pelo modismo. Ou seja, continuaremos correndo o risco de ser cada vez menos singulares.

17 de setembro de 2007

ENTREVISTA SOBRE DIOGO E DIANA


A foto acima foi tirada na Feira do Livro de Uruguaiana em 2004. Estão, pela ordem: Tabajara Ruas, Miguel Ramos, eu e Rubens Montardo, todos sob a guarda do Barão do Rio Branco e da Catedral de Santana. Foi nesse evento que Taba me falou sobre o seu projeto de três livros sobre dois adolescentes, Diogo e Diana, com superpoderes, na ilha de Santa Catarina. O convite para escrever junto com ele veio depois. Agora, que o primeiro volume está em todas as livrarias, a editora Galera Record está distribuinmdo a seguinte entrevista dos dois autores do pampa, moradores de Florianópolis, que estréiam na literatura juvenil com "Meu vizinho tem um rotweiller (e jura que ele é manso...)".


"Tabajara Ruas, que também é cineasta, revela que a série Diogo & Diana deve virar filme brevemente: “Meu vizinho tem um rottweiler (... e jura que ele é manso) tem todos os ingredientes para um bom filme de aventuras para jovens: amizade, ação, mistério, magia e o duro aprendizado da vida e do amor.”

Escolados na literatura para adultos, esta é a primeira incursão dos escritores nas histórias infanto-juvenis. “Existe uma excelente literatura infanto-juvenil no país, o Nei e eu apenas pretendemos entrar nesse caminho e andar por ele”, disse Tabajara Ruas. A possibilidade de escrever para outro público também encantou Nei Duclós: “A literatura infanto-juvenil ambientada no Brasil pode ter o mesmo charme e exercer a mesma atração do que os produtos estrangeiros. É nisso que acredito.”

O que gerou a idéia inicial do livro?

Tabajara - Primeiro a vontade de escrever uma história com uma só responsabilidade: a de contar uma boa história. Sem esteticismos, sem maneirismos, sem frescura nenhuma. Uma história para a garotada, que sabemos muito bem, não é nada boba. E segundo, o mundo cultural da ilha de Florianópolis, onde o Nei e eu vivemos, cheia de bruxas, fantasmas, aparições e monstros exóticos.

Como foi escrever um livro a quatro mãos? Como foi o processo criativo?

Nei - Trabalhar com Tabajara Ruas é uma tranqüilidade. Além de dominar o ofício, saber exatamente como se constrói a trama de um romance (o que é sempre base sólida para criarmos em cima do que é proposto), Taba abre o leque para toda espécie de contribuição. Isso me deu grande abertura para trabalhar. Participei ativamente da criação de personagens e do desenvolvimento da trama. Ao mesmo tempo, nas nossas reuniões, interagíamos com alto nível de sintonia sobre o que deveríamos aprontar nos episódios que se sucediam.

Tabajara - O Nei é um poeta maior, um romancista sólido e um jornalista de grande experiência. Além do mais, somos amigos de infância, na distante Uruguaiana. Foi tudo muito natural. Algumas reuniões, algumas leituras, um esboço e muito trabalho.

Por que escolheram ambientar a série em Florianópolis, já que ambos são gaúchos?

Tabajara - Talvez porque moramos na maravilhosa Florianópolis. Nos últimos três anos vivo mais em Porto Alegre, em função do meu trabalho com cinema, mas tenho casa há 15 anos em Floripa e meus dois filhos nasceram lá. Mas somos escritores, inventamos coisas, fundamos novas mitologias. Da ilha tiramos o cenário de paraíso e a intimidade do ilhéu com o mundo mágico.

Nei - Este lugar [Florianópolis] mágico e assombroso é o espaço ideal para uma série de aventuras, pois mantém ainda a presença forte da natureza. Toda obra de aventura tem o mar, a montanha, o gelo, a floresta, ou seja, a natureza, como personagem principal. É o que acontece com Diogo & Diana.

Acredita que os jovens leitores brasileiros se ressentem de histórias ambientadas no Brasil?

Nei - Acho que existe um enorme fosso entre o que a meninada vive e o que consome na indústria cultural. Está tudo muito defasado. Essa diferença é extremamente alienante, pois a vida diária acaba se confrontando com um imaginário produzido em ambientes completamente diferentes, mesmo que falem tanto em globalização. Existe também muito equívoco em relação a esse público (e, acredito, em relação ao público em geral). O mercado procura ter idéias definitivas sobre o consumo e isso engessa demais a criação. Há também o medo eterno de não se arriscar nada, entre o mesmo se reproduz indefinidamente. O que estamos propondo é abrir uma janela nesse cerco, retomar o que foi abandonado, trazer de volta a literatura para o chão, sem que isso signifique cortar as asas de ninguém. A literatura juvenil ambientada no Brasil pode ter o mesmo charme e exercer a mesma atração do que os produtos estrangeiros. É nisso que eu acredito.

