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18 de setembro de 2007

CERCO SINGULAR



Nei Duclós (*)

Algumas palavras ditam a moda. Houve a época do consenso, depois da distensão, mais tarde da globalização, até chegarmos à convergência. Agora é a vez da singularidade, um estado (por enquanto teórico) incapaz de seguir qualquer regra conhecida. Já existem exemplos. Um deles fica bem no miolo do buraco negro, ponto da curvatura espaço-tempo com massa infinitamente densa. Outro é o ambiente isolado que originou o Big Bang.

A explosão original é um singularidade que desabrochou. Até hoje ouvimos seu arrastar de correntes pelo cosmo, pelo menos é o que os cientistas admitem. O Big Bang parece ser a contrapartida gerada pelo ciúme da ciência diante do bem elaborado texto do Gênesis. A teoria faz concorrência ao misterioso narrador do Gênesis (que não é Deus, já que se refere a Ele).

O autor bíblico, um intermediário da palavra divina, é o modelo dos cientistas ateus. Fartos de paradigmas, eles se expandem cada vez mais, atingindo a fábula, a ficção, a parábola, o mito ou pura e simplesmente a "boutade", aquela sacada que faz estrago e impressiona. O Big Bang, estrondoso "Faça-se a luz" multiuso, é um desses impactos.

A Teoria das Cordas, outro rebento científico, foi além, já que não admite contestação, segundo bolsões da imprensa. É proibido desconfiar das certezas geradas pelos objetos unidimensionais, semelhantes às cordas. Elas ameaçam a atenção excessiva às partículas, tão caras à nossa mentalidade leiga, impregnada de Einstein mas no fundo ainda newtoniana. Nossa formação não permite que a relatividade ocupe o lugar reservado à revolução de Newton. O cálculo infinitesimal já é um quebra-cabeça e tanto, imagine o tempo sendo modificado pela velocidade.

Os conceitos mudam, ameaçando carreiras e intrigando as massas. É lucrativo ficar atento e acatar a nova onda sem exibir perturbação. Quando a palavra pega, adotamos a moda como nossa segunda natureza. Se alguém se referir à singularidade poderemos expelir aquele som gutural, emitido de maneira bem espichada, que soa como um hãm hãm de concordância, mas é mais do que isso. É uma confirmação da nossa sabedoria e também uma exigência. O interlocutor precisa dizer algo que desconhecemos (o que é, claro, impossível).

Pois tudo pode existir ou acontecer no universo, menos a possibilidade de alguém nos informar sobre qualquer coisa. Nascemos com o código pronto e decifrado em nossos gens e estamos na terra apenas para providenciar a boa nova ao gentio. Somos singulares, ou seja, nosso conhecimento é tão vasto que não cabe nas leis da física (ou, pelo menos, não cabia, até este último grito da moda). Gostamos de fingir ignorância apenas quando fazemos piada com assunto sério. Ou quando nos identificamos com o chamado "povo" (também tratado por "essa gente"), para nos apartar dele.

Onde a nova palavra vai nos levar é possível prever: muito espaço na mídia e eventos caríssimos com cientistas multidisciplinares (que continuam na moda). Quem será convidado desta vez para definir a singularidade de um produto, assim como nos empanturraram de convergência de uma hora para outra?

Quanto mais fabuloso o vôo teórico, mais ficaremos cercados pelo modismo. Ou seja, continuaremos correndo o risco de ser cada vez menos singulares.

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