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7 de maio de 2007

O USO DO NOTICIÁRIO


O apresentador chega bem perto da câmara e num tom didático e cheio de advertência explica, escandindo as sílabas, que a vitória conservadora da França significa um Estado mais enxuto e uma condenação, nas urnas, da estrutura sindical que não deixa os trabalhadores ficarem na empresa mais do que 35 horas por semana. O recado é claro, como a regra: os socialistas e a esquerda em geral foram derrotados porque significam o passado, e o conservadorismo venceu porque significa o nosso futuro.

Esteja onde estiver, fale do que falar, a televisão brasileira sabe de que lado está: contra qualquer tentativa de revertermos a atual situação do país, em que até as pedras foram privatizadas, e com um sistema sindical totalmente engajado na destruição das leis trabalhistas. Nem pense em leis de regulamentação do trabalho, nem pense em Estado soberano. Veja o caso da França! Como se a França fosse aqui. Tudo é usado para um único objetivo: não permitir que tudo o que foi sucateado a partir de 1964 volte a assombrar os donos do poder.

Polícia ainda tem dúvidas se o jornalista assassinado no interior de São Paulo sofreu o atentado porque denunciou a sacanagem dos marmanjos que usavam crianças para festas sexuais. O direito de matar está garantido no Brasil. Se você denuncia, prepare-se para morrer. Mais cedo ou mais tarde eles vão conseguir. E o noticiário, que faz um estardalhaço na hora da denúncia, comete o maior olho branco quando vem a resposta do crime. É como se falassem de outro caso. Ficam cheio de dedos, talvez com medo de levar também um tiro. Mate que o sistema garante. Vão ficar perguntando se isso é isso mesmo.

Morreu Enéias, um dos Cacarecos (aquele rinoceronte dos anos 50 que ganhou as eleições para vereador no Rio) usados para anular a possibilidade trabalhista. O noticiário adora lembrar que Enéas venceu Brizola nas eleições presidenciais. Celebram assim o próprio feito: entronizaram o idiota para que o voto trabalhista fosse tungado. Qualquer coisa serviu para impedir que Brizola chegasse à presidência. Funciona assim: a direita cria alguém, ou permite que alguém cresça, que seja o retrato do que a própria direita faz do trabalhismo. Foi o que aconteceu com Jânio Quadros. Eles inventaram o populismo e encarnaram a falcatrua no imbecil da caspa e do sanduíche no bolso. Depois, inventaram Lula, o ágrafo convicto, o entreguista de voz grossa, a esperança da virada que virou apenas um presidente de banqueiros.

Não vejo mais TV aberta. Vejo inúmeros filmes por semana, em dvd. No intervalo de um e outro, o zap escapa por algum canal. É sempre o horror absoluto. A publicidade reina com seus comerciais engraçadinhos, pseudo-criativos, auto-premiantes, reiterante dos papéis sociais de opressão e privilégios. Retiraram há pouco um comercial do carro que vai a 300 km por hora. Depois todo mundo se estatela no trânsito e os publicitários fingem inocência.

O que mais irrita é o perfil das criaturas destacadas tanto no noticiário quanto no intervalo comercial (um é extensão do outro): são aqueles serzinhos consumidores, falsos cidadãos, pretensamente frágeis e cool, a empurrar mentiras goela abaixo do telespectador. Enquanto isso, grossa fuzilaria impera no país. Num bar em São Paulo, dois motoqueiros meteram fogo em 50 pessoas. No interior do estado, outros dois motoqueiros vestidos de preto pararam no bar e um deles, o carona, veio para cima do jornalista que fez a denúncia, e acabou com ele.

Corta para os comerciais. Alguém está dando ou querendo dar (aplausos, aplausos, dar é a virtude suprema). A população não pode ser treinada para virar o destino. Apenas para virar o rabo em direção aos algozes.

RETORNO - Imagem de hoje: Limpando, por Regina Agrella.

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