Diogo & Diana vai ser uma série? Podem nos contar as próximas aventuras da dupla?

Tabajara - Diogo & Diana já nasceu como série. O Nei e eu temos um contrato de três livros com a Editora Record. Meu vizinho tem um rottweiler (...e jura que ele é manso) é o primeiro. O segundo livro já está quase pronto e deve sair no ano que vem. Se chamará A trilha da lua cheia. E do terceiro já temos um esboço bem alentado.

O livro também pode virar filme?

Tabajara - Meu vizinho tem um rottweiler (... e jura que ele é manso) tem todos os ingredientes para um bom filme de aventuras para jovens: amizade, ação, mistério, magia e o duro aprendizado da vida e do amor.

Ambos são escritores conhecidos por seu trabalho com romances para adultos. Como foi escrever para outro público?

Nei - Já tinha me aventurada na literatura infantil, escrevendo uma história curta em prosa e outra em poemas. Mas tinha ficado nisso. Essas duas incursões permanecem ainda inéditas. Agora foi a oportunidade de me dirigir à juventude. É fácil, basta não abrir mão da intensidade dramática, da qualidade do texto, da complexidade da trama. Adolescentes são exigentes e não se deixam enganar por qualquer tipo de facilitação. Se pensam por aí ao contrário, é porque estão enganados.

Tabajara - As aventuras de Diogo e Diana trazem o encanto da juventude, sua graça e sua doçura. Foi um bom exercício tentar alcançar esse parâmetro, nada fácil na confusa e frustrante realidade dos nossos dias.

Quais os cuidados que tiveram com a linguagem para que Diogo e Diana e seus amigos falassem com as mesmas gírias da geração que eles retratam?

Nei - Fiz algumas pesquisas com pessoas próximas e também fico atento como falam e o que dizem ao meu redor. Por alguns anos convivi com os estudantes que pegavam a mesma linha de ônibus aqui na ilha. Mas procurei não me limitar ao que percebi. Trabalhei a linguagem como obra literária. As gírias aparecem mas não são determinantes, servem como ambientação. O certo é sempre apostar nas soluções clássicas da linguagem culta. Não tentar a esperteza de clonar o que imaginamos ser a linguagem da juventude. Esse é o respeito devido que temos para esse público. Não somos “amigões” dos leitores. Somos escritores.

Tabajara - Trabalhamos como escritores. Usamos a intuição, ouvimos com cuidado, perguntamos a nossos filhos, acompanhamos conversas no orkut e fomos aprendendo muito. Escrever as aventuras de Diogo & Diana foi estimulante e achamos que escrever os próximos livros da série também será.

16 de setembro de 2007

ALEMANHA, A EXTRAORDINÁRIA



Releio a parte de Feurbach de “A ideologia alemã”, de Marx e Engels, uma pedra de cal no idealismo e o livro fundador, no mínimo, de toda História moderna. É um texto lapidar, de uma clareza emocionante. Quanto mais avançamos nas ciências humanas, mais Karl Marx e Friederich Engels se transformam no puro diamante da revolução do conhecimento. É simples assim: “A consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente e o ser dos homens é o seu processo de vida real”. Portanto, a consciência não existe no céu para descer à terra, como querem os idealistas, é o contrário.

Isso serve para desmascarar a atual indústria do aconselhamento. Não adianta cobrar dos incautos para dar conselhos idealistas, pois para que as vidas mudem é preciso que a produção de vida, concreta, se transforme. Se você reúne os funcionários (ou colaboradores, como quer o idealismo vigente) para dizer que eles podem tudo, desde que coloquem algumas palavras de ordem na cabeça, a tal atitude, estará mentindo.

Se não houver mudança nas forças produtivas¸ se a massa não sair da situação de vendedores da mais-valia (aquele plus de trabalho capturado pelo patronato), então kaputt. Pode ficar falando à vontade, eles serão sempre os mesmos, pois pensam conforme as relações de produção que os dominam, da mesma forma que seus chefes jamais vão abrir mão de seus objetivos e interesses. O resto é conversa para boi dormir.

Para efeitos deste texto, sobre “O milagre de Berna” (Das Wunder von Bern), o maravilhoso filme de Sönke Wortmann (2003), podemos dizer, sob as luzes dos alemães Marx e Engels, que a vida concreta constrói o imaginário de uma nação. Em 1954, ano em que se desenrola a história do filme, o que era essa vida concreta? Um país pobre, destruído, com famílias partidas pela guerra ainda presente, apesar de ter acabado dez anos antes. O que fez essa nação, que, como todas as outras, não existe fora dos seres reais? O que fizeram os alemães, segundo Wortmann (que é também co-autor do roteiro; o outro roteirista é Rochus Hahn)?

