O apresentador chega bem perto da câmara e num tom didático e cheio de advertência explica, escandindo as sílabas, que a vitória conservadora da França significa um Estado mais enxuto e uma condenação, nas urnas, da estrutura sindical que não deixa os trabalhadores ficarem na empresa mais do que 35 horas por semana. O recado é claro, como a regra: os socialistas e a esquerda em geral foram derrotados porque significam o passado, e o conservadorismo venceu porque significa o nosso futuro.
Esteja onde estiver, fale do que falar, a televisão brasileira sabe de que lado está: contra qualquer tentativa de revertermos a atual situação do país, em que até as pedras foram privatizadas, e com um sistema sindical totalmente engajado na destruição das leis trabalhistas. Nem pense em leis de regulamentação do trabalho, nem pense em Estado soberano. Veja o caso da França! Como se a França fosse aqui. Tudo é usado para um único objetivo: não permitir que tudo o que foi sucateado a partir de 1964 volte a assombrar os donos do poder.
Polícia ainda tem dúvidas se o jornalista assassinado no interior de São Paulo sofreu o atentado porque denunciou a sacanagem dos marmanjos que usavam crianças para festas sexuais. O direito de matar está garantido no Brasil. Se você denuncia, prepare-se para morrer. Mais cedo ou mais tarde eles vão conseguir. E o noticiário, que faz um estardalhaço na hora da denúncia, comete o maior olho branco quando vem a resposta do crime. É como se falassem de outro caso. Ficam cheio de dedos, talvez com medo de levar também um tiro. Mate que o sistema garante. Vão ficar perguntando se isso é isso mesmo.
Morreu Enéias, um dos Cacarecos (aquele rinoceronte dos anos 50 que ganhou as eleições para vereador no Rio) usados para anular a possibilidade trabalhista. O noticiário adora lembrar que Enéas venceu Brizola nas eleições presidenciais. Celebram assim o próprio feito: entronizaram o idiota para que o voto trabalhista fosse tungado. Qualquer coisa serviu para impedir que Brizola chegasse à presidência. Funciona assim: a direita cria alguém, ou permite que alguém cresça, que seja o retrato do que a própria direita faz do trabalhismo. Foi o que aconteceu com Jânio Quadros. Eles inventaram o populismo e encarnaram a falcatrua no imbecil da caspa e do sanduíche no bolso. Depois, inventaram Lula, o ágrafo convicto, o entreguista de voz grossa, a esperança da virada que virou apenas um presidente de banqueiros.
Não vejo mais TV aberta. Vejo inúmeros filmes por semana,
O que mais irrita é o perfil das criaturas destacadas tanto no noticiário quanto no intervalo comercial (um é extensão do outro): são aqueles serzinhos consumidores, falsos cidadãos, pretensamente frágeis e cool, a empurrar mentiras goela abaixo do telespectador. Enquanto isso, grossa fuzilaria impera no país. Num bar
Corta para os comerciais. Alguém está dando ou querendo dar (aplausos, aplausos, dar é a virtude suprema). A população não pode ser treinada para virar o destino. Apenas para virar o rabo em direção aos algozes.
RETORNO - Imagem de hoje: Limpando, por Regina Agrella.
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