Uma leitura superficial dirá que ganharam pela primeira vez a Copa do Mundo, tiraram o caneco das mãos certas da Hungria, que havia quatro anos e meio não perdia um só jogo e que tinha dado um vareio de oito a três na mesma competição, disputada na Suíça. Fizeram mais do que isso. Se reconciliaram com os ex-combatentes que estavam prisioneiros na Rússia. Se concentraram na estratégia vencedora de cidadãos pacíficos e religiosos, que procuraram meios de sobrevivência real e se superaram.

A vitória na Copa foi apenas o resultado desse esforço coletivo, que mais tarde resultou na queda do muro de Berlim e na reunificação. Na reconstrução, houve, claro, a mão do imperialismo americano, mas bilhões de dólares despejados num buraco negro resultariam em nada. É no coração nacional que foi engendrada a saída e essa essência é a vida concreta dos seres conscientes pertencentes a uma mesma comunidade.

Por que a Alemanha é assim? Certamente não é pelo sangue, pela eugenia racial, pois isso seria nos rendermos ao idealismo. Precisamos da dialética marxista para entender. Uma pista é dada pelo filme. Perdemos de oito a três, urravam todos, contra o técnico da seleção, que permanecia firme. Fizemos três gols nos deuses, replicava ele. São vulneráveis, têm fraquezas, vamos aproveitá-las. O grande estrategista puxou de dentro de cada jogador a vontade de vencer, demoliu brigas internas e concentrou o jogo nas possibilidades de vitória. Deu certo.

A família que recebe de volta o ex-soldado que ficou onze anos preso na Rússia dá também uma lição de grandeza. O sujeito chega cheio de fumaças, ressentido, morto socialmente e começa a aprontar. É a reação familiar, a necessidade de união para a sobrevivência de todos, o perdão, a tolerância e a firmeza que fazem a diferença. É a solução concreta, a montagem de um negócio, sem esperar a anunciada indenização do governo, que mantém a família junta. É na escassez que se encontra a saída. É a determinação, a mudança das relações pessoais com os meios de sobrevivência que os salva. É o que opera o milagre.

Uma das cenas mais geniais deste filme magnífico é o cruzamento entre a narrativa real do jogo da Copa e a pelada dos garotos alemães disputando a bola na rua. Mas tem muito mais: os atores realmente dominam a bola, são jogadores de futebol. E jogam conforme o estilo antigo, numa paciente recomposição dos principais lances. Nós, que ganhamos a copa de 1958, num feito ainda mais memorável, jamais produzimos algo semelhante. Chegamos no máximo a esse execrável filme sobre o Garrincha em que o ator principal é um perna de pau!

Além de destruir Garrincha, colocaram alguém não familiarizado com a bola para interpretar nosso gênio do futebol. Tenham dó. Mirem-se no exemplo da Alemanha, e notem o que faz dela uma nação extraordinária.

RETORNO - Imagem de hoje: cena de "O milagre de Berna".

15 de setembro de 2007

VEJA ISSO, WILLIAM BONNER




A foto acima é de Marcelo Min, sobre Colniza, a cidade mais violenta do Brasil (163 mortes por mil habitantes), no norte do Mato Grosso, que virou uma caatinga depois de a floresta Amazônica ser destruída na região. Foto publicada na revista Época. É o retrato do Brasil oposto ao marketing do IBGE e do governo, explícito na edição desta sexta-feira do Jornal Nacional, que foi ao ar depois que o ministro Luiz Marinho, da Presidência, acusado de envolvimento num episódio pouco edificante da Wolkswagen, tomar dois minutos do horário caríssimo para dizer como a Previdência está cuidado de você, véio de merda.

Na sucessão de notícias maravilhosas sobre o Brasil, como a que crescemos tantos por cento, tem mais gente comendo e se locupletando, mesa farta, emprego saindo pelo ladrão, foi inserida, ali pelo miolo do noticiário, a esperada nota de que o processo de Renan Calheiros vai ser totalmente arquivado. É hora de o Senado trabalhar, disse Lula no alto da carruagem. O presidente ganhou valiosos minutos de William Bonner para mostrar sua irritação contra os jornalistas brasileiros, que perguntaram sobre o envolvimento do seu governo na farsa da sessão secreta que colocou um tampão nas denúncias contra o presidente do Senado.

Lula lamentou que tenha que falar do Brasil na sua despedida da Noruega. Deve ser doloroso para ele, que andou de cavalinho com os reis e rainhas, precisar lembrar que saiu da cloca em que transformou o Brasil e ter que falar dessa gente pobre, que nem usa gabardine chic na chuva. É um asco para alguém tão nobre, que foi depositar flores para os mortos da Noruega, enquanto aqui cai um monte de brasileiros por minuto, vítimas da violência a qual fomos entregues nesta ditadura interminável quen nos governa e nos governará até o aniquilamento total do país.

Veja isso, William Bonner, não pense que você está lidando com uma multidão de Hommer Simpson, como você confessou uma vez diante dos repórteres que assistiam uma sessão de pauta do JN. Ou seja, somos todos idiotas e precisamos ser manipulados. Somos marionetes desse governo aparelhado, dessa mídia monopolista. Estamos fritos.

14 de setembro de 2007

ERRO NA ERRATA


Nei Duclós (*)


Gosto da expressão “o meu melhor auge”, dita por um maratonista na véspera da prova, quando se referia à sua condição física e à perspectiva de vencer. É uma redundância encantadora e dificilmente sairia em jornalismo impresso, pois a síndrome da revisão a qualquer preço iria devorá-la. É no rádio e na televisão que temos acesso a pérolas como “me inclua fora disso”, do Vicente Matheus, um dos muitos gênios involuntários da linguagem. Mas em jornal e revista também saem coisas inesquecíveis.

O meu “melhor auge” foi quando escrevi uma errata sobre intrincado nome de uma personalidade da Polônia. A enorme quantidade de consoantes e de letras que tinham desaparecido do nosso alfabeto – e que agora vão voltar em mais uma reforma da língua – fez com que eu me confundisse todo. Não havia ainda o recurso infalível do “control C control V”, que impede esse tipo de tropeço. Precisei esmerilhar cada letra daquele enigma estrangeiro na hora de fazer a correção.

Dever cumprido, na segunda-feira seguinte me dedicava à tarefa de checar o que tinha escrito, ou seja, reportagens, resenhas e mais toda a quantidade de páginas que fechava, incluindo...a errata. Pois estava lá o nome da figura: exatamente da mesma forma com que fora escrita antes. Ou seja, estava errado de novo. A errata confirmara o erro e pagava o mico de exigir uma errata para ela mesma.

Quando erramos feio, imediatamente lembramos grandes gafes do jornalismo impresso que fizeram história. É a maneira que temos de nos compensar, desviar a atenção alheia para exemplos clássicos, repetidos até a exaustão e que nem chegam perto do que não é mais lembrado, já que todos são pessoas íntegras e jamais erram. Mas existem exemplos que juntam as duas peças, as clássicas e as que acontecem perto de nós. Como a do Sargent Shriver, que eu vi de verdade.

Saiu na primeira página de um diário de pequena, mas dinâmica capital. O título era “Democracia em ação” e dizia mais ou menos o seguinte: “Para provar que a democracia existe mesmo nos Estados Unidos, até um sargento é candidato à vice-presidência”. Confundiram o nome próprio com a patente, mas isso é tão conhecido que até perdeu a graça. Posso garantir que fui apenas leitor do crime e não seu autor.

O fato é que ninguém está livre de cometer uma monstruosidade, ir para casa dormir e no dia seguinte querer saltar pela janela. Acostumado a esse tipo de armadilha, nos últimos tempos não entrava mais em pânico. Apenas admitia um calafrio na hora de saber qual bobagem tinha deixado passar em letra de forma, ou seja, para sempre. Uma delas que também pode ficar no pódio é quando fiz o fechamento de uma revista, contendo nela suculenta matéria de alta tecnologia. Saí de férias e só voltei um mês depois, refeito do susto de ter trabalhado direto um ano seguido.

Peguei novo fechamento e não tive dúvidas: uma matéria de alta tecnologia, super suculenta, estava dando sopa. Escolhi outras fotos e mandei bala. A repórter, free-lance, me telefonou quando a coisa foi distribuída: “Vou ganhar duas vezes?” perguntou. Ué, por quê? “Porque você usou oura vez a minha matéria”. Era verdade. Um ato falho ou apenas a irresistível incompetência de quem, de tanto bater em ferro frio, acaba cometendo aquilo que precisa evitar?

O pior é que nem tinha identificado, nem nas informações, nem na quantidade de imagens disponíveis, o assunto que eu tinha publicado 30 dias antes (uma eternidade). Ainda mais grave: a edição passara por todos os trâmites e ninguém tinha notado nada. Isso confirmava nosso slogan sobre a repercussão daquilo que fazíamos: “Ninguém lê!” Era um exagero, mas servia de muleta. O chato é que não houve reclamações. Talvez a reportagem fosse tão boa, tão cheia de dados, que as pessoas gostaram de rever o assunto. Foi o que pensei dias depois, quando mais uma edição pressionava o expediente.

Uma vez, trabalhando nas Variedades (apelidada, pelos invejosos de outras editorias, de Amenidades e Frescuras), de grande jornal, soube que o colunista social tinha esquecido em cima da mesa do diagramador um de seus inúmeros papeizinhos rabiscados que compunham o conteúdo de suas notas. Era um bilhete de alguém, pedindo a intervenção do jornalista para que o filho fosse poupado de uma punição do colégio, ou algo assim.

O diagramador, como sempre acontece, nem leu (era comum, em jornais variados, saírem trechos de texto de ponta cabeça, naquele tempo em que eles eram colados no sistema de past-up). A nota saiu e foi um escândalo. Flagrado no tráfico de influência, o colunista entrou furioso na redação querendo cortar a cabeça do diagramador, que era moço de boa paz e tinha apenas feito seu trabalho. A cara furibunda do ogro contrastava com a bonomia do artista pilhado em momento histórico do jornalismo pátrio. Ninguém foi demitido, mas a nota fatídica foi arrancada até do arquivo do jornal.

O bom é que depois de uma série de barbaridades ao longo de sua vida o jornalista acaba virando uma figura respeitável, não tanto pelo que trabalhou, mas pelo fôlego de se manter em pé numa profissão complicada. Chega então o tempo das homenagens, dos perfis e das entrevistas. Fulano de tal, um século de profissão. Pergunte quantas vezes ele errou e como errou. Garanto que a matéria vai ficar muito mais confiável.


RETORNO - 1. Imagem de hoje: Anjos entre nuvens, de Regina Agrella. 2. (*) Publiquei o texto acima no Comunique-se. Reproduzo aqui, com algumas correções, junto com os comentários dos colegas jornalistas.

Diz a lenda que não houve errata porque o editor chegou à conclusão de que o título estava irreparável: "Fé de um povo na rua", mancheteou sobre o Círio de Nazaré. Afinal, matutou, mais de um milhão de romeiros, sol de lascar, gente suando em bicas, cinco horas de procissão... (Euclides Farias)

Li certa vez numa revista "...a delfútia das noites parisienses..." e fui ao dicionário procurar o significado de "delfútia", mas nada encontrei. De tanto ler os textos do mesmo jornalista, cujo nome esqueci, observei que ele inventava palavras livre de quaisquer censuras. Ainda não completara dez anos de idade, mas aprendi a admirar essas invenções que só enriquecem o idioma. E vc, Nei,com simpatia semelhante por tais expressões, mostra que, além de grande editor, é igualmente um espírito sensível, raro de se encontrar nas nossas redações. Parabéns. (Daniel D'Assumpção Dos Santos)

Há um caso clássico de errata da errata no século retrasado, quando do imperador D. Pedro II, que teve ou um entorse ou fratura na Europa e descia do barco. O jornal dizia que ele ele estava apoiado em duas MALETAS. Um erro para Japiassu, se ele fosse nascido nessa época. E o jornal corrige no dia seguinte, desta vez pensando em um Janistraquis futuro: "Diferentemente do que informamos ontem, o imperador D. Pedro II não estava apoiado em duas maletas, mas sim em duas MULATAS" É para Sargentelli nenhum botar defeito...( André Fiori Patrício).

Conheço um caso de errata da errata. A errata do livro saiu "Onde lê-se isso leia-se aquilo". Depois de constatar que a ênclise estava errada, foi colocada a "errata da errata": Onde se lê "onde lê-se", leia-se "onde-se lê". (Francisco Wilson Leite de Mesquita ).

13 de setembro de 2007

RECEITA


(Jogral para cozinha e mesa, em duas vozes, uma para verbos, outra para substantivos)


Nei Duclós


Caça amansa flamba alcança

coelho pomba anta cervo


Pega estoca esfola espeta

ostra carpa foca lebre


Carpe fuça entope enterra

miolo bucho peito erva


Engrossa torce puxa escorre

sonho massa mousse média


Atiça esmaga malha adoça

alho fogo lenha ferro


Cura abafa surra serve

sal escama polvo bétula


Afaga apura alisa ferve

salvia salsa broto grama


Rasga carpe lambe talha

lombo crina crista arraia


Sorve solta colhe assa

soja aipim feijão farelo


Soca turva mancha tasca

grelha silo trempe sola


Dobra enxuga medra mói

toalha trapo mosto mola


Chama trança raspa rói

folha fiapo pilha talho


Passa risca rompe cai

língua louça luva larva


Soma pira perde cobra

porta senha sopro sobra


RETORNO - Imagem de hoje: pintura de Caravaggio.

12 de setembro de 2007

A INDÚSTRIA DO CONSELHO


Nei Duclós

O jornalista, por dever de ofício, domina a essência das consultorias, que é a linguagem. Por isso deveria ser imune à indústria do aconselhamento profissional. Qualquer outro ramo pode embarcar nas falas sobre as atividades produtivas . Mas entre nós um consultor não teria cacife para dizer como a coisa funciona, pois tropeçaria no próprio lead, se enrolaria no primeiro jargão, seria flagrado nas suas verdadeiras intenções. Isso se o talento não tivesse sido erradicado do jornalismo, sob acusação de “romantismo”, ou seja, de anti-profissionalismo.

Queria ver um romântico sobreviver nas redações antigas, que exatamente se pautavam pela objetividade, pela eficiência do texto, pelo impacto conseguido no fechamento, pela informação realmente exclusiva, pela reportagem de campo, pelo suor, o sangue e a lágrima. Duvidam? Basta fazer um balanço dos grandes nomes que habitaram aquelas paragens do tempo e do espaço. Gente pesada não teria se desenvolvido num lugar de frescuras românticas.

Naquele ambiente, um consultor seria fulminado na hora de abrir a boca. Para ser ouvido teria que primeiro enfrentar algum rito de passagem, como buscar a calandra. Não havia misericórdia, mas entre os pares a impiedade era compensada pela ética da generosidade, a que joga um aluno no mar para que aprenda a nadar, mas não deixa que ele se afogue. Não se tratava de bons sentimentos, mas de jornalismo em tempo de guerra. O motivo de tudo isso ter sido derrotado é meramente político. Era preciso jogar fora quem ousou escrever com independência em tempos de ditadura.

Hoje uma consultoria faz estrago num jornal tradicional, que, claro, enfrenta dificuldades pelo excesso de poder que a mentira usufrui neste regime de exceção consolidado e oficializado (em que impera a dívida econômica impagável e os grandes monopólios). Um consultor serve à ditadura ao instaurar a percepção burocrática dos processos, a padronizar as abordagens, a selecionar a mesmice, a encobrir os fatos e a impor cargas tiranas de trabalho.

Há uma cena soberba no primeiro filme da trilogia sobre a Argentina moderna de Juan Jose Campanella. Em “O primeiro amor, a primeira chuva” (os outros são “O filho da noiva” e “O Clube da Lua”) um jovem editor, cheio de fumaças das consultorias, tenta forçar um jornalista veterano a fazer uma matéria de fofocas a partir de um tema político. A reação é antológica. O veterano berra que cobriu guerras, sobreviveu a 300 ministros e dez presidentes da República, foi correspondente de vários fronts e que não jogaria sua profissão no lixo a mando de alguém que nada entende de jornalismo. E arremata perguntando para os outros, que se submetem aos tais novos tempos: “Vocês não sentem vergonha?”

A diferença entre os argentinos e nós é que eles não se iludiram com a versão de que a tirania foi erradicada com a volta das eleições presidenciais. Expulsaram mandatários a panelaços, renegociaram a dívida externa, prenderam torturadores (aqui, foram anistiados). Entre nós, a opressão ficou institucionalizada e se manifesta em todos os estamentos da vida profissional e pessoal. Um consultor pode ganhar por pessoas demitidas, decidir que haja sempre mulher pelada na capa, reproduzir fofocas notórias, mandar amaciar o noticiário político e até mesmo “convidar à reflexão”, como se reflexão precisasse de convite.

Claro que tudo isso é embalado por uma espécie de argumentação bem posta, com status, pois nossa democracia foi feita para atender a pressão de elites emergentes que não encontravam lugar na velha ordem (a ditadura na mão dos militares e dos tecnocratas). Um novo coronelismo de terno chic assumiu os postos em vários nichos, para desespero dos leitores e dos jornalistas colhidos no melhor momento de suas carreiras, quando poderiam encaminhar as novas gerações para as árduas conquistas de muitas décadas.

No vácuo criado pela intervenção, fez-se tabula rasa da mão-de-obra jornalística, transformada em massa de manobra para o aconselhamento profissional. Isso aconteceu principalmente a partir de 1979, ano da anistia aos torturadores, da grande greve dos jornalistas em São Paulo, fracassada, e da conseqüente ocupação do posto de diretor de redação pelos rebentos do patronato. Foi inaugurada então a era do manual e das versões confundidas com o estado natural das coisas.

Agora é lei dizer que o jornalismo deixou de ser “romântico”. Tradução: deixou de transparecer o conflito na formatação dos textos e imagens. Fica parecendo que as coisas são assim “desde que o mundo é mundo”. Chamam de objetividade, mas não há nada mais tendencioso. Os consultores estão aí para justificar a opressão a que as redações foram submetidas. O cala-te boca ganhou status de ciência exata.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: Algodão Doce, de Regina Agrella. O que tem a ver com o assunto? Faça sua legenda. Pode ser esta: "O sabor do talento". 2. Falei anos sobre a atual ditadura. Depois do lance desta quarta-feira, em que Renan Calheiros se safou com a ajuda do governo, de ser cassado, numa sessão fechada e secreta, ainda resta alguma dúvida sobre o regime que nos governa? 3. Desde 2005 o Ministério Público desconfiava que a máfia eslava fazia lavagem de dinheiro utilizando o Corinthians. Parece que pegaram a quadrilha. Espero que com isso o Timão volte ao normal e eu volte a ser corinthiano. Ou foi tempo demais?

SARTRE INFLUENCIA WOODY ALLEN


É totalmente baseado num trecho das memórias de Sartre, “As palavras” (Les Mots), o filme de Woody Allen “Dirigindo no escuro”, de 2002. Nessa biografia da sua infância, Sartre imagina a mãe reclamando que ele lia no escuro, ao que replica que “mesmo na escuridão poderia escrever”. É antológica a autoflagelação de Sartre neste livro ao mergulhar nas imposturas do menino órfão criado pelo avô. Numa de suas maquinações, o garoto imaginava escrever, “mais cego do que Beethoven foi surdo”, seu derradeiro livro. Os contemporâneos achariam um lixo, mas os póstumos, uma obra-prima.


Woody Allen usa integralmente esse parágrafo (páginas 129/130 da edição da Difel, 1967, quatro anos depois do lançamento de “As palavras” na França), inclusive a metáfora de Beethoven, para contar a história do cineasta que tem um surto psicótico e fica cego. Assim mesmo, consegue fazer o filme, que é considerado uma droga. Mas os franceses o salvam, acham que é genial. “Ainda bem que existem os franceses” diz Allen. Não vi na internet nenhuma referência sobre a ligação entre Sartre e Allen neste filme corrosivo, em que nem seus aliados, os franceses, escapam.

Ler Sartre é entender a nossa época. Absolutamente obrigatório, é o escritor que devassa as fantasias mais caras dos contemporâneos, decompõe a arquitetura de alienações e instaura um narcisismo às avessas que fez a fama de muita gente. Quer entender o narcisismo cool de nomes notórios? Leia Sartre, está tudo lá. Eles descobriram que podem se auto-imolar à vontade, sempre sairão com uma grande frase que os redimirá. No fundo, confirmam o destino do menino Sartre, tão devassado pelo cinqüentão memorialista.

O superego exposto no açougue empresta charme à arrogância intelectual, encapotada sob mil mantos de informações seguras, citações, insights e tiradas de impacto, repetidas até o enlouquecimento. Justiça seja feita: nem sempre originais, normalmente tomadas emprestadas, com citações do crédito, claro, e que vão desde “o mais belo animal do mundo”, relacionado com Ava Gardner no seu esplendor, até “é a economia, estúpido!” a resposta malcriada e de sinceridade sartriana de um assessor do candidato Bill Clinton para os adversários encarnados em Bush pai.

Uma frase dessas pede uísque, charuto e um olhar sampacu para o infinito. E a conseqüente desconstrução da cena, pois é fundamental estar sempre à tona, para evitar o esquecimento das novas gerações.

Sartre propunha-se, na infância, segundo o depoimento do adulto, falar para o ano três mil. É o que sugerem seus seguidores, sempre na maré alta da notoriedade, por méritos próprios ou não . Talvez haja hoje tanta incapacidade intelectual que não se consiga preencher o vazio que as gerações que ultrapassam agora os 60 anos vão deixando pelo caminho. Então é preciso envelhecer rápido, como impunha Nelson Rodrigues.

Não é por acaso que Nelson Rodrigues implicou com Sartre, ou melhor, com a mentalidade subserviente dos brasileiros que ciceronearam o grande escritor e filósofo na sua festejada visita ao Brasil (um deles aparava os caroços de uma fruta que a celebridade cuspia, por exemplo). Nelson talvez se sentisse incomodado com o sucesso das frases de Sartre, famosas, como “o inferno são os outros, os homens esqueceram a sua infância, o homem está condenado à liberdade”.

Nelson tinham as suas, igualmente brilhantes, mas de tão repetidas hoje parecem ser a única produção de pensamento da humanidade, como “toda unanimidade é burra” que pela exaustão age ao contrário do que propõe, se transformando num hino à burrice.

Woody Allen abusa do talento com suas tiradas. Neste “Dirigindo no escuro”, uma personagem pede para dar um Oscar a Haley Joel Osment pelo conjunto da obra. (Osment foi o garotinho de seis anos de “Forrest Gump”, e o menino de 11 de “O Sexto Sentido”, quando quase levou de fato um Oscar). Outro elogia o sol da Califórnia e avisa que vai tirar mais um câncer de pele. Em “O Escorpião de Jade”, o detetive diz que tem tanto problema que um suicídio não daria conta do recado.

Acredito que não exista bom cinema sem os autores obrigatórios. Quer dirigir um filme ou escrever um roteiro? Leia os grandes autores. Jean-Paul Sartre na primeira fila.

RETORNO - Imagem de hoje: Woody Allen pelas lentes de Arnold Newman, datada de 1996.

11 de setembro de 2007

LIVRO A METRO


Nei Duclós (*)


Ler um livro é altamente suspeito: requer concentração, silêncio, solidão. Contraria os princípios da época, pautada pelo suor performático, a exposição ruidosa, o culto à superfície. Existem pessoas que conseguem devorar um romance viajando de pé num metrô na hora do rush, mas são raras, pelo menos no Brasil, onde há também escassez de trilhos.

Na prática, é difícil repassar a idéia de seriedade - confundida com pragmatismo - no momento da leitura. É pura perda de tempo, ou no máximo, apenas diversão. Pelo menos é o que sugerem as manifestações explícitas de algumas pessoas, não mediadas pelo hábito de agradar o interlocutor. Não arrisque folhear um volume, que é visto, nesse ângulo de observadores sinceros, mas radicais, como coisa de folgado, até mesmo vagabundo. Lendo, significa que está com a vida ganha.

Mas se conseguir capturar alguns trechos de Madame Bovary no original usando um teclado e uma tela, isso será confundido com trabalho. O olhar atento no computador, frente às letrinhas luminosas, impressiona. Nem sequer passa pela cabeça dos desconfiados que Flaubert seja navegável numa conexão típica de escritório.

As estantes atulhadas servem apenas para fazer figuração. Há uma boa porção de reconhecidas sumidades que usam luxuosas encadernações ao fundo quando dão declarações. É um hábito lucrativo, que exige investimento. Soube de um livreiro descolado que vende livro a metro. Por encomenda, ele forra paredes com obras verdadeiras, não com o expediente manjado das lombadas abraçando papel em branco. Possui de sobra estoques repassados por herdeiros de leitores longevos, que morreram junto com suas bibliotecas.

Conteúdos que só servem para a ostentação compõem o ambiente ideal para o capital simbólico. Intactos, ficam condenados ao esquecimento, apesar da boa vida de ambientes bem iluminados, esterilizados e na temperatura certa. Enquanto Guy de Maupassant, Joseph Conrad ou Tchecov dormem na sala de luxo, o olhar profissional dedica-se ao que realmente interessa: contratos, regras, leis, ordens, cardápios e toda a tralha publicitária.

Escrever literatura é também uma atividade condenada pela barbárie ágrafa, que domina corpos disponíveis e mentes ocupadas. É normal pretender ser astronauta ou intermediário de diamantes, mas largar tudo para produzir uma obra é um escândalo tratado com devoção. O argumento vibrante é que isso não dá camisa para ninguém, tanto é que só meia dúzia atinge uma posição privilegiada. Para o resto, é apenas hobby.

Talvez a origem de tanto equívoco esteja na estréia da cidadania no caminho do alfabetização. As primeiras letras, que são, de fato, as derradeiras, viram instrumentos de objetivos curtos. O alfabeto serviria não para compartilhar algo com Clarice Lispector ou Guimarães Rosa, mas sim porque é imprescindível nos concursos. Quem precisa de um romance, se existe o resumo?

É duro decidir que alguns centímetros de criação - um conto, um poema - são o ponto de partida para o futuro hectare legítimo no vasto latifúndio literário. É quase certo ficar pelo caminho. O que salva é a possibilidade, nem sempre remota, de atingir prateleiras acessíveis, ao alcance da mão, como um mouse. E virar um autor de janelas escancaradas, lido confortavelmente, sem despertar desconfiança.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 11 de setembro de 2007, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: monitores lêem para crianças na rua, Projeto Travessia, em São Paulo, foto de Marcelo Min.

EXTRA - DIVULGAÇÃO DIOGO E DIANA

O primeiro volume da triologia Diogo e Diana está com forte presença nos sites das grandes livrarias e distribuidoras. Gostei do que vi escrito na Big Livros. Vejam esta sinopse:

"MEU VIZINHO TEM UM ROTTWEILER (E JURA QUE ELE É MANSO...)

TABAJARA RUAS, NEI DUCLÓS

Dois adolescentes com poderes mágicos, bruxas que raptam crianças e muito mistério. Como cenário a bela Florianópolis de natureza exuberante e navios encalhados no fundo do mar. Está montada a base da série juvenil Diogo & Diana, que tem início com Meu vizinho tem um rottweiler (e jura que ele é manso...), escrito por dois dos mais importantes romancistas brasileiros, Tabajara Ruas e Nei Duclós.

Neste primeiro título da série, Diana, de 14 anos, acaba de se mudar com as seis irmãs mais velhas (que tem uma banda) para uma casa vizinha de onde vivem Diogo, de 13, e seu avô Manoel. Da desconfiança inicial, começa uma amizade, que logo ganha ares de flerte e de primeiro amor.

Mas nem tudo é um mar de tranqüilidade. Os jovens logo se vêem envolvidos no mistério da uma morte de um bebê. Diana vê uma bruxa levar a criança e precisa de Diogo para evitar que novos bebês sejam raptados. Os dois adolescentes ainda estão descobrindo seus poderes mágicos e necessitam de ajuda para derrotar uma congregação de bruxas.

Será que com a ajuda do vigia-do-mar Modesto, da velha bruxa boa Ritinha, do estudioso Devoto e dos amigos, o surfista Jacaré e a bela Suellen, Diogo e Diana conseguirão evitar que mais crianças sofram nas mãos das bruxas e de um monstro com a singela alcunha de Príncipe?"

Editora: Galera (Grupo Record)

ISBN: 8501077879

Edição: 1.

Número de páginas: 272

Lançamento: 6/9/2007